Trabalhista

7 dúvidas sobre direito do trabalho na pandemia

O direito do trabalho na pandemia ou durante o período de isolamento social sofreu algumas flexibilizações e ajustes diante da pandemia de COVID-19, tanto para se adequar a novos padrões de consumo e mercado, quanto para responder aos conflitos sanitários e econômicos de emergência no cenário atual.

As incertezas sobre manutenção do emprego e renda e as questões atinentes à sequência de medidas provisórias, instruções normativas e portarias lançadas pelo Governo e pelos órgãos oficiais aumentam os problemas gerados no ambiente de trabalho, seja por parte do empregador que não sabe como proceder, seja pelos empregados que devem fazer malabarismos entre a preservação do emprego e eventuais abusos de direito do empregador.

Direito do trabalho na pandemia e garantias ao trabalhador em grupo de risco na hipótese de convocação para o trabalho

Esta é uma questão delicada. Caso o trabalhador em grupo de risco se veja convocado ao trabalho, ele pode estar diante de três situações:

  1. ser chamado para o trabalho no local da empresa, lhe sendo assegurados todos os equipamentos de proteção individual, com adoção de padrões sanitários rígidos pela empresa;
  2. ser chamado para o trabalho no local da empresa, em situação de insegurança sanitária com incremento do risco para a contração da doença;
  3. ser colocado em trabalho remoto, ou home office.

Nem todos os tipos de trabalho comportam adequação ao sistema home office, de trabalho remoto. Antes da pandemia, o teletrabalho foi regularizado no Brasil em 2017, mas a Medida Provisória nº 927/20 tratou de melhor reger a matéria diante de uma necessidade que não é mais excepcional, mas que pode vir a responder como regra.

Atualmente, é ato unilateral do empregador estabelecer o trabalho remoto, isto significa que pela MP nº 927, a ordem dispensa o consenso do empregado (em situação de normalidade, o consenso é necessário).

Segundo a jurista Aryane Maria de Freitas, “a legislação presente não traz a obrigatoriedade do empregador de suspender as atividades presenciais dos colaboradores pertencentes ao Grupo de Risco”, entretanto, o Poder Judiciário tem concedido este direito aos órgãos sindicais e trabalhadores que procuram manter o trabalho a distância ou se afastar do cotidiano presencial através de ações judiciais (in, Coronavírus e os Impactos Trabalhistas. Editora JH Mizuno. Edição do Kindle, p. 212).

Alguns estudiosos, como Alexandra Costa Pires, entendem que na situação de convocação ao trabalho com o atendimento de todas as garantias de proteção sanitária postuladas pelos órgãos de saúde nacionais e locais, se o trabalhador está inserido em situação de trabalho presencial por compor serviço essencial, a recusa do obreiro não seria legítima, possibilitando a demissão por justa causa.

Por outro lado, a situação de insegurança no ambiente de trabalho, como falta de aparelhos de proteção e medidas de saúde em prol do trabalhador, são legítimos tanto para justificar o afastamento do trabalhador do grupo de risco, como de todos os demais, situação esta que já foi reconhecida por várias liminares no percorrer do país em favor de técnicos e auxiliares de enfermagem sem luvas, máscaras e antissépticos no local de trabalho.

Oportuno transcrever a decisão da desembargadora Adriana Goulart de Sena, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, proferida em 10 de abril de 2020:

Pelo exposto, CONCEDO PARCIALMENTE, a medida liminar pretendida, “inaudita altera pars”, para determinar que o alcance da norma coletiva celebrada entre as partes, assim como da pauta reivindicatória apresentada, estende-se a todas as ferramentas e equipamentos necessários ao desenvolvimento do mister dos trabalhadores representados pelo Sindicato autor, posto que são indispensáveis para resguardar a saúde destes trabalhadores, devendo ser entregues em até 72 horas, cujo prazo se iniciará após a ciência na contrafé do mandado de citação a ser entregue pelo Sr. Oficial de Justiça, em sede ainda do Plantão Judiciário. Os EPIs a serem entregues são os seguintes: óculos de proteção ou protetor facial (face shield); máscara cirúrgica N95/PFF2 ou equivalente; avental; luvas de procedimento; gorro; sabonete líquido ou preparação alcoólica a 70%. Concedo, também, a medida subsidiária solicitada pelo Sindicato autor, para declarar a seguinte prerrogativa aos trabalhadores do Sindicato-Suscitante: caso os estabelecimentos representados pelo Suscitado não forneçam todos os meios e condições de trabalho retro mencionados, no prazo acima estabelecido, os trabalhadores representados pelo Suscitante estão autorizados a interromper o trabalho sem prejuízo de seus salários e demais benefícios, em respeito ao direito à saúde e à vida, sem prejuízo de receberem, caso sejam contaminados, os devidos cuidados por parte de seu empregador, como também alojamento para que possam permanecer (como hotéis, por exemplo), tudo isso como encargo dos empregadores, evitando, assim, a possível contaminação de outras pessoas, inclusive da família destes trabalhadores.

A empresa que deixou de funcionar durante a quarentena pode descontar esse período do salário do empregado?

