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Responsabilidade Civil: 5 Coisas que Ninguém Contou

A responsabilidade civil é o assunto do Direito que estuda e regulamenta o universo das indenizações por perdas, danos ou ameaças a direito de qualquer pessoa.

A máxima que prevalece é a de que todo aquele que prejudica alguém no exercício das próprias faculdades dentro daquilo que é permitido ou combinado, ou que quebra compromissos, violando os padrões da expectativa do comum, se torna responsável por uma reparação.

Há vários tipos de reparações e o que torna a responsabilidade civil diferente de uma sanção criminal é o viés eminentemente patrimonial. Isso significa que ao contrário da área criminal, onde se arrisca o direito de liberdade, no ilícito civil é gerado uma obrigação de pagar indenização ou de fazer-se cumprir o acordo original.

Vou apresentar, na sequência, os principais elementos em tema de responsabilidade civil no espectro das relações trabalhistas, entre empregado e empregador e também no âmbito das relações previdenciárias.

Responsabilidade civil do empregador: Conceito e requisitos

A responsabilidade civil do empregador tem como cenário de fundo o conceito guarda-chuva do artigo 186 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

E esta violação geralmente é detalhada em duas hipóteses principais:

  • Danos gerados durante o exercício do contrato de trabalho: em situações como assédio, humilhações, discriminação, retaliações no ambiente de trabalho, cobranças excessivas ou indevidas e etc., que geram dever de indenizar;
  • Acidentes do trabalho: lesões, acidentes e doenças relacionadas com o exercício da atividade que comprometem a integridade física ou psicológica do trabalhador.

Em ambos os casos há excesso naquilo que se espera de um contrato de trabalho regular, sadio ou consensual.

Quando discutimos responsabilidade civil é determinante que se definam antes os critérios para a configuração desta responsabilização, se ela é verificada sob um ponto de vista subjetivo (se há intenção ou desatenção do empregador) ou se ela é verificada sob um ponto de vista objetivo (independentemente da intenção ou da cautela do empregador).

Exemplificando, podemos citar uma decisão judicial da Vara de trabalho de Três Corações, em Minas Gerais no ano de 2021, que estabeleceu a responsabilidade objetiva do empregador pela morte de um funcionário em razão da COVID-19 (Processo número 0010626-21.2020.5.03.0147).

Na responsabilidade objetiva, a intenção ou culpa do patrão são irrelevantes para afastar uma indenização, que só pode ser quebrada se ficar demonstrado no processo que todas as posturas possíveis para ter-se evitado o dano foram de fato tomadas.

No caso mencionado, o funcionário continuou em atividade durante a pandemia como motorista de uma transportadora, sem que a empregadora tivesse se comprometido com medidas de segurança contra os riscos de contaminação.

Assim sendo, bastaria a comprovação do nexo causal, ou seja, de um elo entre a contaminação e o trabalho exercido. O juiz entendeu que o empregador que submete alguém ao trabalho durante a pandemia assume os riscos da contaminação, devendo resguardar-se com a adoção dos protocolos de segurança, que teriam sido negligenciados.

Cabe dizer que o encargo da prova, isto é, o dever de comprovação é do empregador, no sentido de se desviar da responsabilidade civil presumida pelo vínculo da atividade.

Danos materiais

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Os danos materiais estão descritos no artigo 402 do Código civil brasileiro, abrangendo todo dano concreto, mensurável, de perda financeira diretamente aferível, por isso o dano material é tudo aquilo que efetivamente se perdeu, ou que razoavelmente deixou-se de lucrar.

A facilidade de comprovação é o elemento principal deste tipo de dano, exatamente porque ele deixa vestígios de documentação, como recibos de pagamento do custeio de produtos ou serviços para cobrir o prejuízo, holerites e contracheques, comprovantes de renda e outros extratos financeiros ou de cobrança.

Os danos materiais estão presentes, por exemplo, nas condenações judiciais de empregadores que estabelecem o regime de trabalho à distância (“Home Office”) exigindo do empregado uma estrutura tecnológica que ele não tinha antes, com gastos extraordinários para servir ao interesse da atividade.

