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Doenças Psicossociais e a Responsabilidade do Empregador

Você possivelmente conhece ou já ouviu histórias de alguém que desenvolveu uma doença física em decorrência do trabalho. Geralmente, existe pouca dúvida sobre a responsabilidade do empregador – responsabilidade no sentido jurídico, que vem acompanhada do dever de reparar o dano – nesses casos. Porém, a questão acaba ficando um pouco mais complexa quando não se trata de uma doença física, mas do que chamamos de doenças psicossociais.

Falar sobre isso é extremamente importante nos dias atuais, já que o número de casos de doenças psicossociais em todo mundo vem aumentando significativamente. Um bom exemplo é a depressão; em 2017, a OMS apresentou dados afirmando que cerca de 10% da população global é afetada por esse problema.

Não é possível ignorar o fato de que algumas dessas doenças podem estar diretamente relacionadas com as condições de trabalho e, portanto, implicam em responsabilidade do empregador. No entanto, antes de pensar em possíveis ações judiciais, é preciso entender melhor como as doenças psicossociais são vistas, dentro do Direito do Trabalho.

A boa notícia é que, embora o tema seja polêmico, você terá a oportunidade de aprender os pontos principais com uma explicação simples, sem “juridiquês”, neste artigo. Então, acompanhe até o final, pois essas informações podem fazer toda a diferença na sua vida profissional!

Relação de causa entre o trabalho e as doenças psicossociais

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Doenças Psicossociais e a Responsabilidade do Empregador 5

Antes de mais nada, para falar sobre a responsabilidade do empregador em casos de doenças psicossociais, você precisa estar familiarizado com um conceito fundamental: o nexo causal. Esse termo refere-se à relação de causa que liga duas situações.

O nexo causal é mais fácil de observar quando falamos em doenças físicas. Por exemplo, suponha que uma pessoa trabalha no setor de estoque de uma fábrica, carregando caixas de produtos nos caminhões. A empresa não segue as regras de ergonomia, que determinam o peso máximo que pode ser carregado pelos empregados. Então, com o tempo, esse funcionário desenvolve uma hérnia de disco.

Nesse exemplo, o nexo causal é claro, e ninguém vai duvidar que as condições inadequadas de trabalho levaram ao problema de saúde.

O nexo causal é fundamental para determinar a responsabilidade do empregador. Se o mesmo funcionário desenvolver uma hérnia de disco após anos trabalhando no carregamento do caminhão, mas não houver nenhuma situação no ambiente de trabalho que possa ser considerada causa dessa doença, o nexo não existe e o empregador não pode ser responsabilizado.

Infelizmente, a relação de causa, ou nexo causal, fica mais difícil de determinar quando estamos falando sobre doenças psicossociais. Vamos usar novamente um exemplo.

Suponha que um profissional trabalha no call center de uma empresa, realizando vendas por telefone, com metas impossíveis de atingir. Com o tempo, esse funcionário desenvolve um quadro de ansiedade e depressão.

À primeira vista, podemos até dizer que o quadro foi desencadeado pelo estresse do trabalho. Porém, como garantir que ele não foi causado por problemas na família, ou por uma situação de endividamento que o indivíduo está enfrentando, ou até mesmo por uma propensão genética?

Para demonstrar que o quadro de doença psicossocial do empregado foi realmente causado pelas condições de trabalho, seria preciso demonstrar que não existe nenhuma outra condição na vida dessa pessoa que pudesse ser a verdadeira causa da doença. Imagine só como seria difícil produzir uma prova assim; tão difícil que, no mundo jurídico, dizemos que é uma prova demoníaca.

Por outro lado, se o juiz simplesmente aceitar que as condições de trabalho “podem” ser a causa da doença psicossocial, sem ter certeza de que esse nexo existe, corre-se o risco de responsabilizar injustamente o empregador.

Isso significa, então, que é impossível demonstrar nexo causal entre a atividade laboral e a doença psicossocial? Não, não é impossível. Porém, é preciso haver um embasamento sólido dessa alegação.

