Acidente do Trabalho

Recebi alta médica do INSS mas a empresa recusou o meu retorno. O que fazer?

O trabalhador que recebe um benefício por incapacidade, seja auxílio-acidente ou auxílio-doença, após um determinado período, tem o benefício cessado pelo INSS por considerar esse empregado apto pela perícia médica (alta do INSS), porém, inapto pelo médico do trabalho da empresa.

Alta do INSS porém inapto pelo médico do trabalho, e agora?

A situação mencionada acarreta o impedimento do trabalhador de retornar ao trabalho, mesmo colocando-se à disposição para a empresa com o objetivo de retornar ao seu posto e executar as suas tarefas, embora doente e impossibilitado.

Ainda que o trabalhador se sujeite a retornar ao trabalho sem ter condições clínicas para voltar a exercer suas atividades habituais, ele fica em uma situação de total desamparo, pois o médico da empresa, após análise, o considera inapto para o trabalho e o encaminha para realizar novo pedido de benefício por incapacidade ao INSS. Ocorre que, ao realizar nova perícia no INSS, esse órgão novamente indefere e nega o benefício por incapacidade e determina o retorno do trabalho para as suas atividades laborais.

O trabalhador fica entre o INSS e o empregador, um jogando a responsabilidade para o outro. Nesse impasse, o empregado permanece totalmente desamparado e sem receber qualquer remuneração ou benefício.

Tipicamente nessas situações, o trabalhador retorna à empresa para reassumir suas funções e esta, na maioria das vezes com o objetivo de eximir-se de suas responsabilidades, entrega um “encaminhamento” para o INSS para que o empregado tente estender ou reativar o benefício previdenciário que foi indeferido ou cessado.

Ocorre que, ao comparecer ao INSS com o encaminhamento da empresa, normalmente o resultado da perícia não é alterado e o órgão, além de indeferir o pedido do benefício, encaminha novamente o trabalhador para a empresa, evidenciando um verdadeiro “jogo de empurra-empurra”.

Os absurdos cometidos com o trabalhador que se vê impossibilitado de exercer as suas atividades laborais e mesmo assim tem o pedido do benefício por incapacidade negado e o retorno à empresa barrado evidenciam algumas dúvidas, a saber:

  • Quais os direitos dos trabalhadores que se encontram nessa situação?
  • Quais as medidas a serem tomadas para preservar seus direitos?
  • De quem é a responsabilidade pelo pagamento dos salários e demais verbas trabalhistas no período após a alta do INSS?

As dúvidas apresentadas pelo trabalhador que está incapacitado, sem condições de retornar ao trabalho e, mesmo assim, sem receber qualquer benefício do INSS e remuneração da empresa, merecem uma abordagem técnica e profunda, porém, vamos tentar responder aos questionamentos apresentados de forma simples e direta.

alta médica inss

A situação que gera a indefinição e o desamparo do trabalhador nessa situação é um verdadeiro absurdo, pois submete o trabalhador a uma situação vexatória de permanecer sem qualquer rendimento, acarretando a perda da sua dignidade humana ao ficar à margem de esmolas e ajuda de terceiros.

Entendemos que a responsabilidade de receber e readaptar o trabalhador é da empresa, uma vez que o trabalhador não pode ser submetido, indefinidamente, ao impasse gerado pelo empregador que se recusa a recebê-lo em decorrência de uma incapacidade que não é reconhecida pelo INSS.

A partir do deferimento do benefício previdenciário, o contrato de trabalho fica legalmente suspenso (CLT, artigo 476), ou seja, não gera efeitos até que o benefício do INSS seja cessado. No entanto, após a alta do INSS (cessação do benefício), o contrato de trabalho retorna normalmente os seus efeitos, com direitos e obrigações recíprocas.

No momento em que o trabalhador se apresenta para retornar ao trabalho, após receber alta do INSS, a empresa deve cumprir a sua função social e permitir que o trabalhador retorne às suas atividades laborais, ainda que em função distinta, compatível com a redução sofrida na sua capacidade de trabalho. É comum que o empregado, em algumas situações, fique inapto para uma função, porém, plenamente capaz para outra, pois o próprio artigo 89 da Lei no 8.213 (BRASIL,1991) assegura a reabilitação profissional do trabalhador cuja capacidade laborativa tenha sido reduzida.

