Síndrome de Burnout: Danos Morais e Materiais
Tão problemáticas quanto as doenças físicas, são as doenças de caráter psicossocial. Depressão, ansiedade, síndrome do pânico e outras afetam profundamente a vida de quem tem a doença e também dos familiares e pessoas do seu convívio. E essas doenças podem surgir no ambiente de trabalho; na verdade, o ambiente de trabalho pode ser a causa – ou uma das causas – das doenças psicossociais, especialmente no caso da síndrome de burnout.
Se você já ouviu algum colega de trabalho comentar que se sente esgotado e sem motivação, ou se você mesmo tem essa sensação, é possível que esteja desenvolvendo síndrome de burnout. A má notícia é que essa é uma condição real, que pode afetar sua vida e exige tratamento adequado. A boa notícia é que, se o ambiente de trabalho é a causa do problema, você tem direitos trabalhistas.
Neste artigo, vamos abordar com bastante detalhe a possibilidade de recebimento de indenização por danos morais e materiais em caso de síndrome de burnout, além de outras consequências jurídicas do desenvolvimento dessa doença. Então, acompanhe até o fim e aprenda sobre seus direitos!
O que é Síndrome de Burnout?
Antes de falar sobre a questão jurídica, é importante que você entenda o que é síndrome de burnout, pois nem toda sensação de cansaço e desmotivação está associada com essa doença psicossocial.
A síndrome de burnout também é conhecida como síndrome do esgotamento profissional. Diferentemente de outras doenças psicossociais, ela não apenas “pode” estar relacionada ao trabalho, mas necessariamente surge por causa do trabalho.
Uma depressão, por exemplo, pode ser desenvolvida em decorrência de problemas no trabalho, ou com a família, ou na faculdade, ou até por razões genéticas. Enquanto isso, a síndrome de burnout surge apenas em decorrência de situações desgastantes na vida profissional.
Em resumo, a síndrome de burnout é definida como um distúrbio emocional resultante de situações de trabalho desgastantes.
O nome tem origem no inglês, sendo que a palavra “burn” significa “queimar, e faz referência à queima da energia do indivíduo. Isso ocorre quando ele é submetido a uma carga de trabalho pesada, cobranças fortes por entregas e resultados, alta competitividade com os colegas e muita responsabilidade.
Síndrome de Burnout: sintomas
O sintoma básico da síndrome de burnout é a exaustão mental, que pode ser acompanhada de esgotamento físico. Porém, esse não é o único indício da doença.
Dores de cabeça frequentes, alterações no apetite e problemas gastrointestinais, dificuldades para dormir e para se concentrar, além de sentimentos de fracasso e incompetência, são outros sinais de que o trabalhador pode estar desenvolvendo a síndrome.
Também é importante ficar atento ao isolamento em relação aos colegas de trabalho e alterações repentinas de humor.
Síndrome de Burnout: CID
Assim como toda doença reconhecida pela comunidade científica da área de saúde, a síndrome de burnout tem um código dentro da CID – Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, uma lista criada pela OMS. A síndrome de burnout está no capítulo XXI, código Z73, que inclui as doenças relacionadas ao modo de vida do paciente.
Além disso, em 1999, o Ministério da Saúde instituiu uma lista de doenças relacionadas ao trabalho, entre as quais está a “sensação de estar acabado”, que é justamente essa síndrome. Portanto, o Estado brasileiro reconhece essa doença e sua relação com o ambiente de trabalho.
Síndrome de Burnout: Tratamento
Assim como outras doenças psicossociais, existe tratamento para a síndrome de burnout, o qual é realizado por meio de psicoterapia e, em alguns casos, uso de medicamentos que combatem depressão e ansiedade.
Além disso, é indicado que o paciente desenvolva atividades físicas e de lazer regularmente. Elas ajudam a recuperar o equilíbrio, já que a principal causa da síndrome é o peso desproporcional da vida profissional na rotina do indivíduo.
Relação da Síndrome de Burnout com a Atividade Laboral
Neste ponto, já deve estar bastante claro que a síndrome de burnout está diretamente relacionada com a atividade laboral, isto é, com o trabalho. Porém, nem todos os profissionais desenvolvem essa doença; apenas aqueles submetidos a certas condições no ambiente de trabalho: sobrecarga de trabalho, prazos apertados, metas inatingíveis, cobrança excessiva, responsabilização pelos outros.
Assim, a síndrome pode ser desencadeada em razão das más práticas do empregador ou daqueles que o representam – os superiores diretos e indiretos do funcionário. É nesse caso que a questão torna-se jurídica e que pode caber uma indenização por danos morais e materiais.
Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho por Síndrome de Burnout
Em geral, os profissionais que veem motivo para entrar com um processo contra o empregador – como pode ser o caso daqueles que desenvolvem síndrome de burnout por causa das más práticas desse empregador – não querem fazer isso enquanto ainda estão na relação de trabalho. Afinal, se você processa o empregador enquanto trabalha para ele, o clima torna-se ruim e pode haver alguma retaliação.
