Trabalhista

Como entender a doença ocupacional para farmacêuticos?

Antes de falar de doença ocupacional para farmacêuticos, é apropriado dizer que a profissão de farmacêutico é bastante ampla. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, o órgão regulador competente, quem se forma em farmácia estará habilitado a atender em pelo menos 70 áreas profissionais, desde acupuntura até virologia clínica.

Mas independente do nome da ocupação, da função desempenhada ou do nome que se dá ao registro na carteira de trabalho, a doença ocupacional precisa de coerência com o exercício da atividade.

Por isso, exames médicos admissionais têm alcançado grande relevância que muitos trabalhadores desconhecem. Saber como está a saúde corporal e mental antes de entrar em um novo trabalho ajudará depois a visualizar as transformações que possam vir a ocorrer nesse contexto, que inclui adoecimento da rotina e sobre-esforço profissional.

Para facilitar, separamos o tema “doença ocupacional para farmacêuticos” em vários tópicos que apresentamos a seguir.

O que é doença ocupacional e qual a relação com a profissão?

doença ocupacional para farmacêuticos
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A doença ocupacional é uma lesão ou morbidade de médio, ou de longo prazo, relacionável com repetições típicas do trabalho desempenhado. Então falamos de algumas características que são comuns a esse tipo de ocorrência:

  • Problema de saúde adquirido: o trabalhador não sofria com isso antes nem nasceu com a doença;
  • Repercussão negativa no trabalho diário: pequenos acidentes ou machucados que não afastam da rotina nem geram recomendação médica contínua não são doença ocupacional;
  • Sequela: geralmente a doença ocupacional é uma sequela, ou seja, é a consequência de desgastes ou de repetições prejudiciais no tempo;
  • Exposição: a maior ou menor exposição a riscos está diretamente relacionada com a probabilidade de a doença ser ocupacional;
  • Esforço de sobrecarga: não raramente, as doenças ocupacionais se desenvolvem pelo excesso de trabalho, pelo acúmulo de funções, pela ausência de proteção, compensação ou melhor distribuição de tarefas;
  • Identificação: é um indício de doença ocupacional quando pessoas que exercem a mesma função, e em condições parecidas, apresentam as mesmas dores e limitações na saúde;
  • Acidente de trabalho: nem todo acidente do trabalho é doença ocupacional, mas toda doença ocupacional é acidente do trabalho.

Como se vê, a doença ocupacional tem tudo a ver com o desenvolvimento da profissão, mas uma dúvida recorrente é se também pode ser considerado doença ocupacional os problemas de saúde que não nascem com o trabalho, mas que pioram com ele. 

Por exemplo: imagine alguém que por conta de uma velha labirintite, naturalmente tenha maior sensibilidade ao barulho, tendo vertigem ou colapsos auditivos nos episódios de alta exposição.

No entanto, essa pessoa foi admitida como farmacêutica industrial estando à frente da linha de produção, junto ao controle de qualidade e ao registro de medicamentos. 

Mesmo com o fone de proteção, tem tido mais dores de cabeça e tonturas do que o normal, uma vez que o nível de exposição ao barulho dentro da fábrica está muito acima do padrão que estava habituada.

Com o passar do tempo, o mal-estar cresce, as crises também e as folgas já não comportam a mesma qualidade, porque o repouso precisa ser obrigatório. 

Aumenta o uso de medicamentos e isso muito afeta a alimentação, o padrão de sono e a disposição

Percebe como a doença ocupacional é um agravamento de uma condição anterior? Nesse caso ela afeta em cheio todo o contexto de vida, muito além do ambiente de trabalho. 

Covid-19, e sequelas, é doença ocupacional para farmacêuticos?

Covid-19, e sequelas, é doença ocupacional?
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Como já sinalizamos no tópico anterior, pode ser que sim. Tudo depende da repercussão negativa no trabalho diário, da perda da qualidade de vida e da indicação de que de fato a doença foi adquirida pela exposição ao trabalho. 

Durante os anos de 2021 e 2022 tivemos várias decisões judiciais no sentido de reconhecer a doença ocupacional em favor de enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde, principalmente quando expostos a níveis de insalubridade incondizentes com a segurança do trabalho. 

Nesse caso não há nem discussão: há implicação direta entre responsabilidade do empregador e adoecimento do funcionário se não houve maneiras de evitar uma contaminação. 

Então cada caso precisa ser analisado a fundo, individualmente e com sensibilidade. 

Vou dar um exemplo prático:

Em 2023, após passados o primeiro e segundo colapsos da pandemia COVID-19 no Brasil, muitos hospitais do interior já não aceitam mais receber pacientes de COVID-19.

Alguns hospitais optaram por especializar algumas alas, mas outros já não mais aceitam os pacientes, fazendo os devidos encaminhamentos a centros específicos, ao contrário daquela época.

Em um hospital em que não mais existam pacientes de COVID, a contaminação pelo vírus já não é mais uma implicação direta. Por isso dificilmente a caracterização de uma doença ocupacional ao colaborador vinculado. 

