Justiça Gratuita Após a Reforma Trabalhista
Existem vários motivos que podem levar uma pessoa com um problema legal válido a decidir não buscar sua resolução na Justiça. Entre esses motivos, está o custo do processo, que pode ser um obstáculo para quem tem uma situação financeira menos favorável. Justamente para acabar com esse obstáculo, existe o benefício da Justiça gratuita.
A Justiça gratuita é um benefício que possibilita que pessoas de certa faixa de renda mais baixa sejam isentas do pagamento de despesas processuais. Ele está disponível de maneira bastante ampla, inclusive para processos trabalhistas.
Neste artigo, você vai aprender mais sobre o benefício da Justiça gratuita e descobrir como ele foi afetado pelas mudanças da Reforma Trabalhista.
Essas informações são parte do conhecimento básico que todo trabalhador deve ter sobre o funcionamento da Justiça. Então, aproveite para salvar a página deste conteúdo entre seus favoritos, para que você possa consultar novamente sempre que precisar.
Justiça gratuita vs. Assistência judiciária gratuita
Antes de entrar de cabeça no assunto da Justiça gratuita, é importante entender a distinção desse conceito em relação a outro, com o qual ele é frequentemente confundido: a assistência judiciária gratuita.
A Justiça gratuita é o benefício que isenta a pessoa do pagamento de despesas processuais; por exemplo, custas e taxas processuais.
Enquanto isso, a assistência judiciária gratuita é o direito à assistência de um advogado pago pelo Estado. É o caso dos advogados da Defensoria Pública, por exemplo. Esse direito não inclui apenas a representação no processo, mas também as consultas e orientações em geral.
Outro ponto importante em que esses dois conceitos se diferenciam é em sua previsão legal. A Justiça gratuita, como vamos ver no próximo item, tem previsão no Código de Processo Civil, o CPC. Enquanto isso, a assistência judiciária gratuita está prevista na própria Constituição Federal, em seu art. 5°:
Art. 5°, LXXIV. O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Um entendimento comum é de que a assistência jurídica gratuita engloba a Justiça gratuita. Em outras palavras, quem exerce o direito à assistência jurídica gratuita também recebe o benefício da Justiça gratuita. O motivo é que o requisito para usufruir do primeiro – comprovar insuficiência de recursos – também se aplica para o segundo.
No entanto, o fato de uma pessoa não solicitar assistência jurídica gratuita – optando, em vez disso, pela contratação de um advogado particular – não impede que ela receba o benefício da Justiça gratuita.
Decisões dos tribunais em casos concretos (ver Processo 1000107-71.2018.5.02.0242 SP) apontam que esse impedimento, se existisse, seria uma restrição ao direito do trabalhador de escolher um profissional qualificado para realizar sua defesa técnica. Assim, seria uma violação ao princípio da Ampla Defesa, previsto no art. 5°, LV, da Constituição Federal.
Previsão legal da Justiça gratuita
Apesar de o benefício da Justiça gratuita se estender a várias áreas do Direito, é no Direito Civil que ele tem suas raízes. O CPC – Código de Processo Civil trata deste assunto de maneira bastante detalhada, entre os artigos 98 e 102.
Assim, outras áreas podem ter regras específicas sobre a Justiça gratuita em suas próprias leis e códigos, mas todas acabam se apoiando nas normas do Código de Processo Civil. Vamos ver quais são os principais pontos desses artigos.
1. Quem tem direito à Justiça gratuita
O artigo 98 do Código de Processo Civil estabelece quem tem direito à Justiça gratuita – também chamada de gratuidade da Justiça. Esse benefício se destina a pessoas naturais ou jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, que apresentem insuficiência de recursos para pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Na prática, isso significa que um profissional de qualquer outra nacionalidade que trabalha no Brasil também tem direito ao benefício da Justiça gratuita, independentemente de naturalização.
2. O que está incluído no benefício
O mesmo artigo 98 do Código de Processo Civil também define quais itens são incluídos no benefício. Entre eles, estão:
- taxas ou custas judiciais
- despesas com realização de exame de DNA ou outros exames considerados essenciais
- honorários do advogado e do perito, além de remuneração de intérprete ou tradutor
- depósitos previstos em lei para propor ação, interpor recurso ou praticar outros atos processuais
3. O que não está incluído no benefício
Outro ponto importante estabelecido no artigo 98, §2º, é que a concessão do benefício de Justiça gratuita não exime a pessoa de pagar despesas processuais e honorários advocatícios decorrentes da sucumbência.
Em outras palavras, esse benefício não isenta a pessoa dos gastos que são consequência de perder o processo.
