Trabalhador intermitente e manutenção da qualidade de segurado no INSS
A manutenção da qualidade de segurado do trabalhador intermitente responde às regras estabelecidas para o empregado, categoria de segurado obrigatório da Previdência, na qual o trabalhador intermitente está inserido.
Praticamente não mencionado na legislação previdenciária, em razão da novidade da regulamentação desse contrato de trabalho, nascido da reforma trabalhista de 2017, o cenário do intermitente passou por uma virada legislativa com o decreto número 10.410 de 2020, responsável por trazer maiores esclarecimentos acerca do funcionamento desse contrato para fins previdenciários.
O que é trabalhador intermitente?
Estar na mesma regra que o empregado para a manutenção da qualidade de segurado, não coloca o intermitente nas mesmas regras trabalhistas do emprego convenciona.l. É preciso entender que a equiparação só funciona para o INSS.
Segundo o artigo 9º, I, “s”, do decreto 3.048/99, o trabalhador intermitente é a pessoa contratada “para a prestação de serviços, com subordinação, de forma não contínua, com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, em conformidade com o disposto no § 3º do art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho [alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, exceto aeronautas].”
Dessa maneira, considerando que o trabalho do intermitente não é necessariamente contínuo, o INSS deve ser informado dos períodos de prestação de serviços e dos períodos de inatividade (artigo 19, § 10, decreto 3.048/99).
O modo de funcionamento do trabalho intermitente pode ter reflexo na remuneração, possivelmente em valor variável. Por esse motivo, se o intermitente não conseguir comprovar o valor dos salários de contribuição (remuneração declarada), o período sem comprovação terá por base o salário mínimo, permitindo-se o recálculo futuro pela apresentação do intermitente de seu contrato de trabalho com a indicação correspondente da remuneração efetiva (artigo 36,§ 2º,§ 3º do decreto 3.048/99).
O registro na carteira de trabalho garante segurança previdenciária?
Não! O registro na carteira de trabalho não afasta o caráter contributivo da Previdência Social. Isso significa que somente aqueles que pagam as contribuições em dia, garantem a manutenção da qualidade de segurado no INSS.
No caso do intermitente, que é segurado empregado, o encargo é de responsabilidade do empregador (artigo 34, I, lei 8213/91). Diante da inadimplência da empresa ou do empregador, o patrão será cobrado com penalidades a partir das informações guardadas pelo INSS por meio do cadastro nacional de informações sociais (CNIS).
Art. 34. No cálculo do valor da renda mensal do benefício, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, serão computados:
I – para o segurado empregado, inclusive o doméstico, e o trabalhador avulso, os salários de contribuição referentes aos meses de contribuições devidas, ainda que não recolhidas pela empresa ou pelo empregador doméstico, sem prejuízo da respectiva cobrança e da aplicação das penalidades cabíveis, observado o disposto no § 5º do art. 29-A;
É provável que o intermitente possua mais de um empregador, ou seja, ele tenha empregos intermitentes concomitantes (simultâneos). Nesse caso, para a aplicação do salário de benefício as médias aritméticas são calculadas em relação a todos os empregos (artigo 100-B, § 2º, decreto 3.048/99).
Um aspecto muito importante, trazido pelo artigo 19-E do decreto 3.048/99 é a nova regra para aquisição, manutenção da qualidade de segurado e carência em função de um limite mínimo de salário de contribuição:
“Art. 19-E. A partir de 13 de novembro de 2019, para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício exigidos para o reconhecimento do direito aos benefícios do RGPS e para fins de contagem recíproca, somente serão consideradas as competências cujo salário de contribuição seja igual ou superior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição [um salário mínimo].”
Se o somatório da remuneração do intermitente em um mês não atingir um salário mínimo, ele deverá complementar o recolhimento junto ao INSS por iniciativa própria, lembrando que todas as remunerações podem ser somadas para atingir esse limite.
Essa complementação poderá ser realizada pelos dependentes, no caso de falecimento do segurado para a finalidade de reconhecimento de direito a pensão por morte, conforme o artigo 19-E, § 7º, decreto 3.048/99.
Acidente de trabalho e prazo de carência
O acidente de trabalho dispensa o cumprimento de carência (pagamento mínimo de meses ao INSS) para os benefícios por incapacidade (artigo 26, II, lei 8.213/91).
