Procedimento de Apuração de Fraudes no INSS
Nos últimos anos houve um significativo aumento de fraudes cometidas contra o INSS para concessão de milhares de benefícios para pessoas que não preenchiam os requisitos ou sequer eram seguradas do INSS. As fraudes no INSS geram um prejuízo imensurável para os demais segurados que possuem direito à concessão de algum benefício, pois o critério de análise fica muito rigoroso, o que acarreta, muitas vezes, o indeferimento do benefício para quem de fato possui o direito.
Infelizmente, a má-fé de muitos facilita o corte de benefício de pessoas de boa-fé, a quem falta apresentar um documento extra, por exemplo, por isso, apesar do procedimento de apuração realmente ajudar a prevenir fraudes no INSS, o problema é que afeta também quem teve o benefício concedido lá atrás, em outros tempos, de grande precariedade documental ou de exigências muito diferentes das de hoje.
Fraudes no INSS e a detecção de benefícios irregulares
O serviço público também erra e erra muito, mesmo sem fraudes no INSS, ainda assim a gente pode tratar de benefício indevido sem culpa alguma do segurado. Ser indevido significa sem direito de receber, independentemente da intenção de quem recebe.
Receber um benefício da Previdência mal intencionado sem ter o direito é crime (fraude), enquanto receber bem intencionado sem ter o direito é uma irregularidade administrativa, um erro. De qualquer forma, os dois geram consequências que precisam ser corrigidas, a diferença está no rigor dessas correções.
Os filhos não podem receber aposentadoria em nome dos pais já falecidos, por exemplo, e isso é evitado por meio da prova de vida anual e obrigatória do INSS.
Para que o titular de benefício faça constar que ainda está vivo e, que por isso, tem direito de continuar recebendo, ele precisa confirmar todo ano a prova de vida.
Outra grande barreira de fraudes no INSS está nas perícias periódicas de exame-médico, para impedir que atestados falsos ou pessoas que tenham se recuperado continuem a receber um benefício por incapacidade.
Naturalmente, nem sempre o erro está na situação que gera o benefício, mas na análise administrativa, por um erro de interpretação da lei, da maneira de calcular, ou pela falta de entendimento da documentação apresentada. Pode parecer surreal, mas às vezes o erro não prejudica o beneficiário, mas a própria Previdência que analisou e concedeu o benefício errado.
Por fim, temos ainda o problema do roubo de identidade e de dados de terceiros por oportunistas que enganam duplamente: tanto quem teve os dados furtados, como o órgão de Previdência Social.
Tem sido comum a aplicação de golpes por pessoas que se identificam como servidoras do INSS para tirar informações pessoais de segurados e solicitar benefícios indevidos.
De qualquer maneira, o recebimento indevido é sempre uma situação irregular de benefício contra a Previdência por falta de cumprimento dos requisitos da lei, seja por desatenção, falha interna ou pelo uso criminoso de dados, documentos e recursos mentirosos, em nome próprio ou em nome de terceiro.
Rotina administrativa de prevenção de fraudes no INSS
No ano de 2020 o Regulamento Geral da Previdência foi alterado com muita força, inclusive para se adequar à informatização dos sistemas e à evolução digital do órgão previdenciário.
Nesse contexto, foi inserido o artigo 179 no decreto 3.048/99 para dispor que “o INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais”.
Este programa permanente foi pensado para durar “para sempre”, independentemente das operações que vez ou outra aparecem para uma fiscalização de limpeza do INSS de benefícios ou beneficiários.
O procedimento passa a integrar a rotina administrativa de prevenção de fraudes no INSS e exige um protocolo que assegura o direito de participação do beneficiário, por isso nenhum corte de benefício motivado por fraude pode ser automático, justamente porque ele deve seguir uma sequência de atos previstos em lei.
O primeiro passo é a notificação do beneficiário para que apresente documentos e defesa num prazo de 30 a 60 dias dependendo se o trabalhador é urbano (30 dias) ou rural (60 dias).
