Trabalhista

Medida provisória 739/2016 quer acabar com a aposentadoria por invalidez e com o auxílio-doença

Fundamentos da Medida Provisória 739 de 07/07/2016

A Medida Provisória 739 de 07/07/2016 – pente fino do auxílio-doença – implementou severas alterações na legislação previdenciária, especificamente na lei 8.213/91 com claro objetivo de restringir o acesso aos benefícios por incapacidade, bem como cessar os benefícios para aqueles segurados que já recebem os respectivos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.

Ficou claro que o propósito do governo não é apenas e tão somente o de corrigir eventuais erros ou fraudes na concessão desses benefícios, mas sim o de reduzir gastos e economizar mais de seis bilhões em dois anos.

Entendemos que é necessário realizar um ajuste na legislação previdenciária e corrigir aberrações para gerar um sistema previdenciário equilibrado e sustentável, porém, conforme já estamos acostumados a presenciar, o que ocorre com as alterações implementadas às pressas pelo governo é uma agressão a sociedade e aos direitos dos mais necessitados com restrições severas em benefícios de elevada importância para a manutenção daqueles segurados/trabalhadores que se encontram em uma situação de enfermidade que impede o retorno ao trabalho.

Nesse breve e introdutório texto vamos esclarecer o nosso ponto de vista sobre as principais alterações recentemente implementadas pela MP 739/2016.

Obrigatoriedade da reavaliação clínica para benefícios concedidos pelo INSS e por intermédio de decisão judicial

Foi acrescentado no artigo 43 da lei 8.213/91 o § 4º que determina que o segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado, entende-se, será convocado, a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente.

A redação do referido dispositivo é clara no sentido de fortalecer a intenção do governo de cortar custos com a cessação de milhares de benefícios por incapacidade. Isso porque a referida regra criada pelo § 4º inserido no artigo 43 da lei 8.213/91 já existia, conforme estabelecido no artigo 46, parágrafo único, do decreto 3.048/99, ao qual transcrevemos a íntegra:

“Art. 46. O segurado aposentado por invalidez está obrigado, a qualquer tempo, sem prejuízo do disposto no parágrafo único e independentemente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da previdência social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos”.

Parágrafo único.  Observado o disposto no caput, o aposentado por invalidez fica obrigado, sob pena de sustação do pagamento do benefício, a submeter-se a exames médico-periciais, a realizarem-se bienalmente.

Outro ponto intrigante do § 4º que foi acrescentado no artigo 43 da lei 8.213/91 é que o texto estabelece que a avaliação a ser realizada no segurado aposentado também incide nos benefícios que foram concedidos por medida judicial.

Mostra-se evidente transgressão da separação dos poderes, uma vez que a administração está interferindo na esfera do Poder Judiciário ao determinar que os benefícios implantados por decisões judiciais podem ser cessados por decisões administrativas.

Essa interferência se evidencia com mais vigor nas decisões em que o benefício foi concedido em sede de tutela de urgência (CPC, art. 300) e ainda se encontra aguardando decisão definitiva da sentença em grau de recurso. Assim, mesmo com o processo judicial em andamento o INSS poderá convocar o segurado e cessar o benefício que foi concedido por força de uma decisão judicial.

Outro ponto duvidoso da nova regra é que no texto do artigo 46 do decreto 3.048/99 é estabelecido o intervalo com prazo de dois anos para que o aposentado por invalidez seja convocado para realizar a perícia a fim de constatar se o motivo que deu ensejo a concessão da aposentadoria por invalidez permanece.

Por outro lado, o texto do § 4º inserido no artigo 43 da lei 8.213/91 não estabeleceu o prazo bienal para realização da perícia de reavaliação da incapacidade do aposentado por invalidez.

Obviamente que o INSS irá interpretar a nova regra a seu favor e nessa hipótese irá alegar que o princípio da hierarquia das leis deve ser respeitado, sendo que o referido decreto é inferior a nova regra estabelecida e consequentemente deve ser desconsiderado face a nova alteração realizada, desprezando, assim, o prazo bienal para convocação do segurado aposentado por invalidez para realizar a perícia.

Novas regras para o auxílio-doença implementadas pela MP 739/2016

São poucas as alterações que acarretaram alguma melhoria na legislação até então vigente, uma delas está inserida no § 8º que foi acrescentado no artigo 60 da lei 8.213/91, que estabelece o seguinte:

“Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício”.

A referida regra define uma situação que era muito incômoda para o segurado que obtinha a concessão do benefício de auxílio-doença por decisão judicial e muitas vezes não era estabelecido o prazo de duração do referido benefício, gerando grande insegurança ao segurado que permanecia com o benefício sem saber até quando poderia contar com o recebimento do mesmo.

Com a alteração realizada agora ficou claro o período que o segurado vai receber de benefício, quando esse for concedido por força de decisão judicial.