É muito claro que a empresa deve reintegrar o trabalhador imediatamente após a alta do INSS, pois é inadmissível que o trabalhador não receba salários para prover o seu sustento e, ao mesmo tempo, fique atrelado a um contrato de trabalho cujo empregador impede o retorno ao posto de trabalho, sem receber nem mesmo as verbas rescisórias e valores depositados no FGTS.

A Justiça do Trabalho, de forma correta e coerente, nas situações em que o trabalhador tem o seu retorno ao trabalho impedido pela empresa após a cessação do benefício por incapacidade, está reconhecendo que o empregado tem direito à indenização pelos salários não pagos após a alta do INSS, ou seja, no período compreendido entre a cessação ou indeferimento do benefício pelo INSS e a efetiva reintegração do trabalhador à empresa. Nesse caso, é oportuno transcrever a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho do estado de São Paulo, vejamos:

Alta médica do INSS. Recusa do trabalhador pela empresa. Impossibilidade. A alta médica é um ato administrativo e este goza de presunção de boa fé e correção. Não pode o particular (empregador) descumprir o ato administrativo e impedir o acesso da trabalhadora ao trabalho e respectivos salários. Se a empresa entende que não deve receber o empregado nas suas dependências porque ainda está doente, deve questionar a alta médica no Juízo competente. E, até obter decisão favorável, deve pagar os salários do período. O que não se admite é que, diante da alta do INSS, com a cessação do benefício previdenciário e a recusa do empregador e ausência de salários, o empregado fique à própria sorte, sem obter sua subsistência de qualquer dos lados. Recurso ordinário não provido. (TRT/SP 00585200831202007 (00585200831202007), RO Ac. 3ªT 20101083593 Rel. Antero Arantes Martins, DOE 27/10/2010).

Analisando a decisão mencionada do ponto de vista da empresa, talvez tivesse sido mais interessante reintegrar o trabalhador ou adaptá-lo em outra atividade compatível com a enfermidade provisória apresentada, até que esse trabalhador recuperasse a sua capacidade para o trabalho ou que a empresa tivesse a resposta de um pedido judicial de indenização contra o INSS por ter que suprir as despesas de salário quando, de fato, por estar incapacitado, a responsabilidade de pagamento do salário/benefício seria da Autarquia Previdenciária.

Infelizmente, a maior parte dos empregadores não aceita a reintegração do trabalhador ao posto de trabalho, ainda que readaptado, com receio de que esse trabalhador possa ter a sua incapacidade agravada, responsabilizando a empresa por esse agravamento e acarretando reclamação trabalhista de indenização contra a empresa.

Entendemos que a atitude dos empregadores é equivocada, pois, além da finalidade social do trabalho, ao reintegrar ou readaptar o trabalhador, essa empresa estaria criando um valor com esse empregado, já que evidenciaria que se importa com sua recuperação e que ele é importante para os quadros de empregados da empresa, evitando, assim, demandas judiciais.

Normalmente, a justificativa das empresas que procuram defesas jurídicas para essa situação está na necessidade de contratação de outro profissional para repor o serviço prestado pelo trabalhador afastado e, com isso, impossibilita-se o retorno do antigo empregado, diante do elevado custo para manter dois empregados para a mesma função.

Alegam também os empregadores que os trabalhadores, quando retornam de longo período de afastamento, não conseguem produzir no mesmo ritmo que os demais trabalhadores, daí a resistência da reintegração.

Da mesma maneira, alguns empregadores argumentam que a impossibilidade em se reintegrar trabalhadores após longos afastamentos previdenciários encontra fundamento em laudos realizados pelo médico da empresa que atestam a impossibilidade do retorno devido à incapacidade física constatada em avaliação.

Oportuno mencionar e frisar que o laudo do médico “particular” da empresa não tem qualquer força vinculativa perante o INSS, sendo que sua conclusão técnica não vincula o perito do INSS.