Somente depois desse prazo sem resposta, o INSS pode informar o beneficiário da sua intenção em cortar o benefício, mas o silêncio do segurado vai abrir novo prazo para resposta ou recurso, de 30 dias após essa segunda notificação.
Sem recurso administrativo o benefício será finalmente interrompido. Mas além desse procedimento de “checagem” de documentos por suspeita de fraude que pode ocorrer a qualquer tempo, os beneficiários continuam com o compromisso anual da prova de vida e de comparecer à convocações de perícia revisional ou extraordinária.
Para a rotina o INSS pode investigar através de:
- Pesquisa externa (verificação na residência do segurado com dificuldade de locomoção ou com mais de 80 anos de idade);
- Biometria pelos órgãos públicos;
- Dados de convênio com a Justiça Eleitoral ou entes públicos;
- Acordos de cooperação com os Estados e serviços eletrônicos para atendimento remoto;
- Registros e prontuários eletrônicos do SUS;
- Documentos médicos registrados por entidades públicas ou privadas;
- Dados de movimentação das contas FGTS;
- Compartilhamento de informações com os institutos de regime próprio de previdência para servidores.
Um fator de segurança importante para defender os benefícios concedidos é que a concessão exige um processo administrativo prévio, cujo acesso é disponibilizado por meio da conta digital do MEU INSS na íntegra e pelo formato eletrônico.
Nesse processo constam todos os documentos e informações consideradas para o pedido, análise e concessão do benefício, por isso ele precisa ser estudado com atenção.
Além de controle do INSS, ele serve também de controle do próprio interessado.
Faz parte do programa permanente de apuração de fraude revisar esse processo administrativo de concessão, o que não é a mesma coisa que operação “pente fino”, um tipo de “blitz” passageira fora da programação regular.
As operações “pente fino” e perícias extraordinárias do INSS
No ano de 2019 foi publicada uma lei federal de número 13.846 que instituiu programa especial de análise de benefícios previdenciários para inspecionar irregularidade e concessão indevida, intensificando as operações de “pente fino” como ficaram conhecidas em 2016 por implementar verdadeiros “mutirões” de investigação de fraudes no INSS.
Apesar dos “mutirões” serem geralmente tarefas gratuitas, as aspas caem bem porque a lei número 13.846/19 na verdade permitiu que peritos do INSS recebessem bonificação para cada corte de benefício realizado por suspeita de irregularidade, associando o desempenho desses peritos à redução de gastos previdenciários.
O procedimento não é bem o mesmo do programa de revisão permanente, por isso a lei chama essas inspeções de “perícias extraordinárias” que podem ser convocadas a qualquer tempo até 31 de dezembro de 2022.
Entram no “pente fino” todo mundo que:
- Recebe benefício por incapacidade e a última perícia foi há mais de 6 meses;
- Recebe BPC/LOAS sem revisão há mais de 2 anos;
- Recebe benefício sem data limite e sem indicação de reabilitação;
- Recebe também benefício tributário ou trabalhista sujeito à perícia.
Como a lei estabeleceu uma operação especial para a contenção de fraudes, ela trouxe a prerrogativa de “imunidade” contra a legislação da perícia revisional. Vou explicar. As perícias de revisão estão dispensadas para os aposentados por invalidez com idade avançada ou soropositivos, mas temos uma exceção.
Apesar de isentos de perícia revisional, o próprio artigo 46, no parágrafo quarto do decreto 3.048/99 estabelece que a isenção é inaplicável no caso do “aposentado por incapacidade permanente, ainda que tenha implementado as condições de que o trata o parágrafo segundo, [pois ele] será submetido ao exame médico-pericial de que trata este artigo quando necessário para apuração de fraude.”
O parágrafo quinto faz a mesma ressalva no que diz respeito ao aposentado soropositivo, mas somos do entendimento de que a finalidade das perícias extraordinárias é tão específica quanto elas.
A intenção não é reavaliar a invalidez previdenciária, mas exclusivamente extinguir benefício concedido sem respaldo, desde a origem, e que por isso constitua fraude. Essa exceção é para apurar fraude e essa definição se torna cada vez mais importante.
