Relação de Emprego Após a Reforma Trabalhista
Existem algumas coisas na vida que parecem tão óbvias, a maioria das pessoas nunca reflete muito sobre elas; a relação de emprego é uma dessas coisas. A maioria dos trabalhadores – o leitor desse artigo possivelmente incluído – considera que relação de emprego é algo simples e até autoexplicativo: a relação entre um empregado e um empregador.
No entanto, não é possível nem começar a explicar o conceito de relação de emprego apenas com essa frase. Existem muito mais aspectos, especialmente do ponto de vista jurídico. Conhecer esses aspectos pode fazer toda a diferença para o trabalhador; para que ele entenda seus direitos, suas obrigações e as implicações de seus atos.
A boa notícia é que não é preciso ser formado em Direito nem um especialista na lei para conhecer melhor a relação de emprego; basta ter acesso às informações certas. A má notícia é que essas informações são difíceis de encontrar e, em geral, não são colocadas de uma maneira que os verdadeiros interessados, os trabalhadores, consigam aproveitá-las.
Para corrigir esse problema, preparamos um artigo extremamente completo, com tudo que você precisa saber sobre a relação de emprego em um único lugar, explicado de maneira objetiva e acessível. O que você vai aprender aqui pode, realmente, mudar a maneira como você encara suas relações com os empregadores. Então, marque essa página entre os seus favoritos, para que você possa voltar e consultar sempre que quiser, e boa leitura!
Relação de Trabalho e Relação de Emprego
Antes de mais nada, é preciso fazer uma distinção importante: relação de trabalho e relação de emprego não são a mesma coisa. Na verdade, trabalho e emprego não são a mesma coisa.
O trabalho pode ter várias formas. Por exemplo, o trabalho pode ser autônomo ou subordinado. Um vendedor de côco na rua sem dúvida trabalha, e ele não é subordinado a ninguém. Enquanto isso, o emprego necessariamente envolve subordinação. Não é possível haver um empregado, sem haver um empregador ao qual ele está subordinado.
Esse é apenas um exemplo. Existem outros requisitos para que esteja configurada uma relação de emprego, que não são necessários para que exista uma relação de trabalho. Por esse motivo, dizemos que toda relação de emprego é uma relação de trabalho; no entanto, nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego.
A título de curiosidade, dentro da categoria das relações de trabalho, além da relação de emprego, também estão o trabalho autônomo, voluntário e o estágio, entre outros.
CLT e Relação de Emprego
Você provavelmente já ouviu falar na CLT, a Consolidação das Leis de Trabalho, uma espécie de “coletânea” de normas do Direito Trabalhista. Apesar do nome, é importante saber que essas normas são aplicadas apenas aos casos de relação de emprego.
Existem outras leis, fora da CLT, que regem outros tipos de relação de trabalho. Um exemplo é a Lei 11.788 de 2008, que traz normas especificamente para a relação de estágio.
Outro ponto importante é que, enquanto a CLT só rege relações de emprego, nem todas as relações de emprego são regidas pela CLT. Algumas relações de emprego são regidas por estatutos; nesse caso, dizemos que o regime jurídico é “estatutário”. Em geral, encontramos esse regime quando o empregador é a administração pública, como no caso de servidores públicos que trabalham para a prefeitura de um município.
Relação de Emprego: Empregado e Empregador
A relação de emprego implica, necessariamente, na existência de dois “personagens”. Sem a existência de um empregado e um empregador, não existe relação de emprego. Portanto, um bom ponto de partida para entender essa relação é conhecer seus personagens.
O empregado é aquele que presta o trabalho. Existem requisitos para essa prestação, para que exista uma verdadeira relação de emprego, e nós veremos quais são nos próximos itens. Por enquanto, basta saber que a própria legislação define o que é um empregado. Veja o que diz a CLT – Consolidação das Leis de Trabalho, artigo 3º:
Art. 3º: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Outro ponto importante, que também está na CLT, é que não existem distinções entre os empregados pelo tipo de trabalho que eles fazem. Isso significa que as normas da relação de emprego valem tanto para um médico quanto para um servente de pedreiro.
