Auxílio doença no contrato de trabalho intermitente
O benefício de auxílio doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária, não estava alinhado com a reforma da previdência e com a reforma trabalhista, por tal motivo, o auxílio doença no contrato de trabalho intermitente não tinha regulamentação legal adequada até o advento do Decreto 10.410/20
O decreto 10.410/20 alterou o regulamento da Previdência social – decreto 3.048/99, de modo a atualizar as mudanças constitucionais realizadas em 2019 pela emenda constitucional 103/19.
Dentre as alterações, destacamos a inclusão do trabalhador intermitente como segurado obrigatório da Previdência, na categoria empregado (artigo 9º, I, “s”, decreto 3.048).
Como decorrência, há uma série de impactos na seguridade social, pois as regras gerais de benefícios passam a alcançar integralmente o trabalhador intermitente, como os prazos exigidos de carência ao segurado empregado e quais os requisitos para o auxílio-doença, auxílio-acidente e licença maternidade.
O que é contrato de trabalho intermitente?
Segundo nova redação do artigo 9º, I, “s” do decreto 3.048/99, o trabalhador intermitente é:
Art. 9º, I, “s”: aquele contratado … para a prestação de serviços, com subordinação, de forma não contínua, com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, em conformidade com o disposto no § 3º do art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 443, § 3º ,CLT: Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Conforme se observa na legislação, a contratação do empregado intermitente é duradoura, não se trata de contrato temporário, muito embora a convocação ao trabalho seja sazonal, por temporada ou períodos saltados, sem que haja tempo mínimo ou máximo para a inatividade entre as prestações de serviço.
Com o afastamento temporário de trabalhadores em grupos de risco devido à pandemia por COVID-19, ou aumento de demanda para alguns setores de serviços, como a limpeza terceirizada, o contrato intermitente pode ser atraente tanto para o empregador, como para o empregado.
É possível a contratação do trabalhador intermitente em cenários como o atual, que demandem trabalho esporádico, ou sejam rodeados de incerteza sobre o quantitativo de serviço. O intermitente pode manter vários contratos de trabalho nessa modalidade.
Especialistas esclarecem que admitir um empregado utilizando a modalidade de contrato intermitente para a substituição de empregados afastados em razão da pandemia da COVID-19, ou mesmo para atender ao aumento da demanda de limpeza, não só é amparado pela legislação vigente como também atende à função social da empresa, que garantirá emprego formal a mais trabalhadores (GABRIELLA NUDELIMAN VALDAMBRINI. Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, p. 903, Editora JH Mizuno. Edição do Kindle).
Antes da edição da lei 13.467/17, a situação do intermitente era precária e o vínculo de emprego era afastado por faltar o requisito legal da “habitualidade” do trabalho, ou seja, por faltar a rotina comum e frequente da relação de trabalho comum.
Uma grande vantagem para o trabalhador é que no período de inatividade poderá prestar serviços a outros contratantes. Já a vantagem para o empregador é que o período de inatividade não é considerado como tempo de serviço à sua disposição.
Quem deve remunerar os primeiros 15 dias de afastamento?
A Medida provisória 808/2017 que recentemente tratou dessa matéria, perdeu a vigência e não mais prevalece no direito brasileiro. A regra era no sentido de afastar a responsabilidade da empresa no pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador intermitente, para fins de auxílio doença, ou seja, o INSS era responsável pelo benefício desde o início da incapacidade.
Atualmente, são aplicadas ao trabalhador intermitente as mesmas regras previdenciárias aplicadas aos demais trabalhadores empregados: a empresa remunera os primeiros 15 dias e o INSS do 16º dia em diante do afastamento. Para tanto, o empregador deve comunicar o acidente de trabalho (se for o caso) e o empregado deve se submeter à perícia médica.
Se o trabalhador prestar serviço a mais de uma empresa, todas devem arcar com o afastamento de 15 dias?
É possível e muito natural que o trabalhador intermitente tenha vários contratos de trabalho e preste serviço a mais de um empregador. Neste caso, como se trata de segurado empregado, o auxílio doença seguirá as regras do trabalhador que tenha dois ou mais vínculos de emprego.
Se necessário o afastamento, o trabalhador só terá direito a um auxílio doença, ainda que guarde relação com uma multiplicidade de empregadores. O benefício é concedido em relação à atividade que diga respeito e o segurado permanece exercendo as demais atividades que não se relacionem com a incapacidade.
Lado contrário, quando o afastamento recaia sobre mais de uma atividade, o valor do benefício levará em conta o salário de contribuição de todos os vínculos afetados pela incapacidade (remuneração base de todas as atividades que exijam afastamento), o que aumentará o valor final do benefício pago pelo INSS.
No que concerne aos primeiros quinze dias de afastamento, a cargo da empresa, é razoável que somente o empregador referente à atividade, da qual foi afastado o trabalhador, arque com o afastamento. Porém, caso o trabalhador seja afastado de mais de uma atividade, todos os empregadores envolvidos deverão remunerar normalmente o trabalhador (proporcional ao mês se recebe como mensalista, desde que mantenha a integralidade do que recebia).
Não haverá, portanto, nenhum prejuízo financeiro ao trabalhador, que será remunerado da forma que era antes da incapacidade temporária: se o afastamento diz respeito a uma atividade, será esse o empregador a remunerar o afastamento referente à atividade contratada. Se diz respeito a todas, porque o intermitente desempenha o mesmo tipo de serviço, todos os empregadores manterão a remuneração que cobrirá o afastamento.
Por exemplo: suponha que João trabalhe em A, B e C, como entregador em A e secretário em B e C e ele tenha sofrido um acidente de moto que o impossibilite de exercer a função de entregador em A por mais de 15 dias: nesse caso, a empresa A pagará normalmente o João pelos primeiros 15 dias e as atividades de B e C como não foram afetadas, serão realizadas por João e remuneradas normalmente.
