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Quinquênio e o Direito de receber o Adicional por Tempo de Serviço na Integralidade

O presente artigo tem como objetivo esclarecer aos servidores públicos municipais e estaduais do Estado de São Paulo o que é o Adicional por Tempo de Serviço, quinquênio, como deve ser realizado o seu cálculo e quem tem o direito de receber o referido adicional de forma correta pela administração pública. É uma prática bem comum dos governos municipais e estadual a realização do pagamento de forma incorreta, podendo o servidor exigir judicialmente a revisão do valor e o pagamento dos atrasados.

O que é quinquênio e o adicional por tempo de serviço?

O Adicional por Tempo de Serviço é um acréscimo percentual de 5%, calculado sobre o valor dos vencimentos que o servidor público tem direito a receber na folha de pagamento, de modo incorporado, a cada cinco anos em efetivo exercício. Por isso, ele é chamado de quinquênio. Há algumas variações nessa contagem do tempo uma vez que as legislações municipais podem fazê-lo de formas diferentes, sendo o adicional, nestes casos, nominado como anuênio, biênio ou triênio.

A finalidade do pagamento de um adicional ligado ao tempo de serviço é a de ser um reconhecimento financeiro por parte da administração pública ao servidor que constrói uma carreira no serviço público, permanecendo em suas atividades. É um pagamento complementar que, também, serve de estímulo ao servidor, pois a cada período receberá um aumento em seus vencimentos.

Quais leis garantem o direito?

No Estado de São Paulo, a primeira lei que regulamentou o quinquênio foi a lei n. 10.261 de 1968. Essa primeira lei previa, em seu artigo 127, que

o funcionário terá direito, após cada período de 5 (cinco) anos, contínuos, ou não, à percepção de adicional por tempo de serviço, calculado à razão de 5% (cinco por cento) sobre o vencimento ou remuneração, a que se incorpora para todos os efeitos.

Com a Constituição estadual de 1989, entende-se que a lei de 1968 foi recepcionada pela nova carta constitucional, ou seja, a lei continuou valendo, além do próprio texto constitucional prever, em seu artigo 129, o direito aos adicionais para os servidores públicos:

Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI, desta Constituição.

Importante dizer que o texto constitucional tem aplicação imediata, ou seja, é autoaplicável, não precisando de outra lei para o servidor ter o seu direito assegurado. Mesmo assim, para não pairar dúvidas, os deputados estaduais aprovaram uma nova lei para os servidores do Estado de São Paulo – lei n. 6628/89, art. 18º – e nela, novamente, vem explicitamente assegurado o direito ao quinquênio:

O adicional por tempo de serviço de que trata o Artigo 129 da Constituição Estadual será calculado, na base de 5 % (cinco por cento) por qüinqüênio de serviço, sobre o valor dos vencimentos, do salário ou da remuneração, não podendo ser computado nem acumulado para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento, nos termos do inciso XVI do Artigo 115 da Constituição do Estado.

Para os servidores estaduais está claro o direito. Mas, e para os servidores municipais?

A situação dos servidores municipais é bem diversa. A lei Orgânica, além de outras leis específicas, tal como o Estatuto do Servidor, de cada município, prevê, em geral, um tipo de adicional a ser contabilizado para os servidores, que pode ser contado a cada ano, biênio, triênio ou quinquênio. Para saber a que o servidor tem direito, é necessário a análise da legislação específica de cada cidade e o entendimento do Tribunal de Justiça para cada caso.

Como deve ser feito o cálculo?

quinquênio

A controvérsia ocorre, seja qual for o ente ao qual o servidor esteja ligado – municipal, estadual ou federal – na hora de calcular o adicional de tempo de serviço. A administração pública insiste em utilizar somente o padrão de vencimento básico do servidor na fórmula de cálculo, excluindo as vantagens pecuniárias pagas que não são de caráter eventual. Com isso, o acréscimo na remuneração é bem menor do que deveria ser se utilizada a fórmula de cálculo correta.

