Como cancelar pensão por morte da ex-esposa que obteve o benefício de forma irregular
Relações familiares são complexas e podem levar a problemas jurídicos concretos. Um desses problemas envolve a relação entre ex-esposa e atual companheira, na concessão do benefício de pensão por morte, especialmente quando se pretende cancelar pensão por morte da ex-esposa que obteve o benefício de forma irregular.
Se o divórcio não tiver sido formalizado, a ex-esposa do indivíduo falecido, mesmo separada de fato no momento do óbito, pode receber a pensão por morte de forma irregular. Enquanto isso, a atual companheira, sem prova documental da união estável, tem o benefício negado.
Existe uma solução para esse tipo de situação? Essa é a questão que vamos abordar no presente artigo. Acompanhe até o final para entender se é possível cancelar a pensão por morte da ex-esposa que obteve o benefício de forma irregular, e como esse procedimento seria realizado.
Obtenção do benefício de pensão por morte de forma irregular
Antes de entrar na resposta da questão principal desse artigo, vamos entender melhor a situação que está sendo abordada, por meio de um exemplo.
Imagine que João, homem de 35 anos, é casado com Maria. Ele trabalha como empregado de uma indústria em regime CLT, realizando o recolhimento das contribuições para o INSS. Ou seja, João é um segurado da Previdência Social, com direito a todos os benefícios para si e para seus dependentes, inclusive a esposa.
O casamento de João e Maria se desgasta, e eles decidem se separar. Enquanto tudo está sendo resolvido, João se envolve com Ana. Eles começam a viver juntos e mantém uma união estável, de acordo com todos os requisitos previstos na lei. No entanto, não há provas documentais dessa relação.
Antes que o divórcio de João e Maria possa ser formalizado, João sofre um acidente e vai a óbito. Maria, tirando proveito de que ainda está formalmente casada com o falecido – apesar da separação de fato –, usa sua certidão de casamento para requerer o benefício da pensão por morte do ex-marido.
Enquanto isso, quando Ana vai ao INSS requerer o mesmo benefício, sua solicitação é negada. O motivo, além da falta de prova documental da união estável, é que a pensão por morte já foi concedida a uma suposta cônjuge.
Portanto, Ana precisa saber se é possível cancelar o benefício que foi concedido a Maria, já que ela o obteve de forma irregular, e como isso seria feito. Somente assim Ana, que era a companheira de fato de João no momento do óbito, poderá ter chances de receber a pensão por morte.
Quem tem direito à pensão por morte
O primeiro passo para responder a questão de Ana é entender quais são as regras que definem quem tem direito ao benefício de pensão por morte.
Esse é um benefício de previdência social que, logicamente, não é destinado ao segurado – o falecido –, mas aos seus dependenteseconômicos. É uma compensação pela perda da pessoa que era o provedor financeiro dentro da unidade familiar.
Os beneficiários da pensão por morte estão previstos na Lei 8.213 de 1991, mais especificamente, no artigo 16:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave
Esse mesmo artigo também determina que a ordem dos beneficiários deve ser considerada. Assim, a existência de um beneficiário previsto primeiro elimina o direito dos demais previstos depois.
Por esse motivo, depois que a pensão por morte é concedida a um cônjuge, companheiro ou filho, ela não pode ser concedida aos pais. Depois de ser concedida aos pais, não pode ser concedida aos irmãos.
Outro aspecto importante, também previsto no mesmo artigo, é que os beneficiários do inciso I têm a dependência econômica presumida. Em outras palavras, eles não precisam provar que eram dependentes economicamente do segurado falecido. Enquanto isso, os beneficiários dos incisos II e III devem demonstrar que o segurado era seu provedor financeiro.
No caso de companheiro de união estável, é preciso apresentar um início de prova material do vínculo com o segurado. Apenas prova testemunhal não é suficiente para demonstrar que a união estável existia. Essa prova documental deve ter sido produzida nos últimos 24 meses antes da data do óbito.
