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LOAS e a relativização do critério renda

Ao ler sobre benefícios previdenciários e assistenciais, muitos tem dúvida em relação aos critérios estabelecidos para a concessão destes benefícios. A legislação vincula critérios objetivos que muitas vezes são aplicados com extrema rigidez dificultando o acesso aos benefícios a quem realmente precisa.

Em vias de solucionar essa questão, ao chegar no Judiciário, muito já se flexibilizou para garantir o pleno acessos a Seguridade Social.

Um grande exemplo disso é a relativização do critério renda previsto para a concessão do Benefício de amparo social destinado ao deficiente e idoso.

O que é o LOAS?

Antes de adentrar ao principal tema do presente artigo, é importante conhecer os requisitos previstos na legislação, e mais, qual o objetivo deste benefício e seus beneficiários.

O termo LOAS, na verdade é a abreviação de Lei Orgânica da Assistência Social, que é a Lei 8.742/93, a qual regulamenta o benefício de amparo social ao deficiente e ao idoso fixando os critérios para sua concessão.

Como visto ele é destinado tanto ao idoso como para a pessoa com deficiência que não possui meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, conforme preceitua o artigo 20 da referida Lei. Os requisitos então são diferentes no caráter subjetivo. Vamos diferenciar cada um deles agora.

O LOAS para o idoso, depende do preenchimento do requisito etário, sendo considerado idoso a partir dos 65 anos de idade e possuir renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Sim, você deve estar estranhando que para a concessão do LOAS a idade é diferente daquela prevista no Estatuto do idoso, qual seja 60 anos. Pois bem, tendo em vista a aplicação do critério da especialidade legal, ao se tratar de LOAS é mantida a idade prevista na sua legislação específica, sendo então idade mínima de 65 anos de idade.

o LOAS para a pessoa com deficiência possui o mesmo critério objetivo, que é o requisito da renda per capita de ¼ do salário mínimo, somada ao critério subjetivo, que é a deficiência ou a incapacidade total e definitiva.

Aqui fazemos uma pausa para lembrar que deficiência e incapacidade não são sinônimas.

A deficiência conceituada no Estatuto da Pessoa com deficiência em seu artigo 2º:

“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

No caso do deficiente, portanto, deve estar presente o impedimento a longo prazo que conforme a legislação é aquela que ultrapassa dois anos.

Já a incapacidade refere aquele em que é incapaz de forma total e permanente, conforme o artigo 42 da Lei 8.213/91, quando não há possibilidade de reabilitação para qualquer atividade remunerada, devendo esta ser diagnosticada por Perícia.

Certo, voltando então aos requisitos previstos na legislação, entendo os critérios subjetivos acima expostos, percebemos que há em comum o critério renda, a qual possui previsão expressa de renda inferior a ¼ do salário mínimo para cada integrante do grupo familiar.

Essa renda mensal familiar deverá ser declarada, pelo requerente ou seu representante legal (procurador, por exemplo), no momento de sua inscrição no Cadastro Único para Programa Sociais do Governo Federal – CadÚnico, para a realização do cálculo da renda per capita. O requerente poderá procurar qualquer Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para fazer a inscrição de sua família.

A grande questão, será que se o valor passar um pouco ou outros critérios evidenciem a vulnerabilidade daquela pessoa, mesmo assim não será concedido o benefício? Há alguma possibilidade de relativização do critério renda?

Assim, chegamos ao nosso objeto de estudo, a possibilidade de relativização do critério renda previsto no artigo 20 da Lei 8.742/93.

Relativização do critério renda

Relativização do critério renda
LOAS e a relativização do critério renda 5

A discussão acerca da relativização do critério renda decorre da previsão legal da Lei 8.742/93 ao determinar os requisitos para a concessão do Benefício assistencial, assim dispôs:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.              
§ 3º  Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. 

Este critério, portanto, caracteriza-se por ser um critério objetivo, que está relacionado com a situação de miserabilidade do requerente do benefício. Todavia há uma discussão acerca deste critério, tendo em vista que a Constituição Federal ao prever o benefício assistencial menciona apenas a destinação àquele que está impossibilitado de prover a sua manutenção e de sua família, sem definir critério objetivos:

 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

O próprio STF possui entendimento de que este critério objetivo pode ser relativizado frente a outros fatores, a fim de verificar a miserabilidade.

Isto porque a vulnerabilidade social não decorre estritamente da presunção de absoluta miserabilidade do necessitado em relação a renda que este possui, porém da situação concreta que este vive a qual determina se esta pessoa vive com dignidade e bem estar.