Por exemplo, não basta o funcionário alegar que se sente perseguido no trabalho e que, por isso, desenvolveu um quadro de depressão. É preciso ter provas da perseguição, na forma de e-mails, mensagens, testemunhas. Além disso, uma simples repreensão do superior, algo normal e aceitável no ambiente de trabalho, não será suficiente para comprovar que houve perseguição.

Outro exemplo: não basta alegar que a carga de trabalho é muito alta e que, por isso, desenvolveu síndrome de burnout. É preciso ter provas de que as exigências do empregador ultrapassavam de maneira significativa o normal. O simples fato de o funcionário ser convocado para algumas horas extras por mês não é suficiente para essa prova.

Além disso, é claro, é preciso ter um laudo médico. Ele é peça fundamental na prova do nexo causal da doença psicossocial com as condições de trabalho.

Concausa e Doenças Psicossociais

Antes de avançar mais com a questão da responsabilidade do empregador, existe um conceito importante para estabelecer o nexo causal entre as condições de trabalho e o aparecimento (ou agravamento) de doenças psicossociais. É o conceito de concausa.

Dizemos que há concausa quando uma certa circunstância contribui para que a doença apareça ou se agrave, mesmo que não seja a única razão ou nem mesmo a razão principal. Basta que ele seja um elemento que pode contribuir para a causa principal.

Vamos retomar o exemplo do profissional de call center com quadro de ansiedade e depressão. Digamos que a causa principal desse quadro é o estresse vivido em casa, onde essa pessoa tem um parente muito próximo que está doente. Mesmo assim, se o estresse do trabalho – relacionado com as metas exageradas impostas pelo empregador – contribuem para que ela desenvolva esse quadro, existe uma concausa.

Isso já é suficiente para responsabilizar o empregador; no entanto, ele será responsabilizado apenas na medida em que a concausa contribuiu para a doença psicossocial. Quem determina isso é o médico perito.

Danos morais e materiais por doenças psicossociais

Danos morais e materiais por doenças psicossociais
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Uma vez que esteja comprovada a relação de causa entre as condições de trabalho e a doença psicossocial, pode-se dizer que existe responsabilidade do empregador. E, como já foi apontado anteriormente, se existe responsabilidade, existe o dever de reparar o dano.

Os danos que o trabalhador pode sofrer são de diferentes tipos. Os mais importantes, que você deve conhecer, são danos morais e danos materiais.

Danos morais estão ligados a um prejuízo à honra, que pode ser objetiva (a maneira como outras pessoas vêem você) ou subjetiva (a maneira como você vê a si mesmo).

Imagine, por exemplo, que um empregador repetidamente chama seu funcionário de incompetente, fazendo com que esse funcionário desenvolva depressão no trabalho. Nesse caso, existe uma doença psicossocial, existe um nexo causal com as condições de trabalho e existe, também, um dano moral.

Perceba que, mesmo que o constrangimento nunca aconteça na frente de outras pessoas, o dano moral existe, na medida em que é agredida a honra subjetiva do funcionário.

Danos morais estão ligados a um prejuízo patrimonial, que pode ocorrer pela perda da oportunidade de ganhar dinheiro (que chamamos de “lucros cessantes”) ou pela criação da necessidade de gastos adicionais (que chamamos de “danos emergentes”).

Imagine que um funcionário é submetido a uma carga de trabalho excessivamente pesada e, por isso, desenvolve a síndrome de burnout. Por causa da síndrome, ele precisa de tratamento médico e medicamentos que paga do próprio bolso. Portanto, existe uma doença psicossocial, existe um nexo causal com as condições de trabalho e existe um dano material na forma de danos emergentes.

Agora, suponha que esse funcionário, por causa da doença ou do seu tratamento médico, acabe perdendo alguns dias de trabalho. Esses dias são descontados do seu salário e, no final do mês, ele recebe menos do que o normal. Agora, existe um dano material na forma de lucros cessantes.