Para completar, é importante destacar que a Constituição Federal (artigo 201, V) assegura igualdade plena entre homens e mulheres no recebimento do benefício de pensão por morte. Assim, as mesmas informações apresentadas neste conteúdo também podem ser aplicadas para uma situação envolvendo uma segurada falecida, seu ex-esposo e o companheiro atual no momento do óbito.
O direito da ex-esposa à pensão por morte
O segundo passo para responder à questão de Ana, a atual cônjuge do segurado falecido João, é entender que Maria, a ex-esposa, poderia sim ter direito ao benefício da pensão por morte.
Existe uma previsão na Lei 8.213/91 (artigo 76, § 2º) favorável a Maria, no sentido de que, se ela ainda era economicamente dependente de João, ela poderia requerer o benefício.
A ex-esposa, se ainda não contraiu novo matrimônio nem união estável e recebia pensão alimentícia do segurado falecido, continua sendo considerada dependente e é uma possível beneficiária.
Além disso, mesmo que a ex-esposa não recebesse alimentos, se ela vier a precisar do suporte financeiro posteriormente, ainda poderá solicitar a pensão do ex-marido. Para isso, é claro, ela deverá comprovar o surgimento da dependência econômica. O Superior Tribunal de Justiça já emitiu uma súmula confirmando esse entendimento:
Súmula 336/STJ: A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente.
O problema é que Maria obteve o benefício de forma fraudulenta, indicando que ainda era casada com João quando ele veio a óbito. Ao fazer isso, colocou um obstáculo no caminho de Ana, que era a companheira de João nesse tempo.
Por tradição, o INSS e o Poder Judiciário interpretam a legislação previdenciária no sentido de que o direito à pensão por morte cabe às cônjuges e companheiras que conviviam de fato com o falecido na data do óbito. Quando Maria pretende ainda estar convivendo com João, ela afasta o direito de Ana. A situação fica ainda mais grave porque Ana não tem prova documental da união estável.
O direto à pensão por morte e a união estável
No Brasil, a união estável é reconhecida como uma entidade familiar. A fundamentação jurídica está na própria Constituição, em seu artigo 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Isso é importante porque significa que a legislação brasileira assegura aos companheiros em união estável todos os direitos previdenciários, inclusive o direito ao benefício da pensão por morte. Em outras palavras, a companheira é uma beneficiária tão legítima quanto a cônjuge.
É importante, entretanto, saber o que a lei brasileira entende como “união estável”. Essa definição está no Código Civil (artigo 1.723), e reúne alguns requisitos. A união estável é a convivência entre companheiros, que deve ser pública, contínua, duradoura, sem impedimentos matrimoniais e com intenção de constituição de família.
Na prática, o único ponto em que a união estável difere do casamento é a ausência de sua formalização. Isso representa uma dificuldade maior para comprovar a existência do vínculo. Enquanto um cônjuge só precisa apresentar a certidão de casamento, um companheiro precisa reunir pelo menos um início de prova documental que demonstre a existência da união e o cumprimento dos requisitos.
Fraude da ex-esposa e medidas judiciais cabíveis
Até esse momento, duas coisas precisam estar bastante claras. A primeira é que a companheira que vivia em união estável com o segurado falecido no momento do óbito tem direito ao benefício de pensão por morte. A segunda é que ela pode ter alguma dificuldade para obter esse direito, devido à necessidade de apresentar prova documental do vínculo.
Para completar, estamos lidando com uma situação em que a ex-esposa aproveita que o divórcio não havia sido concretizado para simular que o casamento ainda existia, apesar de haver uma separação de fato. Ela apresenta a certidão de casamento e solicita o benefício como se ainda fosse esposa do segurado falecido.
O INSS não verifica adequadamente os fatos e concede a pensão por morte à ex-esposa, em prejuízo de quem realmente convivia com o falecido, sua companheira.