Enquanto isso, o empregador é aquele que paga o salário. Veja o que diz a CLT, artigo 2º:
Art. 2º: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Em geral, pensamos no empregador como uma empresa; e o próprio artigo visto acima reforça essa percepção. No entanto, na vida real, nem sempre é assim.
Por isso, existe um parágrafo nesse mesmo artigo, estabelecendo que existem outras figuras que ele chama de “equiparados” ao empregador. Um exemplo são os profissionais liberais, aqueles que exercem profissões regulamentadas, como médicos, psicólogos, dentistas, fisioterapeutas, corretores, engenheiros, arquitetos e advogados. Eles não precisam abrir uma empresa para ser considerados empregadores.
Requisitos da Relação de Emprego
Agora, você já sabe quem faz parte de uma relação de emprego. O próximo passo é descobrir quais são os elementos fundamentais que precisam estar presentes em uma relação, para que ela seja considerada emprego, e não outra forma de trabalho.
Existem cinco elementos fundamentais que caracterizam a relação de emprego. Eles são:
- Pessoalidade;
- Onerosidade;
- Isenção de riscos;
- Não eventualidade;
- Subordinação.
Apesar dos termos parecerem complicados, as ideias são simples.
Pessoalidade significa que, na relação de emprego, o empregado deve desempenhar suas atividades pessoalmente. Se outra pessoa pode desempenhá-las por ele, não é uma relação de emprego. É por isso que um empregado é sempre uma pessoa física, nunca uma pessoa jurídica; se for uma PJ, em vez de relação de emprego, temos um contrato de prestação de serviços entre empresas.
Onerosidade significa que a relação de emprego envolve retribuição, que é o salário. Se o trabalhador não recebe salário, ele não é um empregado, mas um voluntário.
Isenção de riscos ao empregador significa que o empregado não assume os riscos da atividade do empregador. Imagine, por exemplo, que uma empresa está passando por dificuldades financeiras e fecha o ano no vermelho; o empregado deve ser pago da mesma forma.
Não eventualidade significa que a atividade desempenhada pelo empregado não pode ser esporádica. Se a possibilidade do trabalho se repetir é imprevisível, não existe relação de emprego, mas de trabalho eventual. No entanto, vale a pena notar que, especialmente com a reforma trabalhista, o trabalho não precisa mais ser contínuo para que seja reconhecido como relação de emprego. Vamos falar mais sobre isso nos próximos itens.
Finalmente, subordinação significa que o empregador determina o tempo e o modo como o empregado deve desempenhar suas atividades. Se não há subordinação, conforme vimos anteriormente, em vez de uma relação de emprego, temos o trabalho autônomo.
A Não Eventualidade da Relação de Emprego
No item anterior, vimos que um dos elementos fundamentais para a caracterização de uma relação de emprego é a não eventualidade, e agora você já sabe o que isso significa: se a repetição do trabalho for imprevisível, não existe relação de emprego, mas relação de trabalho eventual. Porém, como essa é uma questão que traz várias dúvidas nas situações práticas, vamos discuti-la com mais detalhes neste item.
Para começar, é importante entender que não eventualidade, também chamada de continuidade, não significa que o empregado precisa trabalhar todos os dias. Basta que seja previsível que ele vai continuar repetindo aquela prestação de serviço para o empregador no futuro.
Imagine, por exemplo, que uma empresa chama um mecânico para consertar com urgência um veículo de sua frota que apresentou problemas. Não existe previsão de chamar esse mecânico para trabalhar de novo; pode acontecer, caso apareça uma necessidade, mas não é possível saber quando. Nesse caso, não existe previsibilidade e, portanto, esse mecânico não tem uma relação de emprego com a empresa.
Agora, imagine que essa mesma empresa conta com um mecânico que trabalha às segundas-feiras e sextas-feiras, realizando manutenções preventivas na frota. Nesse caso, existe uma previsibilidade no trabalho, mesmo que ele não aconteça todos os dias. Portanto, estamos vendo uma relação de emprego.
Outro exemplo é o do professor que dá apenas algumas aulas por dia. Por exemplo, na segunda-feira ele dá aulas das 08h às 10h; na terça-feira, das 10h às 12h; na quarta-feira, das 08h às 12h. Na quinta-feira e na sexta-feira, ele não tem aulas. Embora ele tenha horários diferentes a cada dia, e a jornada seja parcial, é previsível que ele repetirá esse trabalho. Portanto, existe relação de emprego.