Em vez disso, como vemos no §3º, esses gastos são colocados em suspensão. Se, nos cinco anos seguintes à decisão final do processo, o credor puder demonstrar que o beneficiário já não está mais em situação de insuficiência de recursos, essas obrigações poderão ser cobradas.
Além disso, o benefício não atinge outros pagamentos que sejam devidos ao próprio advogado do beneficiário (por consultas e orientações), apenas os honorários do processo. Somente quem exerce o direito a assistência jurídica gratuita é isento dessas obrigações.
Justiça gratuita no Direito do Trabalho: antes e depois da Reforma Trabalhista
No item anterior, você viu a previsão legal “original” do benefício de Justiça gratuita, que está no Direito Civil. Porém, nosso foco é na aplicação desse benefício para os processos trabalhistas. Por isso, agora, vamos ver os aspectos específicos da Justiça gratuita no Direito do Trabalho.
Em 2017, entrou em vigor a Lei 13.467, a Lei da Reforma Trabalhista. Ela realizou uma série de alterações no texto da CLT, inclusive em aspectos relativos ao benefício da Justiça gratuita nos processos trabalhistas. Neste tópico, vamos descobrir algumas das principais alterações.
1. Salário para ter direito ao benefício
A Reforma Trabalhista modificou o limite do salário que uma pessoa deve apresentar para ter direito ao benefício da Justiça gratuita.
No texto da CLT antes da Lei 13.467, o artigo 790, §3º estabelecia que o salário do beneficiário deveria ser igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, isto é, a 2 vezes o salário mínimo vigente.
Além disso, também era possível que o benefício fosse concedido a qualquer pessoa que fizesse uma declaração formal, sujeita às penalidades legais, afirmando que não poderia pagar as custas do processo sem prejudicar seu sustento ou de sua família.
Com a Reforma Trabalhista, o salário do beneficiário agora deve ser igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS – Regime Geral de Previdência Social.
A partir de 1° de janeiro de 2020, esse limite passou a ser de R$ 6.101,06. Assim, considerando 40% desse valor, o salário do trabalhador não pode ultrapassar R$ 2.440,42 para que ele receba o benefício da Justiça gratuita.
O novo texto da CLT após a Reforma também não inclui mais a previsão da possibilidade de concessão do benefício para qualquer pessoa que declare não poder pagar as custas sem prejudicar seu sustento.
2. Necessidade de comprovação
Outro aspecto que foi alterado com a Reforma Trabalhista em relação à Justiça gratuita é a necessidade de comprovação da insuficiência de recursos para pagar as custas do processo. Esse requisito não estava presente na CLT, antes da Lei 13.467 de 2017, mas foi inserido no artigo 790, com a criação do §4º.
No entanto, apesar da lei ter sido alterada, a prática não seguiu necessariamente na mesma direção. Já houve uma decisão do TST na qual a necessidade de comprovação foi afastada. (Processo: RO-10899-07.2018.5.18.0000)
Essa decisão foi proferida em um processo de ação rescisória. As ações desse tipo, na Justiça do Trabalho, exigem depósito prévio de 20% do valor da causa – bem mais do que os 5% que são exigidos em uma ação ajuizada na Justiça comum.
Levando em consideração o valor alto do depósito prévio, o TST entendeu que não seria necessário comprovar a insuficiência de recursos para que o trabalhador tivesse direito ao benefício da Justiça gratuita.
Em resumo, portanto, há casos em que o requisito da comprovação vai ser aplicado; afinal, ele está previsto na lei. No entanto, há outros casos em que os Tribunais podem afastá-lo. Como a Reforma Trabalhista é relativamente recente, muitas questões como essa ainda estão em debate.
3. Pagamento de Honorários Periciais
Mais um aspecto importante modificado pela Lei 13.467 de 2017 diz respeito ao pagamento de honorários periciais. As perícias são um meio de prova importante e muito comum em processos trabalhistas. A remuneração dos peritos é na forma de honorários.
A Reforma incluiu na CLT o artigo 790-B, estabelecendo que, mesmo que seja beneficiária da Justiça gratuita, a parte que perde no pedido referente à perícia deve pagar os honorários periciais.
Assim, suponha que um indivíduo processa seu empregador por adicional de periculosidade, que não recebeu, e por danos morais por humilhação no ambiente de trabalho. No processo, o juiz reconhece o direito aos danos morais, mas não o direito a adicional de periculosidade.
Nesse exemplo, o trabalhador perdeu no pedido referente à perícia (mesmo que tenha vencido em outro pedido). Portanto, é ele quem vai pagar os honorários do perito, mesmo que tenha recebido o benefício da Justiça gratuita.
4. Pagamento de Honorários de Sucumbência
Nos processos trabalhistas, quando uma parte é vencida, ela deve pagar honorários de sucumbência; são honorários pagos ao advogado da parte que venceu.