Desde que as notas fiscais sejam apresentadas, o trabalhador pode ser ressarcido dos danos materiais judicialmente se o empregador não conseguir provar que as novas aquisições de material e de infraestrutura não eram somente para a execução do trabalho. (Ação Trabalhista número 1000766-98.2020.5.02.0472, TRT 2ª Região).

Danos morais

Ao contrário dos danos materiais, os danos morais não deixam sinais óbvios ou evidentes e por isso exigem uma análise mais particular. Até pouco tempo na Justiça do Trabalho, cada juiz decidia os danos morais com base na própria experiência e na praxe judicial.

No entanto, com a Reforma trabalhista de 2017, foi acrescentado o artigo 223-G à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para unificar o entendimento sobre reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho.

Tudo aquilo que afeta a esfera moral, a dignidade e o respeito fazem parte da bagagem extrapatrimonial do indivíduo, a qual deve ser reparada em caso de dano de acordo com os seguintes parâmetros:

  • O tipo de ofensa;                      
  • A intensidade do sofrimento ou da humilhação;
  • A possibilidade de superação física ou psicológica;                      
  • Os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;                    
  • A extensão e a duração dos efeitos da ofensa;                         
  • As condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;                  
  • O grau de dolo ou culpa;
  • A ocorrência de retratação espontânea;                      
  • O esforço efetivo para minimizar a ofensa;                   
  • O perdão dado ou demonstrado;
  • A situação social e econômica das partes envolvidas;                   
  • O grau de exposição da ofensa.     

Acidente do trabalho e doença ocupacional

idente do trabalho e doença ocupacional
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O acidente de trabalho é o mal à saúde ocasionado pelo exercício da atividade, e, em alguns casos, também se considera equivalente ao acidente do trabalho o resultado agravado, ou seja, quando o problema de saúde não foi causado pela atividade, mas piorado em decorrência dela (artigo 21, lei 8.213/91).

Dois elementos são necessários para que exista o acidente do trabalho:

  • Estar no ambiente de trabalho durante a atividade: as intercorrências do ambiente de trabalho também estão cobertas, como agressões por parte da clientela ou incêndio no local de trabalho;
  • Estar no trajeto em função da atividade: como por exemplo, nos acidentes ocorridos no trânsito entre casa e empresa ou na prestação de serviço fora do expediente (exemplos: acidentes ocorridos no percurso para pagar contas da empresa, dar assistência aos clientes, resolver compromissos do trabalho, etc.).

Já a doença ocupacional é equivalente ao acidento do trabalho, o que ocorre, por exemplo, com a “contaminação acidental do empregado no exercício da sua atividade” (artigo 21, III, lei 8.213/91).

A importância em se discutir se o acidente tem relação ou não com a atividade interfere no valor da indenização para o trabalhador na Justiça Trabalhista, embora essa diferença tenha pouca influência no âmbito previdenciário, porque para fins de benefício por incapacidade o INSS geralmente trata parecido o acidente de trabalho com outras espécies acidentárias.

Ao contrário da área previdenciária, em que se aplica a teoria da equivalência das condições, ou seja, tudo o que concorre para a inaptidão ao trabalho é causa acidentária, na seara trabalhista faz-se necessário medir em qual grau o trabalho se relaciona com o acidente, porque o empregador deve indenizar o trabalhador na medida de sua responsabilidade.

Veja os principais critérios para a avaliação de um acidente do trabalho:

  • Grau de risco para o acidente do trabalho: geralmente a classificação é revisada pelas autoridades competentes, que pode ser de risco leve, moderado ou grave no ambiente de trabalho;
  • Detalhamento da perícia e laudo: através desses documentos é possível verificar a relação entre trabalho e morbidade;
  • Contribuição do próprio trabalhador para o acidente: é possível que o trabalhador tenha se recusado a usar equipamentos de proteção disponibilizados pela empresa, que tenha ignorado as advertências da fiscalização ou agido contra as instruções de segurança interna. Esses fatores têm peso para diminuir ou até eliminar a responsabilidade do empregador, dependendo de cada caso, com o respaldo nos artigos 944 e 945 do Código Civil brasileiro.

