Ônus da Prova: Registro de Ponto
Muitos casos trabalhistas chegam no Judiciário por conta de controvérsia em razão da jornada de trabalho, seja para fins de reconhecimento de vínculo, adicionais salariais, como hora noturna, horas extras.
Ocorre que o meio mais comum de comprovação se dá pelo registro de ponto e é sobre ele que trataremos hoje.
Controle da Jornada de Trabalho
Inicialmente, destacamos que a jornada de trabalho compreende o espaço de tempo em que o empregado presta serviço ao empregador sendo contado a partir do momento em que inicia até seu término, sendo desconsiderado o tempo de intervalo.
O registro de ponto é devido aos celetistas, sendo o monitoramento sobre o tempo disposto, o qual é realizado obrigatoriamente pela empresa que possui mais de 20 (vinte) funcionárias, conforme dispõe o artigo 74 da CLT.
Há tolerância de 5 (cinco) minutos conforme a CLT em seu artigo 58, §1º, no caso de atraso ou saída antecipada.
Vamos explicar brevemente os tipos de registro de pontos mencionados na CLT:
- Manual: entrada, saída e intervalos em folha ponto, com a assinatura do empregado. Método menos seguro em razão da ocorrência de eventuais fraudes ou rasuras, além de ser mais trabalhoso.
- Relógio: normalmente por meio do CPF, nº cadastrado do empregado ou digital, há o registro de entrada, saída e intervalos. É um método já mais seguro com maior custo de manutenção.
- Eletrônico: ganhou muito espaço no contexto anual, marcado pela forma de trabalho home office. Normalmente automatizados, por biometria, senha, reconhecimento facial, todo o processo de forma online. Acaba sendo o de maior custo benefício.
Quando há discordância quanto ao ali registrado como por exemplo, distorção da realidade fática, há a necessidade de intervenção do Judiciário, como é o caso que analisaremos agora.
Jurisprudência e o Registro de Ponto
Um processo que vai deixar bem claro a questão do ônus da prova do registro de ponto chegou ao TRT-2 para julgamento, o qual possui a seguinte ementa:
CARTÕES DE PONTO. INVALIDADE. ÔNUS DA PROVA. A reclamada acostou aos autos os controles de frequência do reclamante do período contratual com registros variáveis do horário de entrada e saída. Assim, nos moldes do item II, da Súmula 338, do C. TST, bem como dos artigos 818, da CLT e 373, I do NCPC, era do autor o encargo de afastar a presunção de veracidade da jornada registrada nos cartões de ponto trazidos pela defesa. Com efeito, em que pese a testemunha do reclamante ter afirmado que os horários anotados não eram os efetivamente trabalhados e que batia o cartão e voltava a trabalhar, é certo, também, que a testemunha da reclamada corroborou a tese da defesa, quando afirmou que os cartões anotados registravam exatamente os dias e horários trabalhados e que não havia supressão de dias, horários ou horários de intervalo, nos controles de ponto, e que podia haver jornada aos sábados e feriados, mas não aos domingos. Assim, sendo colidentes os depoimentos prestados pelas testemunhas, conclui-se que o autor nada comprovou, na medida em que não se pode dar prevalência a um depoimento em detrimento do outro, motivo pelo qual se decide contra quem teria o encargo de produzir a prova e não o fez, no caso, o reclamante. Assim, não tendo o reclamante se desincumbido de seu ônus probatório (art. 818, I, da CLT), reputo que os horários registrados nos cartões de ponto referente aos meses de setembro, outubro, novembro de dezembro são aqueles efetivamente trabalhados. Observo também que os horários registrados são bastante variados, conforme alegado em defesa, contendo algumas horas extras registradas, as quais foram devidamente quitadas conforme apontam os holerites juntados, sendo que o reclamante não apontou eventuais diferenças devidas a tais títulos. Recurso da reclamada a que se dá provimento. (TRT da 2ª Região; Processo: 1000252-46.2020.5.02.0311; Data: 17-11-2021; Órgão Julgador: 18ª Turma - Cadeira 2 - 18ª Turma; Relator(a): RENATA DE PAULA EDUARDO BENETI)
O processo versa sobre um trabalhador que tinha a jornada de trabalho de segunda a sexta das 8h às 17h com intervalo de uma hora e aos sábados das 8h às 12h sem intervalo. Contudo, afirmou na inicial que devido à alta demanda de trabalho realizou diversas horas extras, nos meses de setembro e dezembro.