O cenário, resultado de uma prática fraudulenta, infelizmente é comum. E existem aspectos da legislação que colaboram para que os companheiros em união estável enfrentem esse tipo de situação.
O principal aspecto é o próprio regulamento da previdência social, estabelecido por meio do Decreto 3.048 de 1999. Esse documento prevê que o INSS deve exigir no mínimo duas provas documentais da união estável para conceder pensão por morte ao companheiro. Veja o texto do artigo 22, §3º:
Art. 22 § 3º. Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, deverão ser apresentados, no mínimo, dois documentos, observado o disposto nos §6º-A e §8º do art. 16, e poderão ser aceitos, dentre outros:
I – certidão de nascimento de filho havido em comum;
II – certidão de casamento religioso;
III – declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;
IV – disposições testamentárias;
V – (revogado)
VI – declaração especial feita perante tabelião;
VII – prova de mesmo domicílio;
VIII – prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil;
IX – procuração ou fiança reciprocamente outorgada;
X – conta bancária conjunta;
XI – registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado;
XII – anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados;
XIII – apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária;
XIV – ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável;
XV – escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente;
XVI – declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou
XVII – quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.
É bastante claro que essa previsão legal torna o processo de solicitação do benefício mais complicado para a companheira.
Além disso, outro fator que colabora para que essas situações sejam mais comuns do que deveriam é o próprio posicionamento do INSS. Na prática, o Instituto acaba privilegiando as relações familiares formalizadas através do casamento civil.
O INSS não cria dificuldades para que um suposto cônjuge, apresentando a certidão de casamento, tenha acesso ao benefício de pensão por morte. É raro que sejam instaurados procedimentos administrativos para apurar a verdadeira situação conjugal do segurado falecido, mesmo quando há dúvida quanto ao legítimo beneficiário.
Como resultado desse conjunto de circunstâncias desfavoráveis, existem milhares de casos em que as companheiras têm, injustamente, seu pedido de pensão por morte recusado.
Divórcio não formalizado e regularidade da união estável
Vamos agora a mais uma dúvida comum sobre o conflito entre ex-esposa e companheira na solicitação de pensão por morte. Se o divórcio não foi formalizado, a união estável pode ser considerada regular?
A resposta é sim. Na legislação brasileira, a união estável deve ser reconhecida mesmo que o companheiro ainda esteja formalmente casado com sua ex-cônjuge.
A separação de fato é suficiente para que o indivíduo esteja livre para entrar em uma união estável. Justamente por esse motivo, o divórcio não formalizado não impede que a companheira tenha direito ao benefício de pensão por morte.
A única situação em que a companheira não teria esse direito é aquela em que a união estável é resultado de adultério, ou seja, em que a união estável é mantida enquanto o indivíduo ainda está casado e convivendo com sua cônjuge. Nesse caso, os tribunais entendem que existe uma distinção: a mulher na união estável em adultério não é companheira, mas concubina.
Em um julgamento de Recurso Extraordinário em 2009, o STF concluiu que “a titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.” (RE 590779)
Em outras palavras, na visão dos tribunais, o vínculo em adultério não é reconhecido juridicamente e não pode ser privilegiado, em prejuízo da família constituída dentro da legalidade.
Porém, esse não é o caso que estamos lidando neste artigo. Nosso exemplo, com José, Maria e Ana, não envolve adultério. Assim como na realidade de muitos brasileiros, a união estável foi formada após o final do casamento e é completamente regular, do ponto de vista jurídico.
Divisão da pensão por morte entre ex-cônjuge e atual companheira
Existe ainda mais um tópico que precisa ser abordado para esclarecer a relação entre ex-cônjuge e companheira no recebimento da pensão por morte.
Como já foi explicado anteriormente, o conflito existe quando a ex-cônjuge obtém o benefício de forma irregular, simulando a continuidade do casamento que já não existia mais. Porém, se ela era dependente do segurado falecido, apesar do fim do casamento, ainda teria direito à pensão por morte como beneficiária legítima.