Por outro lado, eles também não querem pedir demissão, porque, ao fazer isso, sofrem perdas. Por exemplo, o profissional que se demite não tem a liberação imediata para o saque do saldo da conta do FGTS. Então, precisará esperar três anos para ter acesso a esse dinheiro.
Muitos desistem do processo. Outros, tentam induzir o empregador a despedi-los, mas arriscam uma despedida por justa causa. Infelizmente, poucos profissionais sabem que existe uma saída bem melhor: a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Rescisão indireta é uma mistura entre o pedido de demissão e a despedida sem justa causa, pois a iniciativa é do empregado, mas ele não abre mão de nenhum direito ou benefício. Assim, o profissional pode encerrar seu vínculo com o empregador antes de entrar com um processo, sem sofrer perdas.
É importante notar que a rescisão indireta só é possível em algumas hipóteses, que estão previstas na CLT – Consolidação das Leis de Trabalho. Felizmente, para quem desenvolveu síndrome de burnout em razão das más práticas do empregador, algumas delas se encaixam perfeitamente.
As hipóteses para a rescisão indireta estão no artigo 483 da CLT. Veja o texto:
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
As alíneas “a”, “b” e “c” estabelecem uma relação com a síndrome de burnout. Por isso, desde que a doença seja devidamente diagnosticada e seja possível demonstrar as más práticas do empregador que estão por trás do problema, o profissional pode conseguir a rescisão indireta e sair da relação de emprego com todos os direitos e benefícios.
No entanto, ao contrário das outras formas de rescisão, que são acertadas diretamente entre empregador e empregado, é preciso entrar com uma ação na Justiça para o reconhecimento da rescisão indireta. O tribunal analisa as informações apresentadas pelos dois lados e determina se alguma das hipóteses está presente.
Por isso, é importante ter provas, como documentos ou testemunhos, demonstrando que o ambiente de trabalho tem condições que levam ao desenvolvimento da síndrome de burnout.
Por exemplo, uma simples repreensão do superior não é suficiente para afirmar que o funcionário é submetido a tratamento com “rigor excessivo”. Por outro lado, uma planilha de metas ou uma agenda com prazos de entrega podem ajudar a demonstrar esse rigor nas cobranças.
Danos morais e materiais por Síndrome de Burnout
Até aqui, a questão era puramente trabalhista. Agora, no entanto, estamos entrando em uma questão cível: a indenização por danos morais e materiais.
O dever de reparar os danos está previsto no Código Civil. O artigo 186 diz:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
E o artigo 927 diz:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Juntando os dois, o Direito Civil estabelece que causar dano, mesmo que sem intenção, é ato ilícito e gera o dever de indenização.
Quando o empregador submete o seu funcionário a sobrecarga de trabalho, prazos apertados, metas inatingíveis, cobrança excessiva e responsabilização pelos outros, causando o desenvolvimento de síndrome de burnout, ele causa um dano. Portanto, comete ato ilícito contra o trabalhador e deve indenizá-lo.
No entanto, para ter boas chances de ganhar um processo requerendo essa indenização, é preciso saber apontar qual foi o dano sofrido. E vale a pena lembrar que o tipo de indenização requerida depende do tipo de dano.
Digamos que um funcionário de call center recebe metas absurdas do seu empregador. Ele deve atender 30 pessoas por hora, o que deixa apenas dois minutos para cada atendimento.
Obviamente, nunca é possível atingir essa meta, então, ele é questionado sobre seu desempenho todos os dias e desenvolve síndrome de burnout. Como parte da síndrome, ele desenvolve sentimentos de fracasso e incompetência, passando a acreditar que não é capaz de executar seu trabalho e que deveria simplesmente desistir. Fica desmotivado, o que prejudica a qualidade dos seus atendimentos e seu relacionamento com os clientes.
Nesse cenário, o funcionário em questão sofre um dano moral. Danos morais são aqueles que violam a imagem, a honra, a reputação do indivíduo. Eles podem ser de dois tipos: objetivos, quando afetam a maneira como outras pessoas vêem o indivíduo, ou subjetivos, quando afetam a maneira como ele vê a si mesmo.
A síndrome de burnout causada pelas más práticas do empregador levam o funcionário a se sentir fracassado e incompetente; portanto, claramente o empregador prejudicou a maneira como o funcionário vê a si mesmo. Em outras palavras, esse empregador causou um dano moral subjetivo ao funcionário. Isso gera o direito à indenização por danos morais.
Agora, digamos que esse mesmo funcionário, em razão da síndrome de burnout, perdeu vários dias de trabalho para fazer a psicoterapia recomendada para o tratamento, e sofreu descontos em sua folha de pagamento. Além disso, precisou pagar, com seus próprios recursos, o terapeuta.
