Trabalhista

Quais os Direitos na Demissão por Justa Causa

A demissão por justa causa apavora até o mais prudente dos empregados, já que ela é a pior e mais grave forma de punição do empregador contra alguma falta grave do funcionário.

Desde que a demissão por justa causa aconteça de modo regular, as verbas a que o empregado tem direito são muito inferiores às que ele receberia se tivesse sido dispensado sem motivo.

Vamos acompanhar, a partir de agora, todos os requisitos para a demissão por justa causa. Diante de qualquer irregularidade, o empregado pode reverter sua dispensa na Justiça para receber as verbas rescisórias adicionais.

O que é demissão por justa causa?

A demissão por justa causa consiste na extinção do contrato de trabalho, pelo empregador, quando o empregado tenha cometido alguma das faltas graves previstas na CLT, porque a lei presume razoável que não se exija do empregador a manutenção de um vínculo de trabalho que tenha se tornado difícil ou insustentável.

O artigo 482 da Consolidação das leis trabalhistas (CLT) nos ensina treze motivos graves que autorizam a demissão do empregado por justa causa:

  • Ato de improbidade (furto, desvios de dinheiro ou insumos, etc.);
  • Incontinência de conduta ou mau procedimento (linguagem chula, uso de pornografia em serviço, etc.);
  • Negociação habitual por conta própria sem permissão do empregador ou prejudicial ao serviço;
  • Condenação criminal do empregado, definitiva, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
  • Desleixo no desempenho das respectivas funções;
  • Embriaguez habitual ou em serviço;
  • Violação de segredo da empresa;
  • Ato de indisciplina ou de insubordinação;
  • Abandono de emprego;
  • Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, exceto em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
  • Ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, exceto em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
  • Prática constante de jogos de azar;
  • Perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

Cada um desses motivos deve ser analisado com cuidado, para que não sejam utilizados ou até fabricados diante da vontade de demitir por outras razões diversas. A justa causa é uma aplicação punitiva que requer falta grave, e não um caminho para baratear a rescisão do contrato de trabalho.

Frequentemente, a jurisprudência brasileira constrói interpretações sobre a aplicação desses motivos. Tome como exemplo a hipótese de “embriaguez habitual ou em serviço”: o caso de um funcionário dos Correios, que compareceu ao trabalho embriagado e foi demitido chegou até o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2013, através do processo número AIRR-397-79.2010.5.10.0010.

De acordo com o Tribunal, o alcoolismo é uma doença, e como tal, está catalogada com CID específico. Como a justa causa é punição, o alcoólatra não pode ser punido em razão de sua doença, que merece tratamento durante a vigência do contrato de trabalho.

Isso não significa que o funcionário não possa ser demitido, ele pode. O que se nega, pela decisão judicial, é o uso do alcoolismo crônico como hipótese de justa causa para a demissão do empregado. Caso a vontade do empregador seja de demitir, ele deverá cumprir com todas as verbas da rescisão sem justa causa dos artigos 147, 479 e 480, todos da CLT.

Isso nos leva à conclusão de que juridicamente e, para fins trabalhistas, o alcoolismo crônico não se confunde com a “embriaguez habitual ou em serviço”. Se a bebedeira é ocasional e sugere mera irresponsabilidade do empregado, ela está mais para a insubordinação ou o mau procedimento do que para a patologia.

Requisitos para a justa causa

demissão por justa causa
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Primeiramente, o empregador não pode utilizar nenhum motivo para a justa causa que não esteja expressamente mencionado no artigo 482 da CLT (na lista do tópico acima).

Qualquer interpretação deve seguir uma linha restritiva, exatamente para evitar dispensas arbitrárias. Além disso, dois requisitos são de extrema importância e devem ser observados:

  • Requisito temporal: a relação de causa e efeito deve estar muito clara. Para tanto, a punição deve ser na sequência ou logo após o cometimento da falta, ou ela se perderá no tempo, podendo ser só mais um trunfo na hora do descontentamento com o empregado;
  • Requisito de gravidade: faltas leves devem ser punidas levemente, com proporcionalidade e adequação. Como gosto de dizer, não podemos dar tiro de canhão para parar o mosquito.