Isso se refletirá aos farmacêuticos hospitalares, por exemplo. Situação análoga é a de farmacêuticos em farmácias que não vendem testes de COVID nem fazem triagem da doença.

Nesses casos, apenas evidências muito particulares poderiam justificar uma contaminação relacionada ao farmacêutico. De toda maneira, a possibilidade nunca deve ser descartada sem maiores investigações. 

A importância do papel técnico da perícia 

A importância do papel técnico da perícia 
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Ao longo da vida trabalhista todo mundo já teve de lidar com exames de saúde ocupacional, epis obrigatórios (equipamentos de proteção individual), e aquela velha dúvida se o ambiente laboral gera ou não adicional de insalubridade no salário.

Já classificar doença como ocupacional não é bem uma preocupação trabalhista, apesar das consequências nessa área, mas sim previdenciária, para fins de benefício INSS. 

Tudo que envolva a paralisação forçada da atividade remunerada será um claro sinal sobre responsabilidade do INSS de cobrir o período. 

Isso porque quando o salário para de ser pago por motivo de saúde, o benefício previdenciário precisa substituir a renda durante o tempo de afastamento. 

Mas para isso, a doença precisa ser avaliada, identificada, classificada e deve receber estimativa sobre tratamento e reabilitação. Tudo isso é feito mediante o trabalho da perícia técnica

A perícia técnica pode ser administrativa, realizada em agência INSS, ou judicial, quando a perícia administrativa reprova a concessão de benefício contra o entendimento de médicos particulares, por exemplo. 

Procurando mais sobre perícia no decreto 3.048/99, precisamente no art. 337, entendemos a perícia como uma investigação clínica sobre a relação entre o problema de saúde com a redução, ou eliminação, da capacidade de trabalho. Tecnicamente, isso é chamado de comprovação do nexo causal.

Em se tratando de doença ocupacional para farmacêuticos, considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o problema de saúde quando se verificar relação epidemiológica entre a atividade da empresa e a morbidade motivadora da incapacidade, conforme regulamentos específicos de patologia.    

Ciente disso, o profissional farmacêutico que suspeite sofrer doença ocupacional pode e deve procurar profissionais de saúde ocupacional para receberem suas respectivas avaliações e prontuários atualizados.

Primeiros passos na doença ocupacional para farmacêuticos 

Primeiro passo para um benefício acidentário 
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O primeiro passo é verificar o acesso ao portal digital MEU INSS, através de cadastro integrado com a senha GOV.BR do Governo federal. 

Ao clicar na opção nova solicitação, o segurado INSS pode agendar uma perícia médica em agência mais próxima para detectar o elo entre a perda da sua capacidade de trabalho com a doença. 

Mas atenção: para que haja necessidade de perícia e encaminhamento previdenciário, o profissional farmacêutico precisa de atestado médico de pelo menos 15 dias solicitando repouso, tratamento ou afastamento. 

Isso porque o pagamento dos quinze primeiros dias são de responsabilidade do empregador. Não havendo indicação de tempo maior de afastamento, o funcionário retorna para suas atividades, mas necessitando de prazo maior (sempre com atestado) será encaminhado ao INSS. 

Dependendo da localização da agência INSS, a realização da perícia é agendada com antecedência média de 15 a 40 dias, sendo ela voltada para a concessão de um auxílio-doença.

Por isso, já na primeira consulta, dentro dos primeiros 15 dias de afastamento, se a avaliação clínica for pessimista recomenda-se providenciar o agendamento da perícia INSS, evitando resultado exclusivo de um ou outro profissional da saúde.

Caso o local de trabalho tenha departamento de RH, a comunicação deve ser constante, mas o que precisa ser levado em conta é que a doença ocupacional para farmacêuticos gerará muitas outras consequências.

Doença ocupacional para farmacêuticos gera Aposentadoria facilitada?

Doença ocupacional gera Aposentadoria facilitada?
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Nós sabemos do estresse de estar em uma atividade profissional marcada por pausas, intercorrências e instabilidade.

Por isso, é necessário avaliar o grau de afetação do trabalhador em questão, decorrente de doença ocupacional para farmacêuticos:

  • Quantidade de paralisações do trabalho, com ou sem benefício previdenciário, por motivo de saúde;
  • Previsão médica de recuperação;
  • Idade;
  • Possibilidade de remanejo de função, horário ou rotina visando qualidade e bem-estar;
  • Respaldo da Empresa/empregador sobre a situação;
  • Cobertura ou oferta de plano de saúde corporativo.

Na via trabalhista, o desrespeito à segurança e saúde do trabalho pela empresa pode gerar rescisão do contrato de emprego com pagamento de indenizações ao trabalhador, inclusive pensão em caráter vitalício se há lesão redutora da capacidade de trabalho, e sem chance de recuperação. 

Em termos de aposentadoria, dependendo da severidade da doença ocupacional, poderá ser reivindicada a aposentadoria invalidez, quando a capacidade para o trabalho é completamente minada pelas circunstâncias e consequências nocivas de doença ou acidente.

O benefício de aposentadoria por invalidez está descrito a partir do artigo 43 do decreto 3.048/99. 