A Reforma Trabalhista estabeleceu que, se a parte vencida for beneficiária da Justiça gratuita, esse pagamento ficará em condição suspensiva.
Assim, o credor dos honorários – isto é, o advogado da parte vencedora – tem dois anos após a sentença do processo se tornar definitiva para demonstrar que o devedor não está mais em situação de insuficiência de recursos. Terminado esse prazo, o devedor não pode mais ser cobrado pelos honorários de sucumbência.
Consequências das alterações na Justiça gratuita
Você acabou de ver que a Reforma Trabalhista trouxe algumas mudanças em relação aos requisitos para que os trabalhadores tenham acesso ao benefício da Justiça gratuita.
Como em qualquer situação na qual são feitas alterações na lei, é natural que surjam dúvidas; especialmente para os processos que já estavam em andamento quando a Reforma entrou em vigor. Felizmente, é possível encontrar decisões dos tribunais indicando o que deve acontecer com esses processos.
O entendimento do TRT-2 (ver Processo 1000039-16.2019.02.0492 SP) é de que o benefício da Justiça gratuita pode ser concedido a qualquer momento no decorrer do processo. Porém, para determinar se o trabalhador deve recebê-lo, é preciso adotar os critérios do texto da lei que estava em vigor no momento em que a ação foi proposta.
Portanto, se um processo foi aberto em 2016 (antes da Reforma), mesmo que o juiz aprecie a questão do benefício da Justiça gratuita apenas em 2018, ele deverá utilizar os critérios estabelecidos pelo texto da CLT antes das alterações trazidas pela Lei 13.467.
Como é feito o pagamento de custas em processos trabalhistas
A Justiça gratuita, como vimos neste artigo, é o benefício que isenta a pessoa do pagamento de custas do processo. Assim, para todos os que não podem ter acesso a esse benefício, é importante entender como é feito o pagamento de custas em processos trabalhistas.
Para começar, o cálculo das custas é feito de acordo com os artigos 789 e 789-A da CLT – que, a propósito, também foram trazidos pela Reforma Trabalhista. No artigo 789, trata-se das custas de processos de conhecimento, aqueles em que o juiz decide sobre uma questão. No artigo 789-A trata-se das custas de processos de execução, aqueles em que uma sentença é executada.
De acordo com o art. 789, as custas dos processos trabalhistas de conhecimento são calculadas por meio de um percentual que incide sobre:
- o valor do acordo ou condenação, se houver
- o valor da causa, nos casos de extinção do processo
- o valor da causa, nos casos de decisão favorável ao pedido, mas que não envolvem condenação ao pagamento de valor monetário
- o valor fixado pelo juiz, em outros casos
Sobre esses valores, então, é calculado um percentual de 2%, que corresponde às custas do processo trabalhista. Além disso, respeita-se o valor mínimo de R$ 10,64 e o teto de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do RGPS.
Nos casos em que ocorre acordo, se não for definida uma forma de divisão específica, as custas deverão ser pagas por todas as partes, em proporção igual.
Por outro lado, quando não há acordo, quem realiza o pagamento das custas é a parte vencida no processo. No entanto, esse pagamento apenas é feito quando a decisão tem “trânsito em julgado”; uma expressão jurídica que significa que a decisão torna-se definitiva, pois não há mais recursos possíveis.
Além disso, se uma das partes decidir entrar recorrer de alguma decisão durante o processo, ela deve pagar as custas dentro do prazo para o recurso e comprovar esse recolhimento.
De acordo com o artigo 789-A, as custas dos processos trabalhistas de execução seguem uma tabela de valores fixa, que está descrita na própria lei. Além disso, quem deve realizar o pagamento é sempre o executado, isto é, a pessoa que está sendo processada para cumprir a sentença. O pagamento é realizado ao final do processo.
Além destes dois artigos, a CLT conta também com o artigo 789-B, mais um criado pela Reforma Trabalhista. Este trata especificamente do pagamento de emolumentos, que são taxas administrativas por certos serviços, como autenticações e emissão de certidões. A lei apresenta, então, uma tabela com o valor da taxa de cada serviço. Quem deve realizar o pagamento é sempre o requerente.
Neste artigo, você aprendeu mais sobre o benefício da Justiça gratuita, um recurso importante do Direito brasileiro para assegurar um acesso mais amplo da população ao Judiciário. Além disso, você entendeu como a Reforma Trabalhista afetou a aplicação deste benefício nos processos da Justiça do Trabalho.
Quem não preenche os requisitos para ter acesso a esse benefício precisa estar ainda mais bem informado sobre como são calculadas e pagas as custas de um processo. Por isso, é fundamental conversar com seu advogado, que poderá instruí-lo sobre esses pagamentos.
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