Acidente do TrabalhoTrabalhista

Nexo de Causalidade

Para saber se o empregado lesado por acidente de trabalho ou doença ocupacional tem direito a uma indenização por parte da empresa (ou empregador) é fundamental conhecermos o que significa nexo de causalidade.

Embora o tema tratado nesse artigo esteja relacionado à acidente do trabalho e doença ocupacional, o instituto de nexo de causalidade é base para a reparação de outros danos na esfera civil, trabalhista, previdenciária e até mesmo na penal.

O nexo de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade do agente causador do dano, juntamente com o ato ilícito, o dano e a culpa (ou dolo).

O ato ilícito é uma violação do direito de alguém, causando dano a essa pessoa, seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência ou por abuso de direito. O dolo existe quando o agente deseja o resultado e age na intenção de provocá-lo. Já a culpa se estabelece quando o causador do dano não tinha intenção de provocá-lo, mas por imprudência, negligência ou imperícia, o provoca.

O dano se estabelece na diminuição ou destruição de um bem jurídico, seja patrimonial ou moral; e, finalmente, o nexo de causalidade é o vínculo que une uma determinada conduta, seja ela culposa ou dolosa, ao dano. É fundamental identificar a existência do nexo de causalidade para se concluir quem foi o causador do dano, e este ser obrigado a repará-lo por meio de indenização.

Todos esses elementos são requisitos para caracterização da Responsabilidade Civil, que consiste no dever de se responsabilizar por determinado comportamento (ato ilícito) que causou dano (material ou moral) a alguém.

Aqui analisaremos com mais cuidado o nexo de causalidade, que é exigido no artigo 186 do Código Civil. Vejamos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Quando o artigo menciona “aquele que (…) causar dano a outrem” significa que pode até haver indenização sem que haja culpa, mas é incabível o ressarcimento quando não houver o nexo de causalidade.

A necessidade de estabelecermos o nexo causal como requisito para a Responsabilidade Civil, e consequentemente, para a concessão de indenização, fundamenta-se na lógica de que ninguém deve responder por dano que não tenha causado.

Se houve um dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, não existirá relação de causalidade e nem obrigação de reparar o dano.

Em se tratando de riscos no ambiente de trabalho, o nexo causal é o vínculo que se estabelece entre a execução das atividades desempenhadas pelo trabalhador (causa) e o acidente do trabalho ou doença ocupacional (efeito). Inclusive, o pressuposto do nexo de causalidade é o primeiro que deve ser investigado, pois, se o acidente (ou doença ocupacional) não estiver relacionado ao trabalho, não tem sentido analisar a extensão do dano, as sequelas causadas ao trabalhador e nem a culpa do empregador.

Assim, havendo uma relação de causa e efeito entre o acidente e a atividade do trabalhador, caracteriza-se o chamado “acidente de trabalho”, conforme previsto no artigo 19 da Lei Previdenciária (Lei nº 8.213/91), o qual estabelece que acidente de trabalho é aquele ocorrido no exercício da atividade laboral provocando lesão corporal, que cause a perda ou redução da capacidade para o trabalho ou morte, estando o empregado a serviço do empregador.

Como nem todo acidente ou doença que acomete o trabalhador tem relação com o exercício do labor, muitas vezes, não há como constatar o nexo de causalidade para que seja fundamentado o pedido de indenização em favor do empregado.

Teoria sobre a configuração do nexo de causalidade

nexo causal
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Na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, predomina a teoria da causalidade adequada, assim como a teoria do dano direto e imediato; sendo esta última positivada no artigo 403 do Código Civil.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Esse artigo restringe a indenização aos danos diretos e imediatos, ou seja, busca-se entre as condições aquela que representa a causa direta e imediata do dano. E de acordo com a teoria da causalidade adequada é necessário identificar, dentre as condições, quais estavam mais aptas a produzir o dano. As demais condições são apenas circunstâncias não causais.

O que realmente interessa à apuração do nexo de causalidade, segundo o STF, é se entre a causa apontada como origem do dano e o próprio dano não há nenhuma outra que a interrompa e seja capaz de causá-lo por si mesma. O ponto fundamental seria o vínculo de necessariedade entre causa e efeito, apurado em concreto.

Lembrando que essas classificações são apenas técnicas utilizadas pelos estudiosos do Direito, que indicam possíveis caminhos de solução das controvérsias relativas ao nexo causal. Os casos concretos têm suas especificidades a serem analisadas pelo julgador, que encontrará o melhor caminho para a resolução da questão. Quando se aborda determinada teoria, o que se almeja é a busca por um liame necessário entre causa e efeito.