Mesmo que na decisão judicial não exista um prazo determinado em que o segurado permanecerá recebendo o benefício de auxílio-doença, o § 9ª do artigo 60 da lei 8.213/91, que foi acrescentado pela MP 739/2016, estabeleceu o prazo de 120 dias, contado da data de concessão ou de reativação, salvo quando o segurado realizar o pedido de prorrogação do benefício junto ao INSS.

Da mesma forma que foi estabelecido que o aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para realizar perícia de constatação de manutenção da incapacidade, ocorreu com o segurado que recebe o benefício de auxílio-doença.

A regra estabelecida no § 10ª do artigo 60 da lei 8.213/91, que foi acrescentado pela MP 739/2016, repetiu o que já tinha sido transcrito no texto do § 4º do artigo 43 da mesma lei.

Novo período de carência para obtenção do auxílio-doença

A carência está prevista no artigo 24 da lei 8.213/91 e representa o número mínimo de contribuições mensais para que o segurado do INSS faça jus ao benefício de auxílio-doença que exige carência de 12 contribuições mensais.

Para os segurados que eventualmente se encontravam em situação de desemprego ou aqueles que por alguma adversidade financeira interrompiam a contribuição na condição de contribuinte individual ou facultativo, acarretando, por conseguinte, a perda da qualidade de segurado, deveriam realizar o pagamento equivalente à 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para obtenção do benefício desejado.

Na hipótese do auxílio-doença, como a carência é de 12 meses, bastava o segurado que perdeu essa qualidade, voltar a contribuir por mais 4 meses consecutivos para recuperar a qualidade de segurado e cumprir a carência exigida para obter o benefício de auxílio-doença.

Com a nova regra implementada pela MP 739/2016, o parágrafo único do artigo 24 da lei 8.213/91 foi revogado e com isso o segurado que perder essa qualidade deverá, necessariamente, voltar a contribuir por mais 12 meses para cumprir a carência e consequentemente ter direito ao benefício de auxílio-doença, desde que sejam cumpridos os demais requisitos de incapacidade laboral.

Reabilitação profissional para mesma atividade

Medida Provisória 739 - pente fino no auxílio-doença

Podemos observar nas entrelinhas da mudança realizada no artigo 62 da lei 8.213/91 que a expressão “reabilitação profissional para o exercício de outra atividade” foi excluído do texto original do referido dispositivo.

Já tratamos da reabilitação nesse artigo: https://saberalei.com.br/reabilitacao-profissional-realizada-pelo-inss/ onde constatamos que o atual processo de reabilitação não é eficiente e não capacita de forma adequada o trabalhador para o exercício de outra atividade para garantir o seu sustento.

O que já era ruim ficou pior.

Evidencia-se que a exclusão da exigência do INSS reabilitar o segurado para outra atividade foi efetivada para viabilizar a cessação do auxílio-doença mesmo quando o segurado não obteve uma recuperação adequada para realizar outra atividade, abrindo a possibilidade do INSS considerar o segurado reabilitado mesmo para atividade laboral que seja muito semelhante à que ele já executava antes da sua incapacidade laboral.

Quando o trabalhador enfermo volta a exercer atividade laboral que seja semelhante à que ele já exercia antes da incapacidade, mesmo sem ter conhecimento clínico ou médico, podemos concluir que esse trabalhador será submetido a um severo agravamento do seu quadro de saúde e isso lhe acarretará prejuízos maiores do que a cessação do benefício, acarretará um grave problema social de difícil reparação.

Perícia por mutirão a R$ 60,00 cada

Como advogo em favor dos segurados do INSS e vivencio de perto os absurdos cometidos pelos peritos (veja esse vídeo: http://bit.ly/29oxBO0), impossível manter uma imparcialidade necessária na análise de um texto legislativo recém publicado.

Esse exército de peritos que o governo está recrutando para indeferir os benefícios de aposentados por invalidez e dos segurados que recebem auxílio-doença, é um absurdo e foge de qualquer política séria que pretende equilibrar as finanças e respeitar a dignidade das pessoas que se encontram em situação de incapacidade.

Atualmente o que se pode constatar é que as perícias realizadas pelos peritos médicos do INSS não são adequadas e muitos peritos sequer analisam os laudos apresentados pelos segurados, bem como muitas vezes sequer faz um exame visual.

Por outro lado, os peritos sofrem com uma condição precária de trabalho e não existe um plano de carreira sério, assim como não há uma remuneração justa pelo trabalho realizado.

Com isso temos um sistema de análise de incapacidade laboral onde o perito insatisfeito com a sua remuneração e com as condições de trabalho existentes, são submetidos a cumprirem metas irreais estabelecidas pela Previdência Social onde o objetivo não é apurar de forma adequada a existência ou não da incapacidade laboral do segurado, mas apenas e tão somente o de analisar (cessar) benefícios que estão ativos a mais de dois anos.

A regra da MP 739 que estabeleceu a perícia por mutirão é vergonhosa. Trata-se de uma medida para cessar benefícios por incapacidade em lotes. É fácil concluir que a qualidade da análise dessas perícias estará muito longe do mínimo necessário para constatação ou não da incapacidade laboral do segurado.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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