Por isso, na dúvida, os benefícios devem ser mantidos, principalmente se a documentação médica continua a mesma.
Considerando que o desempenho dos peritos gera bonificação financeira e que por isso pode estimular os cortes, é de extrema importância que o beneficiário também guarde consigo documentação médica própria, principalmente se ele precisar reativar o benefício judicialmente.
O que fazer se o benefício for cortado?
Se o benefício for cortado a primeira providência é consultar a conta digital do MEU INSS ou ligar para a central de atendimento do INSS pelo número 135 para verificar o motivo da interrupção do benefício.
É muito comum que as pessoas não atendam a solicitação de entrega de documentos ou que não compareçam à perícia médica quando são convocadas e por isso percam o benefício, mais comum ainda é nem mesmo saberem que deviam ter tomado essas ações em primeiro lugar.
Sabendo do motivo, ou pelo menos buscando uma explicação administrativa, é interessante que o prejudicado leve ciência do corte até um advogado previdenciário para maiores esclarecimentos.
Nem sempre um corte é por suspeita de fraude, como vimos antes ele pode ocorrer por falta de defesa do segurado, pela reprovação de perícia revisional ou pelo simples fim do período marcado de benefício, sem prorrogação.
Outra ocorrência comum é o corte do benefício por falta de cumprimento da reabilitação profissional, que é obrigatória.
Vamos te relembrar que enquanto durar a pandemia por COVID-19, as várias prorrogações das portarias do INSS, como a de número 1.346/21 suspendem essa obrigatoriedade, por isso o corte por falta de reabilitação é ilegal e pode ser revertido judicialmente, pelo menos por enquanto.
Obrigação de devolver valores ao INSS
De certo modo existe bastante polêmica no que se refere à devolução de valores indevidos para o INSS, e, vez ou outra, os juízes oscilam no julgamento, ainda assim, até pouco tempo, o fator mais importante sempre esteve na boa-fé do beneficiário, como no caso abaixo:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. RESSARCIMENTO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ.
1. O STJ possui o entendimento de ser desnecessária a devolução de benefício recebido de boa-fé pelo segurado, tendo em vista o caráter alimentar da prestação.
2. Embora constatada a falsidade da declaração prestada, por não ter recebido qualquer benefício previdenciário não incide o art. 884 do Código Civil (restituição por enriquecimento sem causa). A falsidade do documento, por si só, não induz a responsabilidade, uma vez que o trabalho rural das rés era evidente.
(TRF4, AC 5019124-81.2014.4.04.7003, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 03/04/2019)”.
O caso acima é muito interessante porque apesar de envolver documento falso, os juízes entenderam que a trabalhadora estava de boa-fé no sentido de que mesmo diante de um documento forjado, a situação que o documento descrevia era real.
Sem negar que a documentação é de extrema relevância, ela não deixa de ser um instrumento, ou meio, para a concessão do direito, por isso verificando no processo que o direito de benefício existiria com ou sem a documentação, o segurado ou dependente não deve ser prejudicado.
O que já dizia o regulamento da Previdência, mas que não prosperava até então, exatamente pela questão da boa-fé, é que os valores indevidos pagos pelo INSS por erro do próprio órgão de Previdência deviam ser devolvidos de modo parcelado e com atualização de valores, de acordo com o artigo 154, parágrafo primeiro do decreto 3.048/99.
Mais recentemente, porém, com a lei de número 13.846/19, dois novos parágrafos foram acrescentados ao artigo 115 do regulamento geral da Previdência, que fala sobre ressarcimento de valores indevidos, má-fé e boa-fé:
“Artigo 115 da lei 8.213/91: § 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830 de execução fiscal, para a execução judicial.
§ 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto acima, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, de dolo ou de coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização.”
Só para esclarecer, a “inscrição em dívida ativa” significa um débito fiscal, lançado pela Fazenda Nacional contra o CPF do contribuinte que recebe benefício previdenciário ou assistencial indevidamente. Assim ele responde com seu patrimônio e pode ter bens bloqueados ou tomados até que pague, ou salde, o valor por completo.
