Pensão por Morte

Casais que vivem em união estável correm risco de perder os direitos previdenciários

Atualmente muito se comenta acerca da reforma da previdência, tendo o tema ganhado destaque nos noticiários e em toda a mídia nacional, gerando inclusive preocupação e medo na sociedade brasileira, especialmente as modificações que deixaram o reconhecimento da união estável perante o INSS mais difícil.

A proporção da preocupação que gera esse amplo debate sobre o tema se justifica porque qualquer medida na previdência social impacta, direta ou indiretamente a sociedade.

Não podemos esquecer que, segundo nossa Constituição Federal, todo o trabalhador que aufere renda deve obrigatoriamente contribuir e consequentemente ser segurado da Previdência Social.

O impacto gerado pelas modificações implementadas na legislação previdenciária atinge também, além dos segurados, os seus respectivos dependentes, que em determinadas situações são contemplados com benefícios, como por exemplo, a pensão por morte.

Mencionamos nesse caso a pensão por morte que é um benefício destinado aos dependentes do segurado em caso de falecimento, fazendo com que eles possam estar financeiramente assistidos diante da morte do provedor da família.

Por isso, a reforma da previdência é um tema fundamental para todos, independentemente da filiação à Previdência Social.

Diante disso, é preciso lembrar que apesar da sua maior parte ainda estar em discussão no Congresso Nacional, o Governo Federal já iniciou grandes modificações na Previdência Social através da Lei 13.846/19, antiga MP 871/19, com inúmeras mudanças que impactam diretamente a vida dos segurados e dos trabalhadores brasileiros.

Neste artigo iremos analisar as mudanças já previstas em lei em relação ao instituto jurídico da união estável, vamos verificar quais os possíveis prejuízos que os casais que vivem em união estável poderão enfrentar diante de tantas mudanças na legislação trabalhista.

O objetivo do presente artigo é esclarecer de forma rápida e direta se a reforma da previdência oferece algum risco aos casais que vivem em um união estável e principalmente se existe alguma medida protetiva que pode ser tomada.

A união estável e a previdência social.

união estável
Casais que vivem em união estável correm risco de perder os direitos previdenciários 3

Antes de compreendermos em qual aspecto da Previdência Social a união estável tem maior relevância, importante se faz entendermos o que é a união estável e como ela está compreendida na legislação nacional.

A Constituição Federal, como nossa lei máxima, determina que família, não necessariamente se limita a um casamento formal, aquele ocorrido em cartórios e em cerimônias festivas ou religiosas, ela pode nascer fruto de uma “união estável”, como entidade familiar protegida pelo Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (artigo 226, § 3º):

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O artigo 226 da Constituição Federal nos apresenta a família como fenômeno plural e desvinculou-se da ideia de família oriunda unicamente do matrimônio formal.

Evidentemente que o reconhecimento da família sem casamento representa uma quebra de paradigmas, um reconhecimento de uma realidade social, pela qual se valoriza a realidade e organiza as relações sociais.

Quando falamos em valorizar a realidade e a organização das relações sociais, significa que o instituto da união estável vem proteger os casais que, livremente resolveram constituir família sem, contudo, exercer nenhuma formalidade matrimonial.

É evidente que a família nasce e deve ser protegida não necessariamente a partir da formalidade de um casamento civil, mas sim de uma relação afetiva com intenção de caminhar juntos durante a vida.

Obviamente, que se a família nasce de uma intenção fática entre duas pessoas que pretendem dividir a vida, não existe nenhum sentido que a lei proteja apenas os casais que resolveram formalizar essa união.

Por isso, nossa legislação evoluiu no sentido de estabelecer que a união estável é a convivência pública, contínua, duradoura, sem impedimentos matrimoniais e com intenção de constituição de família, conforme estabelecido no artigo 1.723 do Código Civil:

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Como mencionado acima, a união estável é um instituto que visa proteger a família que não se formalizou como casamento, inclusive, por ser o reconhecimento de uma realidade fática, o Código Civil, através do § 1º do artigo 1.723, reconhece a possibilidade de união estável de companheiro casado com outrem, quando for comprovada a separação de fato.

No mesmo sentido, o Decreto nº 3.048/99, que regula a Previdência Social, em seu artigo 16, § 6º, também regulamenta os requisitos para o reconhecimento da união estável da seguinte forma:

São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido;

§ 6º Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1o do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Desta forma, a união estável é definida como a convivência pública, contínua, duradoura, sem impedimentos matrimoniais e com intenção de constituição de família.

Pois bem, uma vez que compreendemos o que é e qual a importância do instituto da união estável perante a sociedade, vamos analisar a união estável especificamente em relação à Previdência Social.

Resumidamente podemos afirmar que a união estável tem relação com a Previdência Social especificamente em relação ao benefício de pensão por morte.