Vou citar um exemplo de justa causa irregular: imagine, por exemplo, que Fernando não goste muito de receber ordens, ele trabalha para alguém, mas não segue as orientações que recebe e não cumpre com suas funções da forma como devia. Essa pode ser enquadrada como conduta de insubordinação ou indisciplina, que autorizam a rescisão com justa causa.

Entretanto, Fernando vem agindo da mesma forma há seis meses e nunca recebeu nenhuma advertência, porque o empregador está adiando essa conversa e resolve o problema delegando para os demais o que Fernando não entrega.

Um belo dia, quando Fernando aparece no trabalho com meia hora de atrasado, pela primeira vez, o empregador resolve demiti-lo com justa causa, porque se cansou de tudo o que vinha se acumulando durante os últimos meses.

Mesmo que Fernando não seja um bom empregado, a justa causa é irregular, porque meia hora de atraso, pela primeira vez, é falta leve, contra a qual a punição de demissão por justa causa é bastante desproporcional e séria.

Além disso, porque Fernando nunca foi advertido antes, presume-se que o empregador não se importe com a insubordinação, o que o Direito entende representar um “perdão tácito” (implícito) do empregador, que age como se relevasse o que acontece.

Finalmente, devo esclarecer que a falta grave precisa ser apurada e ela é ônus do empregador, lembrando que o empregado deve ter a chance de se defender para esclarecer eventuais confusões quando esse for o caso:

JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO NÃO CONFIGURADO. ÔNUS DA PROVA. O artigo 482 da CLT enumera as hipóteses de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, dentre as quais o abandono de emprego. O ônus da prova da falta grave, por ser este fato impeditivo do direito do Autor, extraordinário e contrário à continuidade da relação de emprego, é sempre do empregador (artigos 818 da CLT e 333, II, da CLT). A presunção da continuidade da relação de emprego é princípio orientador do Direito do Trabalho. Assim, a falta deve ser provada de forma robusta, sob pena de a rescisão do contrato de trabalho ser considerada sem justa causa. Na hipótese, não há prova firme do abandono de emprego, razão por que mantém-se a sentença que reconheceu que a rescisão contratual ocorreu sem justa causa. (TRT23. RO – 00820.2012.101.23.00-2. 2ª Turma. Relator DESEMBARGADORA MARIA BERENICE. Publicado em 18/04/13).”

Verbas rescisórias da justa causa

É verdade que as verbas rescisórias de uma demissão com justa causa são bem minguadas. Basicamente, o empregado só sai dela com o saldo de salários (pagamento pelos dias efetivamente trabalhados e ainda não remunerados), férias vencidas e não pagas (com acréscimo de 1/3) e com as horas extras não compensadas, se for o caso.

O empregado não tem direito ao aviso prévio, férias e 13º proporcionais, multa sobre o saldo FGTS e para piorar não recebe seguro-desemprego, que é um programa de governo projetado apenas para demissões involuntárias, com as quais os empregados não tenham contribuído.

Não podemos esquecer que a exclusão das férias proporcionais era polêmica até pouco tempo no Poder Judiciário trabalhista, mas isso mudou em 2020. Veja só:

“No que concerne às férias proporcionais, indevido é o seu pagamento na hipótese de dispensa por justa causa, caso dos autos. (TST-RR-21184-65.2018.5.04.0512, DEJT de 04/05/2020).”

Ou, ainda, o que podemos concluir pela leitura da súmula número 171 do Tribunal Superior do Trabalho (TST):

Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses.”  

É possível afastar a justa causa na Justiça?