Com todas as mudanças recentes da legislação previdenciária e com o aperto da pressão política sobre o Poder Judiciário no que diz respeito ao controle do orçamento público e restrição fiscal, a discussão da boa-fé do beneficiário tem perdido força diante do argumento econômico, por isso a possibilidade do beneficiário ser cobrado pelos valores indevidos está cada vez mais próxima da realidade.
Destacamos os recentes temas de número 692 e 979, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
O primeiro está suspenso e aguarda julgamento, mas, por ora, permite a cobrança dos valores de Previdência obtidos por liminar ou antecipação de tutela e depois cassados pelo fracasso da causa judicial.
Na prática faria com que pessoas que receberam por meses ou anos tenham que devolver todos os valores se perderem o processo, o problema é que todos nós sabemos que o tempo do processo não está nas mãos do segurado.
O segundo tema, de número 979, trata do ressarcimento de benefício concedido por erro interno do INSS. Em tese, todo o valor recebido deve ser devolvido, neste último caso, se o beneficiário não comprovar a boa-fé, ou seja, que ele não tinha como saber que o que recebia era indevido.
Se ele não prova, o INSS pode descontar dele mensalmente até trinta por cento do valor devido de seu benefício até quitar, mas não se assuste, porque essa medida ainda não está valendo, pelo menos até a conclusão do julgamento.
O que se sabe é que se esse argumento prospera a boa-fé vai exigir prova por parte do beneficiário e o desconto parcelado pode durar muito e sem prescrever, até o fim da dívida.
Tese de defesa no corte de benefício: limite de revisão
De um modo ou de outro os procedimentos de concessão, revisão e suspensão de benefícios do INSS, uma autarquia federal, devem obediência às limitações da lei de processo administrativo federal, ou lei de número 9.784/99, e, por consequência, esbarram em algo que pode beneficiar o cidadão: a decadência administrativa.
Esse nome difícil significa que o INSS tem prazo para reformar suas decisões sempre que o cidadão for beneficiado por elas e agir sem má-fé, e isso está no artigo 54 da lei de processo administrativo federal, veja só:
“Artigo 54: O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.
“Decair” indica “perder a oportunidade”, por isso se o INSS não teve interesse em rediscutir ou reavaliar decisões positivas para os segurados e dependentes em até cinco anos do primeiro pagamento, o órgão perde a oportunidade de exercer essa reforma.
Mas isso em teoria.
A grande manobra do INSS é remexer nos fatos e não no motivo jurídico do benefício, porque se ele executa uma nova perícia médica ou reavalia documentação atual, por exemplo e se as circunstâncias de fato mudam pra pior, a análise é dada por nova.
Dessa forma, sem condições definitivas, não existe “direito adquirido”. Tirando a aposentadoria programada, essa é a regra dos benefícios de longa duração.
Ainda assim, o argumento da decadência administrativa sempre deve ser levado em conta para beneficiar o prejudicado de boa-fé, principalmente se a documentação médica é estável. Basicamente, se nada mudou, nada deve alterado em relação à manutenção do benefício.
Para concluir
Como pudemos abordar hoje, o procedimento de apuração de fraude no INSS ganhou um novo patamar, e isso é bem recente: primeiro com as operações casuais do “pente fino”, numa espécie de revisão “surpresa” dos benefícios já concedidos, e segundo com as operações do programa permanente de revisão que vieram para ficar.
Sabemos que, ainda há um longo caminho a percorrer entre todos os dispositivos de lei e regulamento e a prática, mas a tendência, realmente, é no sentido de aumentar a revisão de benefícios e encorajar a repetição das perícias médicas.
Será mais e mais comum cobranças fiscais, pelo INSS, de benefício indevido, tanto em relação aos erros como nas fraudes, já que a boa-fé tem perdido um pouco sua força persuasiva.
Provavelmente assistiremos em breve, após os julgamentos pendentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que forma e até onde os beneficiários prejudicados pela exigência tardia de ressarcimento podem utilizar a boa-fé ao seu favor.
Em caso de dúvidas ou para mais informações não deixe de se consultar com um advogado especializado.