Isso não significa dizer que é dispensável a manutenção da qualidade de segurado, pois o intermitente deve estar em atividade ou pelo menos em período de graça (autorização da lei para a permanência no INSS sem contribuição, nos casos específicos do artigo 15 da lei 8213/91).
É preciso lembrar que em razão da lei 13.846 de 2019, o auxílio-acidente, ou seja, o benefício por incapacidade parcial e definitiva não garante a manutenção da qualidade de segurado. Por isso, se o trabalhador intermitente sofreu alguma sequela (consolidação de lesão) que não o inabilita totalmente, mas o prejudica, ele precisa continuar a contribuir ao INSS, mesmo que em gozo do benefício do auxílio-acidente.
Se o intermitente perde a qualidade de segurado, ele deve contribuir novamente com metade do prazo de carência para acessar o auxílio-doença e a aposentadoria por incapacidade permanente (6 contribuições mensais), salvo no caso de acidente de qualquer natureza ou doença do trabalho/ocupacional. Nos casos em que a lei dispensa a carência, não precisa haver novo cumprimento.
Vamos pensar no caso do intermitente que se vincula a dois contratos de trabalho no dia 20/10/2020. As duas prestações de serviço são idênticas para empregadores diferentes, suponhamos que ele faça entregas de comida. Entretanto, no dia 25/10/2020 ele se acidenta de moto no percurso da atividade. Por ser considerado acidente, não há prazo de carência a ser cumprido e ele estaria segurado desde o dia 20/10, quando iniciou a atividade.
É necessário, contudo, atender ao limite mínimo de um salário como montante declarado ao INSS de remuneração, sobre o qual incidirá a contribuição previdenciária. O valor menor passa a requerer complementação, por encargo do trabalhador, porque as contribuições abaixo do salário mínimo não serão computadas para nenhum fim, de acordo com o decreto 10.410/20.
A questão é problemática na medida em que a carência mencionada pela lei (artigo 24, lei 8.213/91) fala sobre a necessidade de um número mínimo de meses, e não de valor de contribuição mínima e a Emenda constitucional 103/2019, quando inclui ao artigo 195 da Constituição, o § 14, se limitou a prever limite mínimo para fins de contagem de tempo de contribuição, sem estender para outras questões.
Outra crítica que se faz é em relação ao próprio valor da contribuição mínima para que seja computada. O trabalhador intermitente pode trabalhar em sistema de horas, dias ou meses (artigo 443,§ 3º da CLT), sendo razoável prever que a complementação de contribuição não está acompanhada da remuneração efetiva, já que o aspecto contributivo se fixou ao recebimento mensal, desconsiderando contribuições sobre um quadro de horas ou dias.
Por fim, cabe mencionar que o artigo 443, §3º da CLT é objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (ADI número 6154), proposta por entidade sindical, justamente para questionar os contratos de prestação de serviços em horas e dias que flexibilizariam em muito a remuneração e segurança do trabalhador, principalmente durante os períodos de inatividade, em que não foi estabelecido um patamar remuneratório mínimo. Todas essas nuances terão, de fato, alguma repercussão previdenciária.
Breves conclusões
A novidade e posterior incremento da situação do trabalhador intermitente no cenário brasileiro ainda trará uma série de desdobramentos judiciais e posicionamentos do INSS acerca das particularidades da prestação de serviço descontinuada.
Embora a espécie tenha sido admitida recentemente no ordenamento pátrio, em realidade ele existe há muito tempo no dia-a-dia das relações de trabalho, principalmente para suprir uma demanda do mercado que não estava atendida pelos contratos temporários ou de trabalho em jornada parcial.
Apesar da temporalidade e descontinuação do serviço, o fundo da relação de trabalho é relativamente regular, pois a necessidade da prestação não se exaure com a atividade pontual, que se renova em temporadas.
Alguns cuidados devem ser tomados no sentido de se evitar uma precarização legítima e danosa da relação de trabalho, se critérios de remuneração e alguns recursos de segurança não forem bem fixados, por exemplo.
Caso essa seja sua situação, pode ser interessante uma negociação com o empregador para a formalização desse contrato, pois como se mencionou anteriormente, ele será fundamental para o cálculo do salário de contribuição do intermitente.
Sempre que existir dúvidas sobre a forma de prestação de serviço na modalidade de contrato intermitente ou do pagamento das contribuições previdenciárias, sugerimos que procure um advogado especializado para sanar as suas dúvidas.