Nexo Causal, Acidente e Responsabilidade Civil

A compreensão do nexo de causalidade dentro da responsabilidade civil pode ser bastante abrangente, tendo em vista a variedade de danos e a correta identificação do autor do dano, além da ligação deste com o dano causado para que sejam devidas as indenizações.

Entretanto, para configuração do nexo causal no caso de acidente de trabalho, basta que se demonstre a existência de relação entre o exercício do trabalho a serviço da empresa (ou empregador) com o acidente sofrido pelo empregado.

E a causalidade deverá ser verificada antes da culpa ou do risco da atividade, tendo em vista que poderá haver acidente onde não se constata a culta do empregador, mas há a existência do nexo causal; contudo, jamais haverá culpa do empregador se não estiver estabelecida a relação causal do dano com a atividade laboral.

Quando ocorre um acidente de trabalho típico, a presença do nexo causal fica bem evidente. Através de uma básica leitura da Comunicação Acidente de Trabalho (CAT), é possível verificar todos os detalhes da ocorrência. Com essa descrição fica mais fácil perceber a ligação entre o acidente ocorrido e o trabalho desenvolvido pelo empregado.

Já nas doenças ocupacionais, a identificação do nexo causal necessita de maior cuidado, tendo em vista que não é tão simples comprovar se a doença surgiu em decorrência do trabalho, podendo ser necessário exames médicos para pesquisar a origem da enfermidade.

Para que não ocorressem grandes divergências a respeito do nexo de causalidade nas doenças relacionadas ao trabalho, o Conselho Federal de Medicina baixou a Resolução CFM n.º 1.488, de 11 de fevereiro de 1998, recomendando procedimentos e critérios técnicos mais apropriados para a confirmação ou negação do nexo causal em perícias médicas relativas às doenças ocupacionais.

Tal resolução foi revogada pela Resolução CFM n. 2.183, de 21 de junho de 2018, que ampliou, revisou e atualizou a norma anterior. Vejamos o seu artigo 29, que trata justamente do nexo causal:

Art. 29 Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, é dever do médico considerar:

I – a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico elou investigação de nexo causal;

II – o estudo do local de trabalho;

III – o estudo da organização do trabalho;

IV – os dados epidemiológicos;

V – a literatura científica;

VI – a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes;

VII – a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII – o depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX – os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.

Parágrafo único. Ao médico assistente é vedado determinar nexo causal entre doença e trabalho sem observar o contido neste artigo e seus incisos.

Percebemos que essas medidas são importantes por estabelecerem um caminho seguro a ser seguido, contribuindo para a melhoria dos laudos periciais, proporcionando mais embasamento para o juiz conceder ou não as indenizações por doença ocupacional.

doença ocupacional
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Há também a Resolução INSS/DC n. 10, de 23 de dezembro de 1999, que aprovou os Protocolos Médicos sobre 14 grupos de doenças, explicitando os detalhes sobre o diagnóstico, o procedimento médico para o estabelecimento do nexo causal, os fatores etiológicos, a mensuração da incapacidade laborativa, entre outras recomendações.

Destacamos os procedimentos médicos para o estabelecimento do nexo causal, que devem incluir a resposta a dez questões essenciais, a saber:

  1. Natureza da exposição: o “agente patogênico” é claramente identificável pela história ocupacional e/ou pelas informações colhidas no local de trabalho e/ou de fontes idóneas familiarizadas com o ambiente ou local de trabalho do Segurado?
  2. “Especificidade” da relação causal e “força” da associação causal: o “agente patogênico” ou o “fator de risco” podem estar pesando de forma importante entre os fatores causais da doença?
  3. Tipo de relação causal com o trabalho: o trabalho é causa necessária (Tipo l)? Fator de risco contributivo de doença de etiologia multicausal (Tipo II)? Fator desencadeante ou agravante de doença preexistente (Tipo III)?
  4. No caso de doenças relacionadas com o trabalho, do tipo II, foram as outras causas gerais, não ocupacionais, devidamente analisadas e, no caso concreto, excluídas ou colocadas em hierarquia inferior às causas de natureza ocupacional?
  5. Grau ou intensidade da exposição: é ele compatível com a produção da doença?
  6. Tempo de exposição: é ele suficiente para produzir a doença?
  7. Tempo de latência: é ele suficiente para que a doença se desenvolva e apareça?
  8. Há o registro do “estado anterior” do trabalhador segurado?
  9. O conhecimento do “estado anterior” favorece o estabelecimento do nexo causal entre o “estado atual” e o trabalho?
  10. Existem outras evidências epidemiológicas que reforçam a hipótese de relação causal entre a doença e o trabalho presente ou pregresso do segurado?