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O direito do trabalho na pandemia parece uma teoria distante quando a realidade da doença infecto-contagiosa do coronavírus, forçadamente encerrou diversas atividades profissionais e paralisou o faturamento de empresas e circuitos econômicos inteiros.

Entretanto, a lei é mais do que teoria e, ainda que diante deste panorama trágico, há uma série de direitos do trabalho resguardados. Sob a proteção das leis 14.020/20 e 13.979/20, foi possível permitir ao empregador suspender contratos de trabalho no caso de paralisação de atividades ou redução de jornada e salário, de modo que o governo federal suprisse ao trabalhador compensação com base no valor do seguro-desemprego.

Nestes casos, o trabalhador adquire estabilidade provisória pelo dobro do prazo em que vigorou as medidas de alteração excepcional do contrato. Isto quer dizer que eventual demissão repercutirá em indenização além das verbas rescisórias cabíveis.

Para os empregadores que optaram por não alterar o regime jurídico trabalhista de seus empregados, a situação de quarentena ou isolamento de funcionários por ato normativo das autoridades locais, não configura justa causa para a rescisão do contrato. Desta forma, eventual demissão também será indenizada.

A situação, porém, não impede um acordo escrito de compensação de jornada. Neste caso, futuras demissões poderão descontar as faltas nas verbas rescisórias, se elas não forem compensadas (é importante a constituição de um banco de horas para consulta e controle). Fora da compensação de jornada e concessão de férias coletivas, os salários permanecem.

Sou obrigado a aceitar as férias e feriados impostos pela empresa?

A medida provisória número 927/20 perdeu a sua vigência em 19 de julho de 2020. Porém, enquanto esteve em vigor essa Medida Provisória autorizou que o empregador estabelecesse férias coletivas ou antecipe as férias individuais, ou que ainda a antecipação de feriados. O estado de calamidade imposto pelo acontecimento de fatos atuais permitiu que estas medidas fossem tomadas pela empresa, inclusive para que a médio e longo prazo, os empregos e rendas fossem mantidos.

Apenas em caso de feriados religiosos (a exemplo do Natal, em 25 de dezembro), a antecipação exigirá consenso do empregado por meio de acordo individual escrito, uma vez que a liberdade de credo foi prestigiada pelo ato normativo, excepcionando a regra da imposição de antecipações.

Oportuno esclarecer que após 19 de julho de 2020 a Medida Provisória 927 caducou por não ter sido convertida em lei e todas as regras anteriores constantes na CLT e outras leis voltaram a regular as férias e feriados, não sendo mais possível antecipar as férias, conforme estava previsto na Medida Provisória que perdeu vigência.

Posso recusar a proposta de redução de jornada e salário ou suspensão do contrato?

O empregado poderá recusar tanto a redução de jornada quanto a de salário, contudo, o empregador está autorizado a tomar estas medidas na sua empresa, do que decorre que a consequência pode ser a demissão sem justa causa do empregado, uma vez que ao recusar a redução de jornada e de salário pelo programa da lei 14.020/20, ele abre mão da estabilidade provisória no emprego.

Não se recomenda, portanto, que o empregado recuse estas medidas que devem ser temporárias. Ademais, seu salário será complementado ou pago por inteiro pelo Governo Federal, a depender do percentual de redução salarial, o trabalhador não poderá receber menos do que o salário mínimo.

Finalmente, os termos contratuais devem assegurar ao trabalhador a certeza sobre sua jornada e posição enquanto vigorar o estado de calamidade. Em hipótese de suspensão do contrato, por exemplo, o trabalhador não pode cumprir demandas do patrão e sempre que houver diminuição salarial, é indispensável a redução da carga horária.

Após a entrada em vigor da Lei 14.020/20, a empresa pode prorrogar automaticamente a redução da jornada/salário ou suspensão do contrato de trabalho?

Para esclarecermos essa dúvida, oportuno analisarmos o artigo 7º da Lei 14.020/20, vejamos:

Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º desta Lei, o empregador poderá acordar a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até 90 (noventa) dias, prorrogáveis por prazo determinado em ato do Poder Executivo […]

Na conformidade deste artigo, o prazo de vigor do estado de calamidade pública pode ser prorrogado por ato do Poder Executivo (por via de decretos). Não poderia ser diferente, uma vez que o legislador no momento de confecção da lei 14.020/20 não poderia antever a duração e extensão de um evento epidemiológico.

O último decreto lançado sobre a matéria, decreto número 10.422/20, autoriza a prorrogação dos prazos de redução de jornada e suspensão de contrato até o prazo máximo de 120 dias, isto importa dizer que até o presente momento, os trabalhadores que participam deste programa no prazo máximo proposto, terão estabilidade no emprego pelo tempo total de 240 dias.

Quem é responsável pelos custos de internet, telefone, luz e equipamentos em home office?

Quem é responsável pelos custos de internet, telefone, luz e equipamentos em home office?
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Em razão da situação de excepcionalidade que decorre do estado atual de calamidade pública, o ato normativo que responderá por questões relativas a home office estão na Medida provisória número 927/20, que perdeu a sua vigência em 19 de julho de 2020.

