Dano existencial tecnológico: entenda o dano existencial decorrente de novas tecnologias
Uma das questões trabalhistas mais relevantes para os profissionais da era digital é o dano existencial tecnológico.
O dano existencial é um tipo de dano previsto na legislação trabalhista e que, portanto, tem impacto direto nos direitos do trabalhador. O conceito, embora pouco conhecido, é simples: é o dano que atinge a qualidade de vida presente da pessoa ou o seu projeto de vida para o futuro. Assim, como o nome indica, afeta a própria existência da pessoa.
Nas relações de trabalho, o dano existencial pode ocorrer em consequência de vários fatores ou situações. Entre eles, está o impacto das novas tecnologias. Sim, embora o avanço tecnológico seja normalmente visto como algo positivo, ele pode causar dano existencial ao trabalhador.
Neste artigo, você vai ter contato com informações importantes e pouco divulgadas sobre o dano existencial tecnológico, que podem ser úteis para você ou outros trabalhadores que você conhece. Então, vamos explorar a relação entre novas tecnologias e dano existencial?
Os efeitos das novas tecnologias sobre as relações de emprego
Quando afirmamos que as novas tecnologias são benéficas, em geral pensamos nos seus efeitos para os negócios. Elas permitem que as empresas produzam e vendam mais, com menos custos. Ou seja, permitem atingir novos níveis de lucratividade, que não eram possíveis antes.
Um exemplo simples disso é a indústria automotiva.
Quando a Ford foi criada, no começo do século XX, grupos de dois ou três operários trabalhavam diretamente na montagem de cada carro, e apenas algumas unidades eram produzidas por dia.
Atualmente, a linha de montagem de veículos foi automatizada e, graças a esse avanço tecnológico, é possível produzir centenas ou até milhares de unidades por dia.
Por outro lado, se pensarmos nos efeitos das novas tecnologias para as relações de emprego – e, mais especificamente, para a dinâmica de trabalho dos empregados –, já não é tão simples afirmar que eles são positivos.
Sem dúvidas, existem benefícios. Da mesma forma que foi possível automatizar as linhas de produção, outras atividades “mecânicas” também podem ser executadas com a ajuda de soluções tecnológicas. Isso deixa mais tempo para que os profissionais se dediquem a atividades estratégicas, que são mais satisfatórias.
É por isso que, hoje, um contador passa menos tempo fazendo contas e mais tempo analisando os dados para identificar oportunidades de reduzir a arrecadação de tributos. As soluções tecnológicas cuidam da parte mecânica do trabalho, enquanto o profissional usa seu conhecimento, experiência e senso crítico para cuidar da parte estratégica.
No entanto, as novas tecnologias também abrem as portas para um nível de exigência muito maior que recai sobre o trabalhador e causa prejuízos para sua vida pessoal.
Um exemplo muito claro disso é o fato de que os profissionais frequentemente sentem-se pressionados a estar disponíveis, mesmo fora do horário do expediente.
Isso ocorre porque, com ferramentas como e-mail e aplicativos de mensagens, torna-se quase impossível cortar totalmente o vínculo com o ambiente de trabalho no final do expediente. Esse vínculo não é mais puramente físico; ele é virtual e, por isso, não encontra barreiras de local ou horário.
Você certamente conhece pessoas que, mesmo no meio de um almoço em família ou durante um happy hour com os amigos, estão sempre respondendo questões e solicitações do trabalho.
Outro exemplo do impacto negativo das novas tecnologias sobre a relação de emprego está na cobrança por entregas e resultados imediatos.
Isso ocorre porque a agilidade das próprias soluções tecnológicas acelera o ritmo das atividades dentro das empresas, e os profissionais precisam acompanhar essa nova dinâmica, fazendo cada vez mais em menos tempo.
Profissionais de vários setores sentem essa pressão, mas o caso mais óbvio talvez seja o da equipe de vendas. Com a automatização da produção, o volume de produtos fabricados aumenta e, com isso, as metas de vendas disparam.
Como as novas tecnologias causam dano existencial
Diante do novo nível de exigência sobre o trabalhador, provocado pela incorporação de novas tecnologias dentro das empresas, o dano existencial tecnológico é uma consequência relativamente comum.
Como vimos, os empregados são pressionados para estar sempre disponíveis e ser altamente produtivos. Isso leva ao desenvolvimento de sintomas e doenças psicossociais, como é o caso da famosa síndrome de burnout. Essas condições, por sua vez, tornam-se obstáculos para a qualidade de vida presente e o projeto de vida futuro do trabalhador.
Além disso, as pressões também fazem com que o trabalhador tenha cada vez menos tempo e disposição para se dedicar a si mesmo, sua família, seus amigos – enfim, sua vida fora do ambiente de trabalho.
Se o empregado é levado a atender demandas do empregador mesmo quando não está, oficialmente, cumprindo sua jornada, ocorre um impacto negativo em suas outras atividades.