É possível afastar a justa causa na Justiça?
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Conseguir melhorar as verbas rescisórias com uma justa causa pré-fixada é praticamente impossível, por isso o caminho menos cruel é tentar afastar a justa causa judicialmente para que o empregado receba as vantagens legais de uma demissão injusta.

Mas nem sempre isso é possível, por isso todos os requisitos de regularidade devem ser estudados para analisarmos as chances de reversão da justa causa. Se o motivo grave alegado, por exemplo, não consta na lei, ou se a justa causa foi medida exagerada, a reversão é de fácil procedimento.

Outro ponto que pode ser combatido é a insuficiência de provas para comprovar a falta grave do empregado. O empregador deve ter registrado documentos e investigações conclusivas sobre o que alega ter ocorrido.

A reversão não só permite o acesso às demais verbas rescisórias omitidas na justa causa, como também pode gerar uma indenização por danos morais se em razão da demissão tiver ocorrido alguma circunstância vexatória, humilhante ou descabida para o empregado.

É possível ser demitido por justa causa e ainda ser indenizado?

Para quem consegue reverter a justa causa por meio de um processo judicial, a resposta é “claro que sim!”, mas e se o empregado é mantido na justa causa, é possível que seja indenizado?

Primeiramente, precisamos desvincular a ideia de que a indenização é um efeito automático da discussão sobre justa causa.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu recentemente, por exemplo, que a reversão da justa causa não gera dano moral presumido. Independentemente da situação de fato, ou seja, do problema real, desde que o trabalhador comprove ofensa à honra, ao nome, ou que passou por sofrimento específico ele pode ser indenizado (RR 11335-55.2015.5.01.0028, TST).

Por isso, a nossa resposta é de que é possível sim! Isso pode acontecer quando o empregado é demitido por justa causa sem saber o motivo, por exemplo:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR. ACUSAÇÃO SOMENTE EM JUÍZO DA PRÁTICA DE ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL, DE MAU PROCEDIMENTO E DE DESÍDIA, SEM QUALQUER EVIDÊNCIA QUE PUDESSE DAR SUPORTE ÀS ACUSAÇÕES. Conforme se depreende do quadro fático delineado pela Corte de origem, a empregadora dispensou o empregado, por justa causa, sem explicitar os motivos da dispensa, tendo o empregado tomado ciência dos atos que, supostamente, teria praticado e ensejado a rescisão do contrato de emprego por justa causa apenas em juízo, com a apresentação da peça defensiva pela reclamada, sem ter esta, no entanto, apresentado qualquer evidência que desse suporte a tais acusações, resultando evidenciado, assim, o excesso no exercício do seu poder disciplinar, devendo, portanto, a empregadora, ser condenada ao pagamento de indenização pelos danos morais causados ao trabalhador” (PROCESSO Nº TST-ARR-1279-59.2012.5.03.0012).

Compreenda que a indenização não é sobre a justa causa em si, mas sobre a falta de informação e esclarecimento ao empregado sobre o que foi tido por falta. No caso dessa decisão judicial, a empregadora não conseguiu provar o que alegava, mas se tivesse conseguido, teríamos uma situação possível de justa causa indenizada.

É claro que essa indenização não é a mesma do trabalhador estável ou da dispensa sem justa causa. Ela teria por base primária a exclusão de direitos que todo trabalhador apenado com justa causa possui: o de passar por um processo íntegro de apuração. Enfim, aqui o motivo legal para a demissão justa existe, mas os protocolos e procedimentos podem ter sido desrespeitados ou liderados de modo desconforme com as regras, causando dano e gerando indenização.

O trabalhador estável pode ser demitido por justa causa?

É muito comum escutarmos que o empregado estável não pode ser demitido em razão da estabilidade, mas esse é só um engano.

Ele pode, mas em contrapartida, deve ser indenizado, ou, num cenário menos favorável, o estável será demitido sem indenização se a demissão for por justa causa.