Desta forma, inúmeros tribunais já se posicionaram no sentido de deixar o critério objetivo em segundo plano, oportunizando que a situação de miserabilidade seja demonstrada por outros critérios objetivos, como por exemplo:

  • Gastos com tratamento médico;
  • Contas fixas de luz, água, gás;
  • Infraestrutura da localidade onde vive, como acessibilidade a transporte público, saúde e saneamento básico;
  • Número de pessoas que integram o grupo familiar;
  • Condições da casa em que vivem.

A própria Turma Nacional de Uniformização já se manifestou por meio da Súmula 11 “A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”.

A Lei 13.146/15, o Estatuto da pessoa com deficiência introduziu o parágrafo 11 na Lei do Loas “Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”.

Esta relativização do critério renda inferior a 1/4 do salário mínimo, será feita, portanto, por meio de uma análise biopsicossocial, com uma equipe multidisciplinar, que leva em conta não só a idade ou a deficiência ou doença que acomete a pessoa, nem mesmo a renda, mas seu contexto como um todo, fatores ambientais, condições pessoas e fatores socioeconômicos, os quais serão transferidos para um laudo.

Ou seja, a relativização do critério renda do LOAS visa a efetividade do direito social, a fim de retirar aquela pessoa do estado de vulnerabilidade, pois aquela pessoa precisa de imediato amparo para sair da situação que decorre não apenas das circunstâncias econômicas como a legislação impõe.

Grupo familiar

Grupo familiar
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Para efeitos de cálculo da renda per capita, é preciso entender quem integra o grupo familiar, conforme a Lei 8.742/93:

Art. 20.§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Deve-se estar atento à analise do INSS que muitas vezes não aplica de forma correta a renda per capita, não realizando a exclusão de renda que não computa para fins de divisão da renda no grupo familiar.

Quando outro integrante recebe benefício, muitas vezes por conta da questão de renda a situação chega no Judiciário. Porém, de forma bem objetiva destacamos que é possível ser concedido LOAS mesmo que algum integrante do grupo familiar receba benefício.

O que deve ser levado em conta é que os benefícios, seja assistencial ou previdenciário, de até um salário mínimo não entram na conta da renda do grupo familiar. Isto porque a uma aplicação extensiva do artigo 34 da Lei 10.741/03, mais conhecido Estatuto do idoso ao razoável entendimento de que a aposentadoria, ou qualquer outro benefício previdenciário de até um salário mínimo, recebido por idoso ou qualquer pessoa que integre o grupo familiar deve ser excluído, conforme entendimento do STF.

Notícia

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região recentemente publicou a notícia referente a um julgamento realizado em 10.05.2022 em que houve a concessão do benefício assistencial frente a relativização do critério renda do LOAS.

O caso referia um portador de esquizofrenia e deficiência auditiva que residia com a mãe, idosa e cadeirante, o irmão e a esposa deste, os quais se encontram desempregados. O grupo familiar sobrevivia da pensão deixada pelo genitor, no importe de um salário mínimo.

A Autarquia negou o benefício e da mesma forma o juiz de primeiro grau sob o argumento de que a renda per capita ultrapassava ¼ do salário mínimo.

Todavia, o relator no julgamento, ponderou o laudo socioeconômico realizado tanto no momento do requerimento como na esfera judicial, informando que estava preenchido a situação de miserabilidade e de deficiência em ambas as datas.

Concluiu, portanto, que o requerente e sua família se encontram em situação de risco social e desamparo, sendo devido o LOAS desde a data do requerimento administrativo.

Considerações finais

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A proteção social importa no momento em que a pessoa que se encontra em vulnerabilidade deve ser amparada a fim de que seja garantida a sua subsistência de forma digna. Aplicar o critério da renda de forma rígida distancia tanto o pleno acesso ao benefício assistencial, bem como a efetividade de seu objetivo, pois muitos que estão realmente precisando podem não ter concedido o benefício por tal rigidez.

A relativização do critério renda do LOAS visa proteger de forma efetiva aquele que se encontra em situação de miserabilidade, analisando de forma ampla o caso concreto daquele requerente, tanto sua renda como seus gastos, moradia, contexto em que vive, dentre outros fatores.

Infelizmente na via administrativa costuma-se aplicar o critério renda de forma rígida, dificultando o acesso ao benefício e por consequência aumentando o número de processos a serem apreciados pelo Poder Judiciário sobre o tema.

Se restaram dúvidas quanto ao tema, temos uma equipe de especialistas disposta a lhe ajudar da melhor maneira, é só entrar em contato pelo chat que o mais breve possível retornaremos seu contato.

Isabella Leite

Advogada, autora de artigos jurídicos, Pós-Graduanda em Direito Público pela ESMAFE-RS, Graduada em Direito pela PUC-RS.

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