Nestes meses desde 2015 até 2019, laborava de segunda a sexta das 8h às 22h e aos sábados das 8h às 17h, dois domingos ao mês e feriados das 8h às 17h, sempre com intervalo de apenas meia hora.
Afirmou que o registro era feito em folha ponto, assinada ao final do mês, e que por orientação da empresa batia ponto antes do término da jornada, retornando ao trabalho, bem como nos domingos e feriados não batia ponto.
Na defesa, a empresa apresentou o registro de ponto e, também, as horas extras que haviam sido quitadas. Afirmou que a partir de 2017 houve alteração na jornada do reclamante, sendo que este laborava das 8h às 18h de segunda a quinta e das 8h às 17h na sexta. Neste caso, apresentou o acordo de compensação de jornada, tendo em vista que diluía as 44h semanas nos 5 dias da semana, folgando sábado e domingo.
Na sentença, o Magistrado reconheceu as horas extras devidas, em razão da Súmula 338 do TST, afastando os registros de ponto, considerando verdadeiros os fatos narrados pelo trabalhador.
Inconformada, a empresa recorreu da decisão, alegando a validade do controle de frequência apresentado, sendo indevidas as horas extras.
Desta forma, iniciou a Relatora da 18ª Turma do TRT-2, esclarecendo a aplicação da Súmula acima mencionada, a qual assim determina:
JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.
O inciso III se refere ao chamado ponto britânico, que é aquele que é invariável, correto até demais, o que gera dúvida quanto à veracidade. Nestes casos, para evitar que haja fraude, como se o registro tivesse sido montado para o processo, com o objetivo de se desincumbir de qualquer responsabilidade, a jurisprudência inverteu o ônus da prova – obrigação de fornecer garantias de sua posição, do que defende, provas a seu favor – sendo de responsabilidade do próprio empregador demonstrar a veracidade do registro apresentado, seja por testemunhas ou demais documentos.
No caso concreto, o Tribunal não aplicou a Súmula, tendo em vista que os registros apresentados pela Reclamada não eram invariáveis, sendo o caso de aplicação do artigo 429, I do Código de Processo Civil em conjunto com o artigo 818, I da CLT, que afirmam que caso o empregado alegue a falsidade dos registros apresentados, o ônus da prova é dele de demonstrar tal falsidade.
O que não ocorreu no caso a partir da oitiva das testemunhas, do depoimento da reclamada e do reclamante. Para fins de julgamento, foram observados os registros da folha ponto, reconhecidas horas extras que já haviam sido quitadas.
Ou seja, em regra é o empregador que deve apresentar os registros de ponto, pois é dele sua responsabilidade. Caso esse registro seja muito correto conforme o horário previsto em contrato, invariáveis, há a incidência da Súmula 338 do TST, invertendo o ônus da prova que passa a ser do empregador, a fim de informar que aquele registro realmente é verídico.
Contudo, caso apresentado um registro de ponto variável, possível de prática na realidade, e o empregado afirmar que não são reais aqueles registros, o ônus da prova quanto à falsidade é do empregado, como visto no presente julgado.
Ademais, se fosse o caso de haver menos de 20 (vinte) funcionários, o artigo 818, I, da CLT, afirma que é ônus do empregado fazer prova de fato constitutivo de seu direito.
Desta forma, a Turma deu provimento ao recurso da empresa, afastando a alegação do autor quanto a sua jornada e registro de ponto.
Conclusão
Apesar de diversos direitos e deveres presentes na legislação esparsa, é dever do empregado registrar seu ponto em prol da empresa e igualmente para fins de resguardar seus direitos. Contudo, como visto, na falta do registro ou em caso de alegações de horas extras ou adicionais devidos, é de responsabilidade do empregador comprovar a jornada efetiva.
Por fim, conforme entendimento jurisprudencial, na falta desta comprovação por parte do empregador, há a presunção relativa de veracidade dos fatos relacionados ao registro de ponto, em face do “in dubio pro operario“, o qual tem por objetivo proteger a parte mais frágil da relação de emprego, bem como quando apresentada a frequência de jornada de forma muito correta, o que não seria possível de ocorrer na realidade.
Por fim, caso seja do seu interesse analisar seu caso junto a nossos especialistas, fique à vontade para entrar em contato com nosso time!