Trabalhista

Férias antecipadas na pandemia

Todo empregado tem o direito assegurado pela legislação brasileira de um período de descanso anual remunerado. Esta é propriamente a definição do termo “férias”. São também muito comuns as dúvidas sobre esse direito, inclusive sobre a controversa situação das férias antecipadas, que logo veremos.

Esse período de descanso é fundamental para que o empregado restabeleça seu equilíbrio físico e mental, sendo inclusive vedada pela lei a possibilidade de o empregado abrir mão desse direito, bem como a sua total conversão em dinheiro.

Um ponto importante é que o descanso anual, além de ser um direito é também um dever, visto que, estando de férias, o trabalhador é, em regra, impedido de prestar serviços a outro empregador, de acordo com o artigo 138 da CLT.

Férias como direito universal do cidadão

Esse período de férias é considerado parte fundamental da garantia dos Direitos Humanos segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Vejamos seu artigo 24:

Art. 24 Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

A nossa Constituição Federal estabelece que nas férias o trabalhador deve receber pelo menos um terço a mais do que o salário normal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também estabelece em seu artigo 129 que “todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração”. Esse tema é abordado desde o artigo 129 até o artigo 153 da CLT.

Em se tratando de férias, há dois momentos que devem ser considerados: o período aquisitivo e o período concessivo.

O período aquisitivo corresponde ao período de 12 meses em que o empregado presta os seus serviços de acordo com o contrato de trabalho para só então ter direito ao período de descanso. Somente a partir desse cumprimento obrigatório é que o empregado tem assegurado seu período de férias. Vejamos o art. 130 da CLT.

Art. 130 – Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias (…)

Já o período concessivo, corresponde aos 12 meses subsequentes ao período aquisitivo, em que o empregado já tem adquirido o seu direito às férias, podendo então o o empregador concedê-lo. Vejamos o artigo 134 em que a CLT estipula esse intervalo de tempo.

Art. 134 – As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.

§ 1º Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

§ 3º É vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

Importante destacar que a cada novo período de 12 meses, o empregado terá direito a um novo descanso anual. Ou seja, o período concessivo é sempre seguido de um período aquisitivo (art. 29, CLT).

O período de férias sempre será registrado como tempo de serviço, pois trata-se de uma das hipóteses de interrupção do contrato de trabalho.

Oportuno esclarecer que interrupção do contrato de trabalho é o período em que não há a prestação de serviços por parte do empregado, mas permanecem o vínculo empregatício, o pagamento dos salários e o cômputo do período como tempo de serviço, havendo o recolhimento do FGTS.

Outro ponto importante é que o início das férias, sejam individuais ou coletivas, de acordo com o Precedente Normativo nº 100 do TST, não podem coincidir com sábado, domingo, feriado ou dia de compensação de repouso semanal.

Também não é possível que as férias se iniciem nos dois dias que antecedem feriado ou dia de repouso semanal remunerado. Esses são mecanismos que garantem a possibilidade de maior descanso para o empregado (art. 134, § 3º, CLT).

Férias Antecipadas na MP 927 e após a sua vigência

férias antecipadas
Férias antecipadas na pandemia 4

Uma das situações em que mais houve mudança foi justamente no caso de férias antecipadas. Ocorre que, mesmo que o trabalhador ainda não tivesse atingido o tempo necessário de 12 meses para tirar férias (período aquisitivo), com a Medida Provisória nº 927/2020 o empregador poderia submeter o empregado a tirar férias antecipadas, mesmo sem este ter completado esse período.

Juntamente com a MP 927 de 22 de março de 2020, foram publicadas uma série de outras Medidas Provisórias (MPs) estabelecendo mudanças nas relações trabalhistas, a fim de evitar o fechamento de empresas e demissões em massa, buscando-se enfrentar a crise provocada pela pandemia. Inclusive outra importante medida, foi a MP 936, de 1º de abril de 2020, recentemente convertida na Lei 14.020/2020.

Em se tratando de férias antecipadas, com a MP 927, o empregador poderia notificar seu funcionário por escrito ou por meio eletrônico sobre o início e término de suas férias com apenas 48 horas de antecedência, indicando o período a ser gozado pelo empregado,

Como a MP 927 não foi convertida em lei, a mesma caducou e voltou a valer a norma trabalhista em que o empregador precisava notificar o empregado com 30 dias de antecedência.

Também na vigência da MP 927, poderiam ser concedidas férias antecipadas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tivesse transcorrido.