Neste artigo você aprende um pouco mais sobre aposentadoria especial, independente de doença ocupacional para farmacêuticos.

Equipamento de proteção desclassifica a doença ocupacional?

Essa foi uma importante e acalorada discussão nos tempos de covid-19 como doença ocupacional. O coronavírus é uma infecção facilitada pelos orifícios respiratórios, por isso máscaras de proteção, luvas e óculos estavam acima nas discussões de que covid-19 é ou não é doença do trabalho. 

A Covid-19 é só um exemplo sobre um tema de fundo amplo relacionado ao EPI (equipamento de proteção individual). Afinal, epi’s desclassificam a doença ocupacional?

Podemos pensar também em doenças ocupacionais não necessariamente físicas, como a síndrome de burnout. Ela não depende de epi’s, mas de uma cultura organizacional sistêmica, muito mais difícil de individualizar para fins de caracterização de perícia.

O Ministério do trabalho preocupa-se em orientar os fiscais do trabalho, bem como a liderança nas empresas, a adotarem posturas preventivas e remediadoras que contribuam com a saúde dos profissionais.

Você pode pensar, por exemplo, no programa mensal de ginástica laboral, ou em incentivos à redução do estresse e do foco excessivo no trabalho a partir de atividades e campanhas integrativas.

A prioridade das empresas deve ser no sentido de eliminação de riscos. Não havendo a possibilidade é que se abrem alternativas sobre fornecerem EPI’s. 

O que se entende sobre os equipamentos é que não basta oferecê-los e que o empregado assine termo de recebimento. O empregador precisa manter fiscalização periódica, e utilizar-se de seu poder de supervisão para cobrar o uso adequado e o cumprimento das normas de segurança. 

A postura inadequada do empregado pode afastar o dever indenizatório da empresa sobre o profissional que atua em ambiente insalubre pelo não uso de equipamentos de proteção.

Essa discussão é muito comum, por exemplo, quando falamos de surdez, ou perda auditiva parcial, causada por ruídos excessivos porque contraindicados pela organização mundial da Saúde.

Exemplo de reconhecimento judicial

Agora que você já sabe tudo sobre doença ocupacional para os farmacêuticos, importante lembrar de um caso ilustrativo que foi levado à Justiça por uma auxiliar de farmacêutica, após ela desenvolver linfoma pela longa exposição à manipulação de remédios.

Após três anos de contratação, descobriu-se um câncer maligno na auxiliar, que mesmo recebendo luvas (EPI’s) precisava manipular peneiras cortantes que a faziam ter contato direto com as substâncias na pele.

A doença é gravíssima, e de fato houve condenação à indenização pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região contra os patrões (processo RR-1000691-46.2015.5.02.0242).

Seguindo a máxima aplicada em qualquer decisão do STF, o TST também entende que o prejuízo à saúde é medido pela gravidade da lesão moral, do grau de culpa e das específicas circunstâncias do caso. 

Curiosamente, levantou-se um debate em relação ao valor final da indenização, após entendê-la inegavelmente cabível.

Entendeu-se por fim, que a indenização não poderia estar no máximo patamar, porque apesar de a doença em si ser gravíssima, a recuperação pessoal da farmacêutica é muito positiva, ela teria curado do câncer e segue vivendo assintomática. 

Percebe o quanto a perícia, e o acompanhamento médico, é importante para entendermos o grau de evolução, ou de regressão, da saúde do trabalhador?

Conclusões sobre doença ocupacional para farmacêuticos

O momento de pandemia trouxe grande evidência para a problemática corporativa, trabalhista e previdenciária dos profissionais de saúde. 

Os farmacêuticos não ficaram isentos desse desfecho, precisando lidar ainda com uma diversidade de outros casos de contaminação pela exposição constante a agentes nocivos típicos da carreira, como agentes químicos e biológicos de laboratório.

Por conta disso, o colaborador precisa se preservar, ou buscar seus direitos se já sofre com consequências negativas de uma doença ocupacional.

Para ajudá-lo, vamos deixar ao profissional farmacêutico alguns sinais preocupantes de que é hora dele buscar um profissional de saúde ocupacional, e, na sequência, consultar-se com um advogado especialista:

  • Tem arcado com despesas médicas inéditas;
  • Já passou por perícias INSS nos últimos 3 anos;
  • Tem procurado médicos especialistas no meio-tempo;
  • Aumento de doses de medicação;
  • Desconfortos e dores que atrapalham o serviço;
  • Dificuldade de adaptação aos Epi’s;
  • Aumento de episódios de crise.

O uso dos materiais de proteção vai muito além das boas práticas que listamos. Iniciativas preventivas deixam o ambiente amparado e reduz custos evitando uma mão-de-obra adoecida com funcionários contaminados pelo exercício profissional que deveria ser comum.

Ciente das adversidades, os interesses previdenciários sempre devem ser resguardardos diante das suspeitas de doença ocupacional para farmacêuticos.

Ainda com dúvidas? Aqui separamos um texto sobre burnout, um exemplo clássico de doença ocupacional para farmacêuticos.

Rafael Faganello

Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Pós-Graduado em Direito Tributário pela FGV, Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB.

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