Toda essa explicação é necessária porque não adianta demonstrar que o trabalhador tem uma doença psicossocial e provar que há nexo causal com as condições de trabalho, se não houver um dano real pelo qual responsabilizar o empregador. Então, é necessário identificar esse dano e, via de regra, também demonstrá-lo.

Doenças Psicossociais e Indenização por Redução da Capacidade Laboral

O título desse item pode ser um pouco intimidador, mas o conceito é simples: em alguns casos, as doenças psicossociais podem reduzir a capacidade do profissional para continuar desempenhando seu trabalho. Quando isso acontece, cabe uma indenização.

Essa indenização não se limita ao pagamento das despesas com tratamento (que, como já vimos, é um dano material por danos emergentes) e nem à compensação das perdas que o trabalhador possa ter no salário enquanto se recupera (que é um dano material por lucros cessantes). Ela inclui também uma pensão correspondente, proporcionalmente, à redução de sua capacidade laboral. É o que determina o Código Civil, no artigo 950.

Suponha que um funcionário de banco, submetido a demandas de metas excessivamente pesadas, desenvolve um quadro de ansiedade e depressão. Então, com o devido diagnóstico médico e a comprovação do nexo causal com as condições de trabalho, fica determinado que essa pessoa não pode mais exercer as atividades, dentro do banco, que lhe causem estresse.

Nesse caso, a capacidade laboral (ou “laborativa”) desse funcionário ficou comprometida, suas possibilidades de trabalho ficam limitadas. Portanto, o banco deverá lhe indenizar, por meio de uma pensão que compense essa limitação.

É interessante saber que a redução da capacidade laboral pode ser estimada em porcentagem por um perito, e essa porcentagem, bem como o caráter permanente ou temporário da redução, são levados em consideração pelo tribunal para determinar a indenização cabível.

Doenças Psicossociais e Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho

Existem várias formas pelas quais um contrato de trabalho pode acabar, e, entre elas, está a rescisão indireta. Dizemos que ela é uma mistura de pedido de demissão e despedida sem justa causa, porque a iniciativa é do trabalhador, mas implica em não abrir mão de nenhum direito. Também podemos dizer que é como se o empregado estivesse despedindo o empregador por justa causa, por uma conduta indevida.

A rescisão indireta só pode ocorrer em algumas hipóteses específicas, que estão no artigo 483 da CLT – Consolidação das Leis de Trabalho. O que nos interessa é que algumas dessas hipóteses podem estar diretamente relacionadas com o surgimento ou agravamento de doenças psicossociais. A consequência lógica, então, é que uma doença psicossocial causada pelas condições de trabalho pode justificar uma rescisão indireta.

Vamos, mais uma vez, utilizar exemplos para entender melhor essa dinâmica.

Uma das hipóteses de rescisão indireta ocorre quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato. Ora, se um funcionário desenvolve uma doença psicossocial em razão das condições de trabalho, isso prova que a empresa não fornece condições de trabalho adequadas e, portanto, que ela está descumprindo uma obrigação contratual.

Assim, esse funcionário tem uma base sólida para entrar com uma ação para declarar a rescisão indireta. Dessa forma, ele pode deixar de trabalhar para essa empresa, sem abrir mão de seus direitos.

Doenças Psicossociais e Benefício por Incapacidade do INSS

Doenças Psicossociais e Benefício por Incapacidade do INSS
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Existem situações em que a doença psicossocial pode não somente reduzir a capacidade laboral do trabalhador, mas efetivamente incapacitá-lo, ainda que temporariamente. Nesses casos, independentemente de qualquer indenização recebida da empresa, entra em jogo um outro direito importante: o direito ao benefício por incapacidade do INSS.

Para receber o benefício por incapacidade temporária do INSS, também chamado de auxílio-doença, é necessário cumprir alguns requisitos. Para começar, é claro, a doença psicossocial deve ser comprovada por meio de perícia médica. No entanto, apenas isso não basta. Salvo casos envolvendo algumas doenças, só recebe esse benefício quem tiver cumprido a carência de 12 contribuições mensais ao INSS.