Como já mencionado, os dependentes são os beneficiários que terão o direito de receber a pensão por morte, destacando que o segurado, em vida, não pode livremente escolher quem ele quer atribuir como dependente previdenciário, pois é a lei que identifica e classifica os dependentes do segurado.

O artigo 16 da Lei 8.213/91 estipula que são os dependentes do segurado, sendo dividido da seguinte maneira: I) o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; II) os pais; e III) o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.

O importante para o presente artigo é estabelecer de forma absolutamente clara que a companheira que vive em união estável está legitimada a receber o benefício de pensão por morte, nos mesmos moldes de um cônjuge que tenha um casamento civil regularmente estabelecido.

Quais são os prejuízos do casal que vive em união estável após a Lei 13.846/19 (MP 871/19)

Em primeiro lugar, devemos esclarecer que mesmo antes da promulgação da Lei 13.846/19 já existia um tratamento diferenciado entre os casais com união formalizada (casamento) e aqueles que conviviam em união estável.

Apesar do artigo 16 da Lei 8.213/91 ser absolutamente claro ao garantir a pensão por morte à companheira sobrevivente que vivia em união estável com o segurado falecido, o INSS, em sua instância administrativa, já coloca um grave entrave para a concessão da pensão por morte fruto da união estável ao exigir prova documental contemporânea da união estável.

Os dependentes sempre enfrentaram dificuldades em comprovar a união estável na esfera administrativa, pois o INSS, com base no artigo 22, § 3º do Decreto 3.048/99, exige, indevidamente, três provas documentais da união estável, vejamos o texto legal:

§ 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos:

I — certidão de nascimento de filho havido em comum;

II — certidão de casamento religioso;

III — declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;

IV — disposições testamentárias;

V — (Revogado pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

VI — declaração especial feita perante tabelião;

VII — prova de mesmo domicílio;

VIII — prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil;

IX — procuração ou fiança reciprocamente outorgada;

X — conta bancária conjunta;

(…)

Outra fundamentação adotada pelo INSS para justificar a necessidade de três provas documentais para se comprovar a união estável era o artigo 135 da Instrução Normativa nº 77/15, cujo teor é transcrição exata dos incisos do § 3º do artigo 22 do Decreto 3.048/99 (transcrição acima).

Ocorre que a exigência de três provas documentais na instância administrativa era repelida pela Justiça, dispensando tal exigibilidade para concessão da pensão por morte em caso de União Estável, vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. BÓIA-FRIA. QUALIDADE DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. BENEFÍCIO DEVIDO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERIDOS. TUTELA ESPECÍFICA. 4. A união estável pode ser demonstrada por testemunhos idôneos e coerentes, informando a existência da relação more uxório. A Lei nº 8.213/91 apenas exige início de prova material para a comprovação de tempo de serviço. (TRF4, REOAC 0004075-50.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora V NIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 11/10/2016).

Da mesma maneira, existia o entendimento da TNU que editou a súmula 63 para confirmar que as três provas exigidas pelo INSS era dispensável para efeitos de concessão de pensão por morte

Enunciado n. 63. A comprovação de união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material.

Ocorre que após a edição da Medida Provisória 871/19 e posteriormente da Lei 13.846/19 os casais que vivem em união estável passaram a enfrentar mais dificuldades para conseguir a concessão da pensão por morte em caso de falecimento de um dos segurados.

Veja que a Lei 13.846/19 inseriu o § 5º ao artigo 16 da Lei nº 8.213/91, com o seguinte teor:

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.

Naturalmente, todas as provas, admitidas pela lei, são hábeis para comprovação da união estável, tais como: documentos como imposto de renda, que demonstre a dependência financeira e a união estável, plano de saúde em conjunto, a existência de filhos, entre outras.

Entretanto, na prática, a prova mais utilizada, para demonstração administrativa ou judicial para reconhecimento de união estável era a testemunhal, pessoas que pudessem afirmar que os companheiros se apresentavam como família perante a sociedade.

Ocorre que, o reconhecimento da união estável para fins de concessão de pensão por morte passa a ser mais complicada em razão da lei 13.846/19.

Podemos perceber que a recente modificação complica substancialmente a comprovação da união estável para os dependentes que pleiteiam a concessão da pensão por morte, pois agora deve existir provas robustas dos fatos, não sendo mais suficiente a prova exclusivamente testemunhal para comprovar a união estável.

Senão bastasse a nova lei excluir a possibilidade de comprovar a união estável por meio de testemunhas, as provas documentais devem ser atuais, valendo apenas os documentos obtidos nos últimos 24 meses antes do óbito.

Pensemos em um exemplo para ilustrar o “absurdo” que essas novas exigências podem gerar nos casais que vivem em união estável.

Um casal que vive em união e que tenha um filho de 10 anos não poderá utilizar a existência do filho em comum como prova da união estável para fins previdenciários porque, segundo a nova lei, as provas não podem ser superiores a dois anos.

Considerando que o filho do casal teria dez anos, este não poderia ser prova da união estável para concessão da pensão por morte.