Vamos utilizar um exemplo fictício para ficar mais claro. Imagine um servidor que receba os seguintes valores no demonstrativo de pagamento:

DemonstrativoValores
Salário BaseR$ 1.000,00
Gratificação GeralR$ 100,00
Adicional por Tempo de Serviço (03 quinquênios)R$ 150,00
TotalR$ 1.250,00

Ora, no exemplo ilustrativo acima, os quinquênios estão sendo calculados somente em relação ao salário base, sendo que o correto seria somar o valor da gratificação ao salário base e, somente então, aplicar o percentual dos quinquênios: R$ 1.100 (R$ 1.000,00 + R$ 100,00) X 15% (03 quinquênios) = R$ 165,00. O valor total a ser recebido pelo hipotético servidor seria do de R$ 1265,00. É isso que a administração pública faz no dia-a-dia. Pode parecer pouco no exemplo, mas quanto mais vantagens tem o servidor e/ou maior são os valores das vantagens, maior será o seu prejuízo ao longo dos anos.

O entendimento dos juristas define a questão

Vários juristas entendem que o cálculo defendido neste artigo represente a forma correta. Isto porque o termo vencimentos ou remuneração representam o conjunto de valores recebidos de forma contínua pelo servidor, formando a base de cálculo do adicional. Para Odete Medauar, “os vocábulos ‘vencimentos’ ou ‘remuneração’ designam o conjunto formado pelo vencimento (referência) do cargo ou função mais outras importâncias percebidas, denominadas de vantagens pecuniárias.” (MEDAUAR, 2016:333).

No mesmo sentido caminha o ensinamento de Hely Lopes Meirelles:

Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício de cargo público. Assim, vencimento (no singular) corresponde ao padrão do cargo público fixado em lei, e os vencimentos são representados pelo padrão do cargo (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público da Administração direta, autárquica e fundacional. Esses conceitos resultam, hoje, da própria Carta Magna, como se depreende do art. 39, § 1º, I, c.c. o art. 38, X, XI, XII e XV) (MEIRELLES, 2004: 452) [grifo nosso]

E, para que não fique nenhuma dúvida, o jurista José Afonso da Silva esclarece que os termos vencimento (no singular), vencimentos (no plural) e remuneração dos servidores públicos não são sinônimos.

O referido jurista define que vencimento, no singular, é a retribuição devida ao funcionário pelo efetivo exercício do cargo, emprego ou função, correspondente ao símbolo ou ao nível e grau de progressão funcional ou ao padrão, fixado em lei. Nesse sentido, a palavra não é empregada uma só vez na Constituição. Vencimentos, no plural, consiste no vencimento (retribuição correspondente ao símbolo ou ao nível ou ao padrão fixado em lei) acrescido das vantagens pecuniárias fixas. Nesse sentido, o termo é empregado em vários dispositivos constitucionais.

José Afonso da Silva conclui o seu raciocínio afirmando que a remuneração sempre significou, no serviço público, uma retribuição composta de uma parte fixa (geralmente no valor de dois terços do padrão do cargo, emprego ou função) e outra variável, em função da produtividade (quotas-partes de multas) ou outra circunstância. É tipo de retribuição aplicada a certos servidores do fisco (os fiscais) que, além de vencimentos (padrão mais adicionais etc.), tinham ou têm também o direito de receber quotas-partes de multas por eles aplicadas. Hoje se emprega o termo remuneração quando se quer abranger todos os valores, em pecúnia ou não, que o servidor percebe mensalmente em retribuição de seu trabalho. Envolve, portanto, vencimentos, no plural, e mais quotas e outras vantagens variáveis em função da produtividade ou outro critério. Assim, a palavra remuneração é empregada em sentido genérico para abranger todo o tipo de retribuição do servidor público, como o que também envolve o seu sentido mais específico lembrado acima. Então, o termo remuneração pode ser empregado, e não raro está empregado, no sentido de vencimentos, mas este não é empregado em lugar de remuneração. Assim é que, em face da Constituição, é ilícito dizer que o servidor tem direito a uma remuneração mensal pelo seu trabalho, que pode ser simplesmente os vencimentos (vencimento mais vantagens) ou a remuneração em sentido próprio: vencimentos (ou parte destes) acrescidos de quotas variáveis segundo critério legal; por exemplo, vencimentos e gratificação pelo comparecimento a reuniões de conselho, comissão etc.