Sendo a resposta positiva à maioria destas questões, o raciocínio será na direção do reconhecimento da relação causal entre trabalho e doença.

É possível também que a perícia médica do INSS realize inspeção no ambiente de trabalho, com o objetivo de confirmar as informações sobre o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e do Laudo Técnico de Condições Ambientais (LTCAT). A Resolução MPS/INSS n.º 485, de 8 de julho de 2015 regulamenta os procedimentos para que seja realizada essa inspeção.

Outra norma importante é a Resolução INSS/PRES. n.º 535, de 5 de maio de 2016, que aprovou o Manual de Acidente do Trabalho, que orienta a Perícia Médica Previdenciária em relação à análise de acidente do trabalho. O Manual Técnico de Perícia Médica Previdenciária aprovado pela Resolução INSS/PRES n.º 637, de 19 de março de 2018 também traz importantes diretrizes.

É necessário ponderar que muitas dessas provas obtidas por perícia não trazem exatidão sobre a origem da enfermidade. Tanto a medicina quanto as ciências jurídicas não são capazes de determinar com rigor essas ocorrências, portanto, as provas devem ser analisadas com ponderação, considerando fatos, indícios, presunções e a rotina do trabalhador.

Casos de exclusão do nexo causal

Casos de exclusão do nexo causal
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Podem ocorrer casos em que, apesar do acidente ter ocorrido durante a execução do trabalho, não incide a responsabilidade civil do empregador por ausência do pressuposto do nexo causal do fato ao empregador. Neste caso, geralmente são acidentes causados por culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro. Da mesma forma, não há nexo causal com o trabalho quando ocorre alguma das doenças relacionadas no artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.213/1991. Vejamos:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

(…)

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Em se tratando de exclusão do nexo causal, os motivos que resultaram no acidente não têm relação direta com o exercício do trabalho e nem podem ser evitados ou controlados pelo empregador. Dessa forma, tais infortúnios, assim caracterizados, impedem a formação do liame causal, afastando o dever do empregador de arcar com indenizações, visto que não existe constatação de que o empregador tenha causado o acidente.

Culpa exclusiva da vítima

Em caso de culpa exclusiva da vítima não cabe reparação civil por meio de indenização, tendo em vista a inexistência de nexo causal do acidente com a atividade desenvolvida pela empresa ou o exercício da atividade laboral.

Se o acidente ocorrer por culpa concorrente da vítima (trabalhador) e do empregador, permanece o nexo causal do acidente com o trabalho, porém a indenização será reduzida proporcionalmente, de acordo com o artigo 945 do Código Civil.

Caso fortuito ou de força maior

Em situações que estão fora do controle do empregador, como desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior, não se caracteriza o nexo de causalidade; mesmo que tenha ocorrido em local e horário de trabalho, não foi a execução dos serviços do trabalhador que causou o acidente.

Lembramos que a legislação do seguro acidentário equipara esses casos fortuitos e de força maior ao acidente do trabalho pela modalidade de causalidade indireta, o que é uma exceção.

Notas conclusivas

Como elemento fundamental da Responsabilidade Civil, o Nexo Causal deve ser analisado com cautela. Para tanto, foram elaboradas algumas teorias para que seja realizada essa análise. No Brasil, predominam a teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato.

Nas ocorrências de acidente de trabalho, o exame do nexo causal pode ser realizado também pela perícia médica, que deve cumprir algumas diretrizes para dar seu parecer com segurança. Destacam-se também as hipóteses de exclusão do nexo de causalidade, como culpa exclusiva da vítima e/ou caso fortuito e força maior.

Assim, observa-se a importância do tema, que é fundamental para a o Direito Civil, tendo extrema importância também na seara Trabalhista, como visto; central para a discussão sobre responsabilidade do empregador e indenizações por acidentes e doenças ocupacionais.

Waldemar Ramos

Advogado, consultor e produtor de conteúdo jurídico, especialista em Direito de Família e Previdenciário.

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