Nesse cenário, o funcionário sofre um dano material – ou melhor, sofre dois danos materiais. Os danos materiais podem ser divididos em categorias, dentre as quais as mais comuns são lucros cessantes e danos emergentes. O dano material por lucros cessantes refere-se ao lucro que uma pessoa poderia obter, mas perde por causa da ação de outra; enquanto isso, o dano material por danos emergentes refere-se aos gastos adicionais que uma pessoa tem por causa da ação de outra.
No caso do funcionário, ele deixou de ter lucros, porque sofreu os descontos no salário. Além disso, ele também teve gastos adicionais, porque pagou o terapeuta. Dessa forma, ele teve danos materiais dos dois tipos: lucros cessantes e danos emergentes.
Esse exemplo mostra que os trabalhadores com síndrome de burnout podem requerer indenizações por danos morais e materiais dos seus empregadores. No entanto, para que o direito seja reconhecido, é preciso comprovar algumas coisas:
- Que o trabalhador realmente tem síndrome de burnout;
- Que a doença foi causada pelas más práticas do empregador;
- Que a doença efetivamente causou dano;
- Que o valor do dano corresponde ao valor da indenização pedida.
Apenas um advogado pode instruir a respeito da produção das provas. Por isso, é fundamental buscar o aconselhamento de um escritório especializado.
Redução da capacidade laboral por Síndrome de Burnout
Em alguns casos, o profissional que desenvolve síndrome de burnout não pode mais desempenhar todas as atividades que realizava antes da doença. Se ele continuar trabalhando da mesma forma, não conseguirá se recuperar e pode sofrer até um agravamento do seu quadro.
Quando isso acontece, dizemos que o profissional teve redução da sua capacidade laboral. Essa redução é quantificável; um perito avalia o indivíduo e determina o percentual reduzido da sua capacidade laboral, considerando as atividades que ele não poderá mais desempenhar.
Obviamente, a redução da capacidade laboral é uma forma de dano e, por isso, ela gera um dever de indenizar. Porém, não se trata de nenhuma das indenizações que vimos no item anterior; essa indenização especial é uma pensão.
De acordo com o artigo 950 do Código Civil, o empregador que causou a redução da capacidade laboral de seu funcionário deverá pagar uma pensão correspondente ao valor do trabalho que o profissional não pode mais realizar. De maneira bem simplificada, esse valor é calculado levando em consideração o salário do profissional, o percentual reduzido de sua capacidade laboral e sua expectativa de vida.
O profissional pode optar por receber essa pensão da maneira tradicional, na forma de renda recorrente, ou preferir que seja arbitrado um valor determinado para receber tudo de uma vez.
É importante reforçar a necessidade da perícia para determinar que houve perda de capacidade laboral e determinar seu percentual. Para que o direito ao pensionamento seja reconhecido, um simples atestado médico da síndrome de burnout não servirá, pois nem todos que sofrem dessa doença têm sua capacidade de trabalho reduzida de forma permanente.
Benefício por incapacidade no INSS
O INSS oferece dois tipos de benefício por incapacidade: auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Enquanto o primeiro é concedido em casos de incapacidade temporária, o segundo é concedido em casos de incapacidade permanente. Isso nos leva à questão: é possível obter algum desses benefícios em razão de síndrome de burnout?
A resposta é sim. Após afastamento de 15 dias do trabalho com atestado médico, o trabalhador pode requerer a realização de perícia do INSS. Se a perícia confirmar o diagnóstico da síndrome, permitirá receber o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez, conforme o quadro.
Um fato interessante é que, no caso da aprovação do benefício temporário por síndrome de burnout, quando o profissional retorna, ele tem a garantia de estabilidade no emprego por 12 meses.
Para ter essa garantia, não é necessário comprovar que a causa da doença foi o ambiente de trabalho, porque, no caso dessa doença psicossocial, essa é a única causa possível. É diferente, por exemplo, do auxílio-doença por depressão, que nem sempre garante estabilidade, porque a depressão pode ter várias causas.
Caso o profissional seja direcionado para a aposentadoria por invalidez em razão de síndrome de burnout, deve ter em mente que o caráter permanente do benefício não é absoluto. Ele passará por perícias periódicas e, caso o perito determine que está recuperado, o benefício se encerra e o profissional pode voltar a trabalhar.
Neste artigo, você aprendeu mais sobre a síndrome de burnout, uma doença psicossocial reconhecida pela comunidade científica de saúde e associada ao ambiente de trabalho. Vimos que é possível pedir rescisão indireta do contrato de trabalho por causa da síndrome, assim como requerer indenização por danos morais e materiais, pensionamento por redução da capacidade laboral e benefícios por incapacidade no INSS.
Mais uma vez, lembre-se de que apenas um advogado pode avaliar seu caso e ajudá-lo a entender seus direitos e suas chances de sucesso em um processo. Também é ele quem vai orientá-lo sobre os passos até obter uma decisão judicial favorável. Por isso, é fundamental buscar o apoio de um escritório especializado.
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