A questão não é apenas material; não se resume ao fato de que ele está trabalhando sem receber. A situação atinge outra esfera, pois esse trabalho “fora de hora” interfere em sua vida pessoal.
Para encerrar, um alerta: cuidado para não interpretar de forma exagerada a relação entre novas tecnologias e dano existencial.
Embora as novas tecnologias sejam o fator que desencadeia toda essa situação, elas não são diretamente responsáveis pelo dano existencial. Elas apenas podem abrir as portas para uma dinâmica de trabalho prejudicial, que causa esse dano.
Nem todas as empresas apresentam esse problema. Em algumas, a implementação de novas soluções tecnológicas consegue coexistir com uma dinâmica de trabalho saudável para os colaboradores.
Resumindo, não basta uma empresa comprar uma nova máquina para a linha de produção, ou adotar um novo software de gestão, para que seus funcionários comecem a enfrentar problemas no âmbito da vida pessoal.
Entender esse limite é importante para que a questão do dano existencial tecnológico não se torne uma porta de entrada para processos sem fundamento, que apenas geram gastos e desperdiçam o tempo das partes e do Judiciário.
Direitos do trabalhador por dano existencial tecnológico
Agora, chegamos ao ponto principal: havendo dano existencial tecnológico, quais são os direitos do trabalhador?
A legislação determina que o dano existencial gera o direito a reparação. É o que vemos no artigo 223-B da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT:
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação
Portanto, se a adoção de novas tecnologias pela empresa leva a uma dinâmica de trabalho prejudicial, a qual faz o trabalhador sofrer um dano que atinge sua qualidade de vida presente ou projeto de vida futura, ele, teoricamente, tem direito a uma indenização.
É importante notar que falamos “teoricamente”, pois, na prática, existem critérios que devem ser atendidos para que esse direito seja reconhecido em um tribunal.
O mais importante desses critérios é o que chamamos de “nexo de causalidade”; em termos mais simples, demonstrar que existe um vínculo entre a conduta do empregador e o dano existencial sofrido.
Demonstrar esse vínculo pode ser uma tarefa complexa. Por isso, é necessário contar com aconselhamento profissional de advogados especializados, que serão capazes de analisar o caso e identificar a melhor maneira de provar que houve dano existencial tecnológico.
Um exemplo de como essa prova pode ser feita é apresentando os e-mails e mensagens que tenham sido enviados pelo empregador ao empregado fora do horário de trabalho, especialmente aquelas comunicações que pedem por uma resposta rápida.
Assim, fica demonstrado que essas tecnologias incentivaram o empregador a desrespeitar o limite da jornada de trabalho do empregado.
Se essa for uma prática recorrente e frequente, pode-se concluir que ela causa prejuízos à vida pessoal do indivíduo. Afinal, o tempo que ele poderia estar dedicando às suas atividades e planos acaba sendo tomado pela cobrança de atender demandas do empregador fora do expediente.
Neste exemplo, você pode observar que existe uma conduta do empregador associada à tecnologia e um dano ao empregado, bem como o nexo entre eles.
O valor da indenização é definido de acordo com as regras do artigo 223-G da CLT, que estabelece parâmetros para determinar se houve ofensa leve, média, grave ou gravíssima. De acordo com o grau da ofensa, existem valores máximos para a indenização, que são vinculados ao salário do ofendido.
Para uma ofensa leve, por exemplo, a indenização pode ser de até 3 vezes o último salário contratual do ofendido. Se o salário mais recente é de R$ 2.000, a indenização pode ser de até R$ 6.000.
Caso real de dano existencial
Como já vimos, as novas tecnologias são indiretamente responsáveis pelo dano existencial. Por isso, é difícil encontrar exemplos em que o papel da tecnologia esteja claro. Então, vamos utilizar um caso real de dano existencial mais genérico.
O caso é de um recurso que foi levado ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região (TRT-4).
Na decisão, os julgadores ressaltaram que a jornada de trabalho excessiva imposta pelo empregador, por si só, não caracteriza o dano existencial. Porém, quando ela provoca uma restrição no convívio familiar e social do trabalhador, então o dano está presente. (RO 0020460-68.2016.5.04.0403)
Breve conclusão
Neste artigo, você descobriu o conceito de dano existencial tecnológico e os direitos do trabalhador que é atingido por ele.
Esse não é um tema simples, nem na teoria e nem na prática. Pesquisadores estudam o dano existencial tecnológico para entender melhor como a implementação de novas tecnologias afeta os trabalhadores. Nos tribunais, advogados buscam formas de demonstrar a existência do nexo entre a tecnologia e a conduta do empregador e o dano ao empregado.
Diante dessa complexidade, é fundamental buscar orientação de advogados especializados. Somente um profissional do Direito pode avaliar seu caso e aconselhá-lo sobre as chances de sucesso em um processo.
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