Dessa forma, não existe proteção no direito brasileiro, que impeça a regular demissão por justa causa, pois como já articulamos antes, a legislação dá razão ao empregador para que rompa com o vínculo de trabalho.

Demissão por justa causa em tempos de COVID-19

Demissão por justa causa em tempos de COVID-19
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A excepcionalíssima crise sanitária da COVID-19 abriu novos debates na Justiça sobre o universo jurídico da demissão por justa causa.

Tanto o Ministério público do Trabalho, como o Supremo Tribunal Federal (ADIs 6.586 e 6.587) se posicionaram recentemente no sentido de que descumprir as medidas de cuidado contra a contaminação ou recusar-se a vacinar autorizaria a demissão do empregado por justa causa.

Por outro lado, o empregador que também não fornece meio ambiente de trabalho adequado pode ser punido com o rompimento do contrato pelo empregado, algo equivalente à justa causa, no caminho inverso, conhecido por “rescisão indireta”.

A nota técnica número 02/2021 do grupo de trabalho contra a COVID-19 do MPT, considera “que a prática de burlar/violar/quebrar (“fura-fila”) a ordem de prioridades pode constituir justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, tanto do trabalhador que aplica a vacina, quanto do profissional beneficiado, em conformidade com o art. 482, letras a, b, h, da CLT”.

Já o Supremo Tribunal estabeleceu o seguinte:

“É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”

Como se vê, a excepcionalidade dos tempos flexibilizou a aplicação da justa causa para restringir atos atentatórios à saúde, tanto de trabalhadores e de colaboradores, como, em último grau, da coletividade.

O que mudou com a reforma trabalhista?

Segundo a obra de Francisco Meton e Francisco Péricles, intitulada de “Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto”, “a lei da Reforma Trabalhista mexe em mais de duzentos dispositivos da CLT e nas Leis do FGTS e de Custeio da Previdência Social. Portanto, altera todo o sistema trabalhista tradicional. No entanto, a lei não vale por si só, nem pelo estrito limite do seu texto”.

Isso nos lembra de que a formação de jurisprudência, as súmulas e os princípios de Direito também são muito importantes numa análise jurídica, quase nunca estritamente legal.

Por isso é tão importante que um advogado seja consultado para estudar as chances de sucesso da sua causa, estimando a viabilidade de uma disputa judicial.

A reforma trabalhista de 2017 adicionou nova hipótese de dispensa por justa causa, a alínea “m” ao artigo 482 da CLT, se houver “perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado”.

Por isso, desde que o empregado tenha agido com intenção, sendo imprudente ou negligente, perdendo a licença para sua habilitação profissional em decorrência disso, como ocorre com o engenheiro que perde seu registro junto ao CREA, ele pode ser desligado por justa causa. A regra faz sentido porque o empregador não pode se beneficiar mais dos serviços de quem não está autorizado a exercê-los.

Breve resumo

Repassando o que foi visto hoje, a demissão por justa causa é uma punição do empregador ao empregado que comete falta grave em serviço. A principal consequência, além do desemprego imediato, é financeira, porque as verbas rescisórias não são as mesmas de uma demissão sem justa causa.

É possível, contudo, reverter a justa causa por meio de um processo judicial e buscar indenização por danos, dependendo das circunstâncias da dispensa, se forem anormais ou desmedidas para o trabalhador.

Muitos fatores devem ser abordados e, não só a reversão da justa causa e a concessão de indenização precisam ser avaliados, mas também se a apuração da falta grave pelo empregador seguiu um procedimento com reunião de provas e oitiva do empregado.

Por ocasião da COVID-19, tivemos contato, ainda, com outras possibilidades de dispensa motivada, como a falta de cooperação por parte do empregado de manter as normas de distanciamento e controle sanitário contra a contaminação em dia.

Fique atento às mudanças e edições de nova legislação e sempre busque conselho profissional antes de aceitar acordos, propô-los ou decidir ingressar com uma ação judicial.

Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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