Poderiam empregado e empregador negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito. Tendo prioridade para tirar férias (individuais ou coletivas) os trabalhadores de grupo de risco do coronavírus (COVID-19). Isso tudo até o dia 20 de julho de 2020, quando perdeu a validade a MP 927 e voltaram a valer as regras da CLT.

Durante o período de calamidade pública em que vigorou a referida MP, era possível o empregador suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de quarenta e oito horas. Novamente voltou a valer a regra de 30 dias de antecedência.

Para as férias concedidas durante a MP 927, o empregador estava apto a efetuar o pagamento do adicional de 1/3 (um terço) de férias após sua concessão, até o dia 20 de dezembro de 2020 (data em que é devida a gratificação natalina prevista no art. 1º da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965). Esse adicional de 1/3 concedido ao se tirar férias é pago normalmente, de acordo com as regras trabalhistas, em até dois dias antes do início do período de férias.

Era possível também o empregado requerer a conversão de 1/3 de férias em abono pecuniário, sujeita à concordância do empregador, sendo aplicável o mesmo prazo do dia 20 de dezembro de 2020. Isso tudo durante a MP 927, de 22 de março de 2020 a 20 de julho de 2020.

O pagamento da remuneração das férias, na vigência da MP 927, poderia ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, não sendo aplicável o pagamento da remuneração das férias nem da conversão de 1/3 (um terço) do período de férias em abono pecuniário.

Agora, volta ser facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. O pagamento da remuneração das férias (e do bônus de 1/3, se for o caso) deverá ser efetuado em até 2 (dois) dias antes do início das férias texto disposto nos artigos 143 e 145 da CLT). E caso o empregador opte pela dispensa do empregado, deverá pagar, juntamente com os haveres rescisórios, os valores ainda não adimplidos relativos às férias.

Antes e depois da Reforma Trabalhista de 2017

Além de entender as mudanças recentes provocadas pela pandemia e os novos dispositivos legais, é importante também compreender as mudanças trazidas um pouco menos recentes trazidas pela Reforma de 2017. Analisemos.

Normalmente, as férias são gozadas em período único, entretanto a Reforma Trabalhista de 2017 permitiu o parcelamento em até três períodos, desde que haja concordância do empregado, sendo que um deles não pode ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

Antes a CLT trazia o seguinte texto em seu artigo 134, § 1º: Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas em 2 (dois) períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 (dez) dias corridos.

Após a Reforma a redação do referido parágrafo do artigo 134 ficou assim: “Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um”.

Ainda é possível para o trabalhador ter suas férias antecipadas?

Ainda é possível para o trabalhador ter suas férias antecipadas?
Férias antecipadas na pandemia 5

É muito comum que o empregado pense na possibilidade de férias antecipadas, porém essa situação não está prevista na lei trabalhista, sendo considerada irregular. Necessariamente as férias devem ocorrer após o período aquisitivo. A antecipação não está regulamentada. Somente nesse caso atípico da MP 927, que não mais vigora.

É possível, entretanto, a concessão de uma licença remunerada ao trabalhador, em que, apesar de o empregador precisar pagar o salário na ausência do empregado, não há a obrigação do pagamento do bônus de 1/3 de férias. Ocorre que essa situação acaba sendo a menos vantajosa para o empregador em tempos de pandemia.

Se o empregador optar por antecipar as férias do trabalhador, o período será considerado irregular. Como consequência, ele estará sujeito a algumas consequências previstas na legislação.

Caso, o empregador opte não pela licença remunerada, mas pela antecipação de férias de maneira irregular, deverá arcar com a multa administrativa do artigo 153 da CLT. Também é possível a remuneração do período em dobro, incluindo-se aí o bônus de 1/3, correndo o risco também de enfrentar a justiça trabalhista.

Importante destacar que todos os atos realizados dentro do período de vigência da Medida Provisória nº 927 são perfeitamente legais e não perderam sua validade.

O grande problema trazido por esse momento é a insegurança jurídica proporcionada por tantas mudanças bruscas em tão pouco tempo, por esse motivo empregadores e empregados devem estar sempre atentos, pesquisando se o seu caso concreto, de fato, está de acordo com a lei, para não haver surpresas desagradáveis e onerosas.

Diferentemente da MP 936, a MP 927 não foi transformada em Lei e nenhum Decreto entrou em vigor para orientar empresas e trabalhadores. Por esse motivo, adotou-se a regra trabalhista aplicada até então.

O momento traz muitos desafios tanto para os cidadãos em geral, quanto para os operadores do Direito, que seguem aprendendo e descobrindo na prática as melhores resoluções para este momento tão tenso e cheio de novidades.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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