Erro médico

Quando contratamos um atendimento médico particular que nos ocasiona dano ele é considerado como falha na prestação do serviço e deve ser indenizado de acordo com o Código do Consumidor.

Conforme o artigo 14, § 4°, do Código do Consumidor, a responsabilidade pessoal dos médicos prestadores de serviço (profissionais liberais) é subjetiva, com necessidade de apuração da culpa.

No entanto, quando falamos de serviço público, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abona a possibilidade de relacionar o problema com a responsabilidade civil do Estado, de qualidade objetiva, e é o que ocorreria com os erros médicos no contexto do serviço público de saúde (SUS).

O caso foi julgado pela 3ª Turma do STJ, em 2020, por ocasião do Recurso especial de número 1771169, orientando no sentido de que os profissionais na saúde pública são equivalentes aos funcionários públicos e respondem independentemente da intenção de prejudicar.

Erro na perícia do INSS

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Pode parecer que não, mas o INSS erra bastante. Em abril de 2021, por exemplo, uma falha do sistema interno foi responsável por negar 70% dos benefícios de incapacidade no período, devido a problemas no cruzamento das informações sociais do segurado (extratos CNIS com o SABI, um sistema do DATAPREV).

O sistema falha, os servidores podem falhar e os peritos médicos naturalmente também. Na Justiça, correm muitas ações judiciais no sentido de indenizar danos morais causados aos segurados que tiveram cortes indevidos de benefício ou que passaram por erros de perícia médica.

Como já sugerido pelo tópico anterior, a indenização por danos causados pelo INSS segue as diretrizes da responsabilidade civil do Estado, objetivamente considerada em face de atos do agente público.

As inconsistências de um processo de reavaliação de benefício podem ser verificadas pela perícia judicial ou pela juntada de novas provas que desautorizam a perícia do órgão previdenciário.

Como o principal objetivo de uma perícia médica do INSS é identificar a invalidez previdenciária, ou seja, a incapacidade para o trabalho, as evidências contrárias que levem a contradizer o laudo pericial do INSS podem reestabelecer o benefício e ainda gerar danos morais:

“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA NEGADO PELO INSS. DANOS MORAIS. ALEGADA CARÊNCIA DE PROVAS E NEXO CAUSAL. I – O INSS alega improcedência da indenização por danos morais, carecendo de provas de que tenha ocorrido abalo de ordem moral, bem como o respectivo nexo causal. II – A incapacidade do autor para o trabalho restou comprovada, bem como ciência da Autarquia previdenciária, que não lhe conferiu o devido benefício de auxílio-doença, conclui-se por conseqüência o desamparo do autor e o risco da perda do emprego, demonstrada por documento nos autos. III – Devido, portanto, o dano moral não apenas pelo aspecto material, mas também pela ausência de amparo legítimo que o INSS não lhe assegurou como ser humano e cidadão (TRF2, processo de origem: 200451015069270/RJ).”

Considerações finais

A responsabilidade civil no Direito do Trabalho e nas relações Previdenciárias não é a regra, porque ela exige a ocorrência de um dano ou pelo menos a iminência dele, fugindo das expectativas de um relacionamento habitual entre empregado e empregador ou entre segurado e INSS.

Em um cenário ideal, os direitos previdenciários e trabalhistas são concedidos de acordo com a lei e com prestígio à realidade, apenas o desrespeito contra essa regularidade alimentaria o espírito do que se entende por responsabilidade civil.

O dano sempre gera um ilícito indenizável, mas a forma de apuração deste ilícito pode ser subjetiva ou objetiva, a diferença está na relevância em se discutir a culpa ou a má-fé do agente causador.

Além deste modelo de apuração variar, também podemos destacar vários tipos de danos: danos morais, materiais, estéticos, existenciais, coletivos, podemos ainda discutir a perda de uma chance, a possibilidade de defesa contra a responsabilização, além do comportamento do próprio ofendido para o tamanho do dano, tudo isso repercutindo no valor final indenizável.

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Rafael Faganello

Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB.

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