Isso significa que, se o falecido tinha uma ex-cônjuge e uma companheira, ambas economicamente dependentes dos seus proventos, as duas terão direito ao recebimento da pensão. Portanto, o benefício será dividido entre elas, conforme está previsto no artigo 77 da Lei 8.213.
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.
Essa visão tem apoio nos tribunais e está se consolidando. De fato, ainda em 2021, o Ministério Público Federal encaminhou um parecer ao STF apoiando uma decisão que estabelecia o rateio de pensão por morte entre ex-cônjuge e companheira.
De acordo com o documento, “havendo o pagamento de pensão por morte, o valor poderá ser fracionado, em partes iguais, entre a ex-esposa e a convivente estável, haja vista a possibilidade de presunção de dependência econômica simultânea de ambas em relação ao falecido”.
Não existe também uma distinção entre ex-cônjuge e companheira, em termos dos valores que cada uma deve receber. Assim, cada uma receberá o correspondente a 50% do benefício da pensão, assumindo que não haja filhos elegíveis para entrar nesse rateio.
Como cancelar a pensão por morte da ex-esposa
Se a ex-esposa obteve a pensão por morte de forma irregular, simulando a existência de um casamento que já havia terminado, ela cometeu uma infração.
Vale a pena lembrar que, como ex-esposa, mesmo que ela tivesse direito ao benefício, a dependência econômica não seria presumida e deveria ser comprovada. Declarando-se como esposa, ela não realiza essa comprovação.
Já existem casos em que os tribunais identificaram a irregularidade e determinaram o fim do pagamento do benefício (AC 0000427-38.2011.404.9999 TRF-4, AC 0010779-55.2011.404.9999 TRF-4).
A companheira que teve sua requisição do benefício negada em razão da fraude deve entrar com uma ação, realizando a denúncia. No processo, será preciso demonstrar que a ex-esposa ocultou a separação de fato para manter indevidamente o direito ao benefício previdenciário.
Nesse processo, será solicitado que o benefício seja cancelado para a ex-esposa e revertido para a companheira. Devido à irregularidade, a ex-esposa também pode sofrer outras sanções; por exemplo, ser condenada a devolver os valores recebidos indevidamente.
Além do processo ligado diretamente à concessão do benefício previdenciário, podem ser abertos também outros processos, em esferas diferentes.
Na esfera civil, a companheira pode apresentar um pedido de indenização pelos prejuízos sofridos enquanto não pôde receber a pensão. Na esfera criminal, a ex-esposa pode ser denunciada pelo crime de falsidade ideológica (Código Penal, artigo 299).
Importância da pensão por morte para a companheira
O benefício de pensão por morte tem um papel muito importante. Ele garante meios de subsistência aos dependentes do segurado falecido, para que eles possam manter um padrão de vida digno após a perda de seu provedor financeiro.
Infelizmente, os problemas no sistema abrem portas para fraudes e colocam a companheira em uma posição desfavorável. Mesmo tendo direito, como beneficiária legítima, ao recebimento da pensão, sua solicitação acaba sendo recusada.
Isso significa que mulheres dependentes economicamente de seus companheiros, após um falecimento inesperado, encontram-se sem recursos para assegurar suas necessidades básicas. Além da perda do companheiro, elas acabam enfrentando despejo, insegurança alimentar e outras dificuldades por falta de dinheiro.
Nessas situações, o aconselhamento e a assessoria de um advogado especializado em Direito Previdenciário é fundamental.
Esse profissional é capaz de avaliar o caso concreto e propor o melhor caminho para resolver o conflito e chegar a uma solução. Além disso, ele poderá instruir a companheira sobre todos os pedidos que pode realizar no processo e sobre as provas que precisa reunir para levar à Justiça seu caso e aumentar as chances de sucesso.
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