Trabalho Intermitente na Relação de Emprego
Com a reforma trabalhista, a questão da não eventualidade ficou um pouco mais complexa, devido a uma novidade que foi introduzida na CLT: a modalidade de trabalho intermitente.
Trabalho intermitente é uma modalidade de relação de emprego em que o empregador pode submeter o empregado a períodos alternados de trabalho e inatividade; esses períodos podem durar horas, dias ou meses. Isso significa que um empregado pode trabalhar por três meses e depois passar nove meses sem ser chamado à empresa, e ainda assim existe uma relação de trabalho. Esse empregado só vai receber pelos períodos em que trabalhou.
Para alguns especialistas, não existe diferença entre trabalho intermitente e eventual. Na verdade, a criação do trabalho intermitente é, basicamente, uma permissão para adotar o trabalho eventual na relação de emprego. Em outras palavras, ele eliminaria o requisito da não eventualidade.
Para outros, apesar das semelhanças, trabalho intermitente e eventual são diferentes. Essas diferenças podem ser resumidas em três pontos principais.
Primeiro ponto: no trabalho intermitente, mesmo nos períodos em que o empregado não está trabalhando e não recebe, o vínculo da relação de emprego permanece. Por outro lado, no trabalho eventual, só existe vínculo (que, lembre, não é de emprego) entre as partes enquanto o trabalhador está desempenhando alguma atividade.
Segundo ponto: no trabalho intermitente, existe uma certa previsibilidade na repetição do trabalho, justamente porque o vínculo existe. Logo, mesmo sem saber quando será convocado, o trabalhador sabe que ele pode ser convocado a qualquer momento.
Terceiro ponto: no trabalho intermitente, estão garantidos todos os direitos trabalhistas previstos para uma relação de emprego, mesmo que eles sejam aplicados de maneira um pouco distinta do que acontece quando o empregado desenvolve um trabalho contínuo.
Reforma Trabalhista e a Relação de Emprego
A reforma trabalhista, ou Lei 13.467, é uma lei promulgada em 2017 pelo então-presidente Michel Temer. Ela trouxe mudanças importantes para a CLT e para algumas outras leis trabalhistas e, com isso, promoveu mudanças na relação de emprego.
Entre as justificativas para a reforma, alguns especialistas afirmam que era necessário modernizar a relação, reduzindo as burocracias, o que poderia, inclusive, incentivar as empresas a contratar mais. Por outro lado, há especialistas que afirmam que a reforma enfraqueceu a proteção ao empregado e deu vários passos atrás nas conquistas das classes trabalhadoras.
Saber que existem dois pontos de vista sobre a reforma é importante, mas o principal é entender as mudanças que ela trouxe. Uma dessas mudanças você viu no item anterior: a criação do trabalho intermitente. Vamos conhecer outras.
Negociado sobre Legislado
Talvez a maior alteração que a reforma trabalhista trouxe para a relação de emprego tenha sido o princípio do “negociado sobre legislado”. Ele estabelece que, em certos assuntos, as negociações realizadas entre o sindicato dos empregados e o sindicato dos empregadores, ou entre o sindicato dos empregados e um empregador em particular, devem prevalecer sobre a lei trabalhista.
Os assuntos em que a negociação prevalece sobre a lei estão previstos no artigo 611-A da CLT, que foi criado pela Lei 13.467. Entre eles, estão:
- jornada de trabalho (desde que respeitados os limites estabelecidos pela Constituição);
- banco de horas anual;
- intervalo intrajornada (desde que respeitado o limite mínimo de 30 minutos para jornadas superiores a 6 horas);
- plano de cargos, salários e funções;
- enquadramento do grau de insalubridade.
Extinção do Contrato de Emprego por Acordo
A reforma trabalhista colocou na lei uma prática que já era comum em muitas empresas: a extinção do contrato de emprego por acordo entre empregado e empregador. Desta forma, o empregado pode deixar o empregador recebendo uma parte das verbas rescisórias às quais teria direito em caso de demissão sem justa causa.