Evidentemente que a exigência de prova contemporânea acaba por gerar uma desigualdade entre os casais que formalizaram o casamento através de cartórios e os que vivem em união estável.

É preciso destacar que não podemos prever como o Poder Judiciário irá encarar esse mar de exigências em relação a comprovação da União Estável para fins de concessão da pensão por morte.

Entretanto, até que o Poder Judiciário julgue a possível inconstitucionalidade das exigências para comprovação da união estável, por ferir o princípio da igualdade e principalmente o artigo 226 da Constituição Federal, temos que ressaltar que atualmente os casais que vivem em união estável estão desamparados pela legislação implementada e em absurda desvantagem em relação aos casais que formalizaram referida união para a concessão da pensão por morte.

O fato é que mesmo considerando toda a proteção constitucional conferida às famílias que vivem em união estável, atualmente podemos afirmar que estes casais sofrem com o risco de não terem seus direitos previdenciários preservados, especialmente em relação à pensão por morte, por um motivo bastante simples, a enorme dificuldade de realizar a prova da existência da união estável, principalmente após a Lei 13.846/19.

Nesse sentido, vale lembrar que mesmo que exista documento público atestando a união estável, registrado em cartório este é considerado insuficiente para provar a união estável.

Vejamos a decisão abaixo:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. QUALIDADE DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL. DECLARAÇÕES PRESTADAS EM ESCRITURA PÚBLICA. NÃO COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2 Necessidade de comprovação da união estável, para fim de caracterizar a dependência econômica da companheira, face às disposições contidas no artigo 16, I e § 4º, da Lei 8.213/91. 3. As declarações prestadas em escritura pública, desprovidas do crivo do contraditório, não constituem prova hábil a comprovação da união estável havida entre a autora e o de cujus. 4. Não restando claro dos depoimentos das testemunhas que a autora efetivamente viveu em união estável com o falecido, devendo ser mantida a sentença de improcedência. 5. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015. (TRF-4 – AC: 50154264220154047000 PR 5015426-42.2015.4.04.7000, Relator: LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Data de Julgamento: 29/10/2018).

Assim, podemos confirmar que, apesar da Constituição proteger a família que vive em união estável, existe uma séria e considerável diferença de dificuldade na concessão de pensão por morte em relação aos casais formalizados.

Isso porque para a concessão da pensão por morte entre casados formalmente, basta a simples demonstração da certidão de casamento, enquanto os que vivem em união estável devem comprovar cabalmente a existência da relação com documentos contundentes e contemporâneos. Além da exigência exagerada de documentos, a nova regra inviabilizou a prova testemunhal, o que acaba dificultando ainda mais a comprovação e muitas vezes colocando em risco a concessão da pensão por morte.

Notas Conclusivas

O benefício de pensão por morte tem por objetivo garantir meios de subsistência aos dependentes do segurado falecido, gerando assim, um padrão de vida digno aos que dele dependiam.

A união estável é uma realidade em nossa sociedade e a legislação vigente, inclusive a própria Constituição Federal, reconhece essa entidade como legítima família.

Por essa razão, os direitos previdenciários, devem também contemplar essa proteção aos companheiros que vivem em união estável.

Podemos verificar que a Lei 8.213/91 é absolutamente clara ao apontar o direito à pensão por morte para companheiros, entretanto, a realidade é bem diferente.

Apesar de tradicionalmente o INSS já aplicar restrições ilegais para comprovação da união estável para fins de concessão de pensão por morte, atualmente a situação está ainda pior e mais difícil por conta do § 5º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91 que proíbe a comprovação da união estável por prova unicamente testemunhal.

Neste ponto a lei é inconstitucional por ferir o princípio da igualdade, pois claramente criou uma desproporcionalidade entre a família constituída formalmente em relação aquelas que vivem em união estável.

Ademais, por força da Constituição Federal em seu artigo 226, a família que vive em união estável é reconhecida como entidade familiar, sendo violação constitucional a existência de qualquer lei, como a Lei 13.846/91, que venha diminuir ou extinguir direitos fundamentais e de proteção social.

A reflexão acerca da inconstitucionalidade das exigências trazidas pela Lei 13.846/91 devem passar pelo âmbito social.

Sabemos que a união estável é extremamente utilizada em famílias com menor potencial financeiro, que muitas vezes não tem recursos para formalizar um casamento civil.

Por isso, podemos concluir que a lei 13.846/91, além de inconstitucional por violar o reconhecimento do Estado em relação a união estável, também deve ser considerada inconstitucional por violar os direitos sociais fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal.

Em que pese aguardamos que o posicionamento do Poder Judiciário seja no sentido de declarar a inconstitucionalidade e proteger a família, atualmente é preciso que os casais que vivem em união estável pensem na possibilidade de formalizar um casamento ou união estável em cartório, para preservar os direitos civis e previdenciários.

Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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