Imagine que uma pessoa passou algum tempo desempregada, sem recolher as contribuições. Ela volta a trabalhar em janeiro de 2020 e, no mês de março do mesmo ano, com um quadro de burnout, busca o INSS para requisitar o auxílio-doença. Mesmo que o perito ateste a existência da doença e confirme que foi causada pelas condições de trabalho inadequadas, essa pessoa terá o benefício negado, pois não cumpriu o período de carência.

Enquanto isso, o benefício por incapacidade permanente do INSS é a aposentadoria por invalidez. Ao contrário do que muitos pensam, a invalidez não está associada apenas a condições físicas; ela pode ter relação com doenças psicossociais.

Para obter o benefício da aposentadoria por invalidez, é necessário começar requerendo o auxílio-doença; por isso, devem ser atendidos os mesmos requisitos. Então, o médico perito irá avaliar o caso e é ele quem vai indicar a aposentadoria, caso seja constatada uma incapacidade permanente sem possibilidade de reabilitação para outra função.

Não se esqueça de que os profissionais aposentados por invalidez devem passar por reavaliações periódicas, a cada dois anos, exceto se forem maiores de 60 anos, ou maiores de 55 anos com mais de 15 anos recebendo o benefício. Caso, em uma dessas reavaliações, seja observado que a condição motivadora do benefício – a doença psicossocial – já não persiste mais, então a aposentadoria pode ser revertida e o indivíduo volta a trabalhar.

Pode ficar tranquilo, pois o fim do benefício por motivo de recuperação não implica em necessidade de devolver os valores recebidos. A devolução dos valores recebidos enquanto estava aposentado por invalidez ocorre apenas se houver fraude para receber o benefício.

Doenças Psicossociais e Estabilidade no Emprego

Um caso de doença psicossocial associada ao trabalho pode, em alguns casos, garantir o direito a estabilidade no emprego. No entanto, é necessário destacar que essa estabilidade é apenas provisória.

Como você acabou de ver, um profissional com doença psicossocial pode recorrer ao INSS por um benefício temporário, o auxílio-doença. Enquanto estiver recebendo este benefício, ele ficará afastado do trabalho. Porém, após passar por uma avaliação do médico perito constatando sua recuperação, ele será liberado para retornar às suas atividades.

A partir do momento em que reassumir sua posição, o trabalhador então passa a ter direito a estabilidade durante 12 meses na hipótese do afastamento ter nexo causal com a doença psicossocial, conforme verificamos no início desse artigo. Nesse período, ele não pode ser demitido sem justa causa, exceto mediante o pagamento de uma indenização substitutiva.

Esse é um ponto que merece muita atenção: o direito a estabilidade não é absoluto. O trabalhador ainda pode ser demitido por justa causa, o que acontece nas hipóteses previstas no artigo 482 da CLT – basicamente, quando o comportamento do empregado torna inviável a continuidade do contrato de trabalho.

Além disso, ele também pode ser demitido sem justa causa, mas somente se o empregador fizer o pagamento da indenização substitutiva que foi mencionada acima. Essa indenização é, essencialmente, o valor ao qual o empregado teria direito se continuasse trabalhando para o empregador até o final do período de estabilidade.

Neste artigo, você teve a oportunidade de entender melhor a relação entre doenças psicossociais e a responsabilidade do empregador.

Esse não é um dos temas mais simples no Direito do Trabalho e, portanto, todas as informações que você acabou de descobrir podem realmente fazer uma grande diferença nas suas relações profissionais. Afinal, entender o Direito é o primeiro passo para assegurar os seus direitos, inclusive, como trabalhador.

No entanto, por mais informações que você tenha adquirido durante a leitura, é sempre importante ressaltar a importância da assistência jurídica de um escritório de advocacia especializado.

Apenas os advogados podem avaliar seu caso para determinar em quais hipóteses ele se encaixa e quais são as chances de sucesso com uma ação; assim como apenas esses profissionais podem orientá-lo sobre a melhor forma de conduzir a ação, por exemplo, coletando provas relevantes.

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Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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