Essa modalidade de extinção do contrato está prevista no artigo 484-A da CLT, criado pela Lei 13.467. Esse artigo estabelece quais verbas devem ser pagas ao empregado em caso de extinção por acordo. Elas são:
- metade do aviso prévio, se for indenizado;
- metade da indenização sobre o FGTS;
- todas as demais verbas, integralmente.
Multa por Discriminação na Relação de Emprego
A reforma trabalhista incluiu na CLT uma previsão para evitar e punir casos de discriminação na relação de emprego.
A lei determina que, se a função de dois empregados for idêntica e o trabalho realizado por esses empregados tiver igual valor, eles devem receber salários iguais. Com a reforma, se um dos empregados receber salário inferior devido ao seu sexo ou etnia, o empregador deverá pagar, além das diferenças salariais, uma multa no valor de 50% do teto da previdência, o que corresponde a cerca de R$ 2,7 mil. Essa multa vai para o empregado.
É importante notar que não basta que as funções sejam iguais; o trabalho deve ter igual valor. Dessa forma, dois empregados que ocupam o mesmo cargo de Assistente Comercial podem receber salários diferentes, por exemplo, se um deles estiver na empresa há mais tempo ou for mais produtivo.
Relação de Emprego e Contrato de Emprego
Toda relação de emprego envolve, necessariamente, um contrato de emprego, embora eles não sejam a mesma coisa. O contrato é apenas um dos elementos da relação; ele traz legitimidade para os sujeitos envolvidos – o empregado e o empregador – e para os direitos e os deveres atribuídos a cada um.
O que nem todos sabem é que o contrato não é aquele documento que o empregado assina no setor de RH do empregador. Na realidade, nem é preciso haver documento escrito para haver um contrato. Um simples entendimento não verbal é suficiente como contrato e serve para consolidar a relação de trabalho.
É por esse motivo que, mesmo quando não existe contrato por escrito, o trabalhador ainda pode iniciar uma ação judicial para o reconhecimento da relação de emprego. Desde que os elementos fundamentais que caracterizam essa relação estejam presentes, o documento assinado reconhecendo que ela existe é desnecessário.
No entanto, para a proteção jurídica das partes, o contrato por escrito é utilizado na vasta maioria dos casos. Por meio desse documento, são qualificadas as partes, ou seja, define-se quem é o empregado e quem é o empregador que compõem a relação. Também são estabelecidas as condições do trabalho a ser desempenhado pelo empregado e da remuneração a ser paga pelo empregador.
Anulação do Contrato de Emprego
Apesar de estarmos falando sobre um contrato de trabalho, as regras gerais de contratos previstas no Direito Civil são aplicadas da mesma forma. É o caso dos vícios que podem tornar o contrato de trabalho anuláveis.
Um exemplo de vício é o dolo. Ele ocorre quando uma das partes engana a outra e faz com que ela tome uma decisão que, em condições normais, não tomaria. Suponha que um profissional mente sobre sua formação, apresentando um currículo falso durante um processo seletivo para vaga de emprego; nesse caso, a decisão da contratação é tomada sob erro e, portanto, o contrato resultante pode ser anulado.
A mesma lógica, é claro, vale quando o empregado é prejudicado pelo vício. Suponha que o empregador promete um certo pacote de benefícios no momento da contratação, mas, após o empregado começar a trabalhar, percebe que esses benefícios não são verdadeiros. Nesse caso, ele foi levado a assinar o contrato pelo vício do dolo, e pode pedir a anulação.
Quando um contrato de emprego é anulado, o entendimento da maioria dos tribunais é de que o empregado tem direito às verbas rescisórias referentes ao período trabalhado.
Neste artigo, você viu os principais aspectos de uma relação de emprego. Aprendeu o conceito, entendeu a diferença entre emprego e trabalho, descobriu as mudanças trazidas pela reforma trabalhista, entendeu como o contrato pode ser anulado, e mais.
Essas informações gerais com certeza já vão mudar a forma como você vê e pensa na sua vida profissional. Agora, que tal saber ainda mais sobre Direito Trabalhista? Acompanhe o blog Saber a Lei e fique por dentro de nossos conteúdos exclusivos.