Com base na Medida Provisória 927 que caducou, podemos afirmar que os custos do trabalho remoto devem ser acordados no momento de sua designação ou nos 30 dias subsequentes. O recomendável é que os custos sejam repartidos ou na conformidade das capacidades reais de empregado e empregador.

Antes da pandemia, os Tribunais estavam inclinados a responsabilizar os empregadores pelo ônus de infraestrutura, todavia, diante de fatos extraordinários, este dever não foi expressamente previsto por ato normativo ou lei regente do estado de calamidade.

Nada impede que o empregado utilize de seus próprios materiais (por exemplo: computador e internet). Na ausência desses bens, os doutrinadores Luciano Martinez e Thereza Nahas apontam para os seguintes desdobramentos:

i. [o empregador] fornecerá os equipamentos em regime de comodato, responsabilizando-se pelos custos de infraestrutura (conexão com internet); ou

ii. se não for possível o empregador fornecer o equipamento necessário, o tempo de trabalho será remunerado como tempo à disposição.

(in, Considerações sobre as medidas adotadas pelo Brasil para solucionar os impactos da pandemia do COVID-19 sobre os contratos de trabalho e no campo da Seguridade Social e da de prevenção de riscos laborais. Disponível em: http://www.cielolaboral.com/wp-content/uploads/2020/04/brasil_noticias_cielo_coronavirus-3.pdf>)

A Medida provisória número 927/20 possibilitou, enquanto permaneceu vigente, a aplicação de teletrabalho também aos estagiários e aprendizes, embora a natureza das funções exercidas exija compatibilidade com o trabalho a distância.

Como ficam os benefícios de vale refeição, vale transporte, plano de saúde e outras vantagens fornecidas pela empresa?

Alguns empregadores fornecem cestas básicas, vale transporte e refeição, plano de saúde, acesso odontológico, entre outras vantagens que, ao final, são complementares ao salário do trabalhador.

Por expressa ressalva legal, os empregadores não podem cortar os benefícios que já forneciam regularmente aos seus empregados se há manutenção do vínculo do emprego, ainda que o contrato seja suspenso ou haja redução de jornada, em adesão ao benefício emergencial para manutenção de empregos da lei 14.020/20.

Art. 8º, Lei 14.020/20 […]

§ 2º Durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho, o empregado:

I – fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados […]

No entanto, em caso de rescisão, dado o desligamento do vínculo trabalhista há, portanto, perda dos benefícios complementares ao salário. Há, contudo, um projeto de lei em tramitação no Senado Federal, que visa manter a responsabilidade do empregador pelo plano de saúde de empregados demitidos pelo prazo de um ano após a demissão (projeto de lei número 2.631/20).

Para o caso individual de trabalhadores colocados em home office e que antes recebiam vale transporte, o benefício não é devido, uma vez que não há gastos com locomoção. Nada impede, contudo, que o empregador mantenha este benefício para compensar outros custos advindos do trabalho em casa, ou, ainda, que traga outras estipulações por negociação coletiva ou individual.

Para os empregados que estavam inscritos em plano empresarial de saúde e, portanto, pagavam plano coletivo por contribuição individual, mas foram demitidos sem justa causa, há resguardo do direito de cobertura após a saída da empresa, enquanto os empregados ativos continuarem a usufruir do mesmo plano, desde que o demitido informe o empregador em até 30 dias e não inicie novo emprego que lhe dê acesso a plano de saúde privado.

O empregado, contudo, deve continuar remunerando o benefício, que será estendido ao grupo familiar registrado à época de vigência do contrato de trabalho. Bens in natura, como cestas básicas, produtos de higiene e escritório ou outras vantagens providas pelo empregador devem ser mantidas, ainda que haja suspensão do contrato de trabalho.

A suspensão é causa temporária e adversa de paralisação do contrato, ela não rompe vínculos e não desonera as expectativas de qualidade de vida, que outrora funcionaram de atrativo ao empregado para o respectivo vínculo trabalhista.

Notas conclusivas

Muito do que era conhecido, praticado ou rotineiramente tratado informalmente entre empregados e empregadores foi brutalmente interrompido por forças externas à vontade de quaisquer das partes. Os direitos do trabalho que eram assegurados somente pelo trato verbal, agora praticamente perecem diante da incerteza e informalidade.

Desta forma, é muito comum que dúvidas surjam neste campo. Tanto empregados quanto empregadores possuem direitos e deveres e devem buscar o diálogo e a resolução compartilhada para vencerem os obstáculos que se apresentam.

Acordos a nível individual ou coletivo podem e devem ser firmados para resguardar os envolvidos, principalmente quando a situação for normalizada e novos termos precisarem ser rediscutidos.

Sabemos, contudo, que nem sempre o diálogo é bem recepcionado, e às vezes por medo, ou desinformação, as relações trabalhistas são violentamente interrompidas, sem as devidas indenizações e verbas ou proteção ao trabalhador, que permita a transição saudável para uma situação econômica diversa (como acesso ao seguro desemprego).

Por todas estas razões, é aconselhável procurar um advogado trabalhista para melhor análise do caso, reversão de eventuais prejuízos ou prevenção de conflitos.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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