O quinquênio e o tribunal

E como o tribunal entende a questão? O Tribunal de Justiça de São Paulo tem sido amplamente favorável ao pleito dos servidores. Vejamos as seguintes decisões referentes aos servidores estaduais:

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. Quinquênio. Base de cálculo para incidência do adicional. Pretensão de incidência sobre os vencimentos integrais. Possibilidade. Incidência sobre os proventos integrais, excluindo-se as vantagens de caráter eventual e os acréscimos “in facto temporis”, “in facto oficii”, “propter laborem” e “propter personam”, vedado o efeito “cascata” e observada a prescrição quinquenal. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS. Cálculo que deve ocorrer conforme o julgado pelo STF no tema 810 (RExtr. Nº 870947/SE). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Tratando-se de sentença ilíquida, os honorários devem ser fixados quando da liquidação. Inteligência do art. 85, § 4º, II, do NCPC. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.

(TJSP;  Apelação Cível 1030054-40.2018.8.26.0053; Relator (a): Claudio Augusto Pedrassi; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/12/2019; Data de Registro: 18/12/2019) [grifo nosso]

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. 1. INCIDÊNCIA DE ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO – QUINQUÊNIO – SOBRE A INTEGRALIDADE DOS VENCIMENTOS. POSSIBILIDADE. Reconhecida a possibilidade da incidência sobre a totalidade da base de cálculo das parcelas percebidas permanentemente pelo servidor, exceto as de caráter eventual. Entendimento consignado na Assunção de Competência nº 0087273-47.2005.8.26.0000. Constituição Estadual que utiliza a expressão vencimentos – plural – que abarca todas as parcelas permanentes. 2. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. O Supremo Tribunal Federal julgou e rejeitou os embargos que postulavam a modulação dos efeitos da decisão do Tema 810, em 03.10.2019. Sendo assim, a incidência de juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e correção monetária de acordo com o IPCA-E/IBGE, que bem representa a correção da expressão monetária, aplicados na forma do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação do art. 5º, da Lei 11.960/09, respeitada a inconstitucionalidade da atualização monetária segundo a Taxa Referencial, declarada pelo E. STF. 3. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade feita pelo E. Supremo Tribunal Federal aplica-se somente aos precatórios expedidos até o dia 25.03.2015, não tendo qualquer reflexo nas condenações atuais que deverão observar a inconstitucionalidade. 4. Sentença reformada. Recurso provido.

(TJSP;  Apelação Cível 1060115-78.2018.8.26.0053; Relator (a): Marcelo Berthe; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 24/10/2019; Data de Registro: 25/10/2019) [grifo nosso]

Em relação aos servidores municipais, o Tribunal de Justiça também tem entendido que o cálculo deve ser sobre os valores totais, excluídos os de caráter eventual ou pessoal. Veja o exemplo dessa decisão referente a uma servidora da cidade de Ribeirão Preto:

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL DE RIBEIRÃO PRETO. Pretensão de que os adicionais temporais sejam calculados sobre o total dos vencimentos. Possibilidade da autora receber o quinquênio e a sexta-parte com base na sua remuneração mensal. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. Incidência do art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97, com a redação da Lei nº 11.960/09, porque a definição ainda se encontra pendente em incidente de Repercussão Geral (Tema nº 810 do STF – atrelada ao RE nº 870947). Precedente desta C. 8ª Câmara de Direito Público, deste E. TJSP. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE E REMESSA NECESSÁRIA ACOLHIDA EM PARTE SOMENTE PARA REFORMAR O CAPÍTULO DA R. SENTENÇA REFERENTE AOS JUROS DE MORA E À CORREÇÃO MONETÁRIA. (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1040535-32.2016.8.26.0506; Relator (a): Antonio Celso Faria; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/08/2019; Data de Registro: 27/08/2019) [grifo nosso]

Conclusão

Diante de tudo que foi apresentado, pode-se concluir que os servidores estaduais e municipais devem estar atentos aos valores pagos como adicional por tempo de serviço, pois a administração pública pode estar realizando o pagamento de forma incorreta. Se isso estiver acontecendo, o servidor pode procurar os seus direitos para passar a receber corretamente, além de reaver os valores devidos no passado. Importante ressaltar que os servidores municipais estão sujeitos à legislação do seu município, o que pode gerar direitos diferentes de uma cidade para outra. Quanto aos servidores estaduais, esse direito é amplamente reconhecido pelo judiciário.

Rafael Faganello

Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB.

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