A partir do 16º dia, João receberá o auxílio doença pelo afastamento da atividade na empresa A, sem prejuízo da continuidade do trabalho na empresa B e C.
Concessão do auxílio doença no contrato de trabalho intermitente
Agora suponhamos que João trabalhe como entregador para A, B e C. Um eventual afastamento o impedirá de trabalhar para os três empregadores, que devem manter o salário de João pelos primeiros 15 dias de afastamento, e o INSS assumirá o encargo do 16º dia em diante por meio do auxílio doença.
Veja o que diz o artigo 73 do decreto 3.048/99:
Art. 73. O auxílio por incapacidade temporária do segurado que exercer mais de uma atividade abrangida pela previdência social será devido mesmo no caso de incapacidade apenas para o exercício de uma delas, hipótese em que o segurado deverá informar a Perícia Médica Federal a respeito de todas as atividades que estiver exercendo.
§ 1º Na hipótese prevista neste artigo, o auxílio por incapacidade temporária será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, consideradas para fins de carência somente as contribuições relativas a essa atividade.
§ 2º Se nas várias atividades o segurado exercer a mesma profissão, será exigido de imediato o afastamento de todas.
§ 3º Constatada durante o recebimento do auxílio por incapacidade temporária concedido nos termos do disposto neste artigo a incapacidade do segurado para cada uma das demais atividades, o valor do benefício deverá ser revisto com base nos salários de contribuição de cada uma das atividades, observado o disposto nos incisos I ao III do caput do art. 72.
§ 6º Na hipótese prevista no § 5º (retorno à atividade), caso a atividade remunerada exercida seja diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas, observado o disposto no caput e nos § 1º, § 2º e § 3º.
Se a contribuição do intermitente não alcançar o valor mínimo, ele deve pagar a diferença?
No que diz respeito ao piso do valor mínimo de contribuições do segurado, o decreto 10.410/20 impôs uma sequência de exigências, inclusive a complementação de contribuições para o alcance do mínimo exigido. Veja o novo artigo 19-E do decreto 3.048/99, que também se aplica ao trabalhador intermitente:
Art. 19-E. A partir de 13 de novembro de 2019, para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício exigidos para o reconhecimento do direito aos benefícios do RGPS e para fins de contagem recíproca, somente serão consideradas as competências cujo salário de contribuição seja igual ou superior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição.
§ 1º Para fins do disposto no caput, ao segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de um mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição será assegurado:
I – complementar a contribuição das competências, de forma a alcançar o limite mínimo do salário de contribuição exigido;
II – utilizar o excedente do salário de contribuição superior ao limite mínimo de uma competência para completar o salário de contribuição de outra competência até atingir o limite mínimo; ou
III – agrupar os salários de contribuição inferiores ao limite mínimo de diferentes competências para aproveitamento em uma ou mais competências até que estas atinjam o limite mínimo.
…
§ 7º Na hipótese de falecimento do segurado, os ajustes previstos no § 1º poderão ser solicitados por seus dependentes para fins de reconhecimento de direito para benefício a eles devidos até o dia quinze do mês de janeiro subsequente ao do ano civil correspondente, observado o disposto no § 4º.
Desde fevereiro de 2020, o salário de contribuição não pode ser inferior a R$ 1.045,00 (salário mínimo atualizado). Para os segurados empregados, como o trabalhador intermitente, sobre cada vínculo de trabalho incidirá uma alíquota conforme o salário de contribuição (remuneração base auferida).
Se o Fulano, por exemplo, recebe ½ salário mínimo por mês a título de cumprimento de contrato de trabalho intermitente para a empresa A, e ½ salário mínimo por mês em razão de mesmo contrato em favor da empresa B, cada uma das empresas recolherão 7,5% sobre a respectiva remuneração ao INSS em favor de Fulano.
Ao final, Fulano cumprirá, no total, o limite mínimo de um salário a título de salário de contribuição. Nesse caso, ele não precisará de complementação, porque o inciso III, § 1º , do artigo 19-E do decreto 3.048/99 permite agrupar os salários inferiores para alcançar o mínimo exigido.
Contrariamente, se todas as remunerações não alcançarem o salário mínimo, o intermitente deverá proceder à complementação de valores junto ao INSS.
Notas finais
Após a regulamentação do trabalho intermitente nos últimos anos, essa modalidade de trabalho ganhou força jurídica e inspira maior segurança para ser adotada pelas empresas brasileiras, principalmente por aquelas que tenham clientela variável.
Com a pandemia por COVID-19, a ideia da contratação dentro desse modelo se torna atraente diante da incerteza e da afetação sobre oferta e demanda nos setores de serviço, que podem ou não acionar o trabalhador conforme a necessidade.
De acordo com precedentes judiciais no Brasil, conforme recurso de revista 0010454-06.2018.5.03.0097, julgado pela 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, a lei autoriza o trabalho intermitente para qualquer tipo de atividade, exceto aos aeronautas.
Além disso, a possibilidade retira da informalidade grande número de trabalhadores, que tinham sua situação desfavoravelmente analisada, com descaracterização de qualquer vínculo empregatício e falta de regulamentação. Trata-se de uma adaptação legal para melhor se ajustar à realidade brasileira.
Nos tempos atuais, em que o trabalho intermitente volta a crescer com a reabertura gradual do comércio, não deixe de tirar dúvidas e procurar um advogado trabalhista para que ele esclareça questões referentes ao contrato de trabalho, requisitos legais, eventuais multas devidas e compromissos pendentes.