A constatação de incapacidade laborativa do trabalhador realizada pelo médico da empresa não altera a validade jurídica do contrato de trabalho, ou seja, o laudo médico expedido pela empresa não tem força nem validade de suspender o contrato de trabalho, mas apenas a constatação da incapacidade realizada pelo perito do INSS.

Não sendo constatada a incapacidade laboral do trabalhador em perícia realizada por perito do INSS, o contrato de trabalho não permanecerá suspenso, respondendo a empresa por todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, independentemente do convencimento dos médicos da empresa.

É importante que todo empregador observe e permaneça consciente do risco empresarial, da função social da empresa e dos mandamentos constitucionais de proteção ao trabalhador.

Respeitando as hipóteses de doença profissional ou acidente do trabalho, em que existe o direito à estabilidade no emprego (Lei no 8.213/1991, artigo 118), a legislação trabalhista permite ao empregador dispensar o trabalhador e romper unilateralmente o contrato de trabalho, desde que realize o pagamento de indenizações e multas previstas em lei, não sendo justificável que a empresa permaneça com o empregado sem lhe pagar salários e benefícios, enquanto o contrato de trabalho permanecer em vigor e gerando efeitos para as partes.

Por todas essas razões, entendemos ainda que, além dos direitos referentes aos salários atrasados, os trabalhadores que sofreram com a situação devem também, dependendo da situação concreta, buscar reparação por danos morais, uma vez que a dignidade da pessoa humana deve ser preservada em todas as esferas da vida.

A Justiça do Trabalho, além de reconhecer a obrigação da empresa de pagar os salários ao trabalhador que tenta retornar ao trabalho e é impedido, também tem reconhecido nesse fato situação vexatória que enseja a reparação por danos morais ao trabalhador nessas situações. Vejamos a decisão a seguir:

Agravo de instrumento em recurso de revista. Danos Morais. Recusa da empresa em aceitar o empregado após findo o auxílio-doença em razão de alta do INSS. 1. No caso dos autos, o TRT concluiu que – a situação vivenciada pelo reclamante não reflete mero aborrecimento do dia a dia, pois, após receber alta do INSS, sofreu com a recusa da empresa de colocá-lo em função compatível com sua capacidade física, permanecendo o vínculo de emprego com a reclamada, porém sem oferta de trabalho e sem pagamento de salário -. A tese daquela Corte foi a de que configurada – situação angustiante, geradora de constrangimento, insegurança e comprometedora da sobrevivência e dignidade do trabalhador, o que enseja o deferimento da indenização postulada -. 2. Frente ao cenário ofertado, restou demonstrada a ofensa a direitos da personalidade do autor, autorizando, assim, o deferimento de compensação pelos danos morais daí decorrentes. Dessarte, incólume o art. 5º, V e X, da Lei Maior. Aplicável a Súmula 296/TST. VALOR DA INDENIZAÇÃO. Na hipótese vertente, em que fixado o montante compensatório em R$ 4.000,00, não se cogita de ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a embasar a pretensa redução do quantum. Nesse entender, resta incólume o art. 5º, V e X, da Constituição da República. Mantido o óbice ao trânsito da revista. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST – AIRR: 853001520105130026 85300-15.2010.5.13.0026, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 08/05/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/05/2013).

Concluímos este escrito lançando nosso entendimento quanto ao trabalhador que, na hipótese de ter o seu benefício por incapacidade cessado ou negado pelo INSS, ao retornar à empresa para retomar o seu posto de trabalho, ser negado e impedido pelo empregador, deve procurar a Justiça do Trabalho para que esta determine a imediata reintegração ao emprego, com o pagamento dos salários atrasados.

Na hipótese de haver recusa por parte da empresa e descumprimento da decisão judicial ou, ainda, na hipótese de não haver mais possibilidade fática de retorno ao posto de trabalho, deve-se pleitear a rescisão indireta do contrato do trabalho por culpa da empresa, decorrendo daí a obrigação do empregador de realizar o pagamento de todas as verbas rescisórias devidas, possibilitando ao trabalhador a busca de uma nova colocação do mercado de trabalho.

Veja abaixo 2 videos inerentes a alta médica do INSS

Referências

BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.

Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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