A responsabilidade civil da empresa contratante terceirizada
É muito comum que grandes empresas contratem trabalhadores indiretos, isto é, contratações de profissionais por meio empresas intermediárias, a chamada terceirização. Neste modelo, o acordo de prestação de serviços é realizado entre duas empresas: a tomadora, que contrata os serviços e a terceirizada, que presta os serviços através do fornecimento de mão de obra. Aqui falaremos da responsabilidade civil da empresa contratante terceirizada.
Primeiramente, é preciso entender que neste modelo a empresa tomadora se beneficia da mão de obra sem criar vínculo com os trabalhadores. O vínculo trabalhista existe somente entre a terceirizada e o trabalhador. A terceirização é uma relação jurídica estabelecida entre a tomadora, a terceirizada e o trabalhador.
A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) alterou alguns pontos da Lei 6.019/1974 e da Lei nº 13.429/2017, que tratam de trabalho temporário e terceirizado. Entre esses pontos, os principais foram que empresa tomadora poderá transferir a execução de qualquer uma das suas atividades, incluindo-se a sua atividade principal, o que não era permitido antes da mudança da lei (Art. 4º-A da Lei nº 6.019/1974).
No final de agosto de 2018, O STF decidiu que é lícito terceirizar as atividades meio e fim da empresa, sendo atividade meio aquela que não se relaciona diretamente com o seu fim comercial, como por exemplo, uma empresa de energia elétrica contratar atividades de limpeza e portaria, tendo em vista que essas não são o objetivo final buscado pela empresa, que é o fornecimento de energia elétrica (atividade fim). Lembrando que isso já era possível após a Reforma Trabalhista, o julgamento do STF apenas chancelou a discussão sobre o tema.
Empresa contratante terceirizada: Temporário e Geral
Com as alterações da Lei 6.019/1974 e o posicionamento do STF, ficaram autorizados dois tipos de terceirização de serviços:
I – A terceirização do trabalho temporário, como já era previsto na Lei 6.019/1974;
II – A terceirização em geral, que era regulada pelo TST na Súmula 331 e agora, é regulado em lei, sendo realizado pela empresa de prestação de serviços.
Trabalho temporário é aquele em que uma empresa tomadora contrata uma outra empresa de trabalho temporário que fornece a mão de obra necessária para atender às necessidades de substituição provisória de trabalhadores permanentes ou para complementar uma alta demanda de serviços periódicos ou imprevisíveis, sendo vedada a contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos de necessidade de manutenção de máquinas e equipamentos para evitar prejuízos irreparáveis ao empregador.
É possível também a terceirização temporária da atividade-fim, o que já vinha sendo admitida pelos estudiosos do Direito.
Foi estabelecido na lei que somente pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada poderá terceirizar de modo temporário, não sendo admitida, portanto, a contratação de pessoa física nesse modelo temporário.
Outra mudança, agora relativa à terceirização em geral, é que durante a execução dos serviços nas dependências da empresa tomadora, asseguram-se as mesmas condições de trabalho tanto para os empregados da tomadora quanto para os empregados da terceirizada relativas à alimentação em refeitórios, serviços de transporte, atendimento médico/ambulatorial dentro da empresa (ou indicado por ela), treinamento adequado (quando a atividade exigir) e condições sanitárias adequadas às medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho. (Art. 4º-C da Lei nº 6.019/1974)
Também mudou o fato de que a contratante pode ser pessoa física ou jurídica, que celebra contrato com empresa de prestação de serviços (terceirizada) relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Art. 5º-A da Lei nº 6.019/1974)
E ainda, caso o empregado da tomadora seja demitido, só poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado terceirizado após o período de dezoito meses, contados a partir da sua demissão. (Art. 5º-D da Lei nº 6.019/1974)
Algo que deve ser destacado também é que após a Reforma Trabalhista, a nova disposição legal do art. 4º-A da Lei n.º 6.019/74, impôs uma condição importante: a empresa contratada (terceirizada) deverá ter “capacidade econômica compatível com a execução” da prestação dos serviços. Isso significa que, caso a tomadora de serviços contrate uma terceirizada que não possua essa “capacidade econômica”, pode ter que arcar com o vínculo trabalhista, sofrendo a nulidade da terceirização.
Outro ponto importante é a existência de pessoalidade e subordinação do funcionário terceirizado à empresa contratante. Neste caso será reconhecida a ilicitude da terceirização e declarado o vínculo empregatício direto entre o funcionário terceirizado e a empresa contratante.
Conceito de Responsabilidade Civil. Tipos de Responsabilidade: Solidária e Subsidiária
A responsabilidade civil consiste basicamente em “responder pelos seus atos”, obrigando uma pessoa a reparar o dano causado a alguém em razão de uma ação ou omissão. A responsabilidade civil surge quando existe o descumprimento de uma obrigação, quando há a quebra de uma regra, seja por ato ilícito ou por abuso de direito.
Ao contratar uma empresa terceirizada para a prestação de serviço dentro de suas instalações, a empresa tomadora assume responsabilidade por possíveis danos, que podem ser bastante amplos, tanto civis quanto acidentes de trabalho, por exemplo, causados por sua ação ou omissão de acordo com os preceitos do artigo 927 do Código Civil.
É preciso que haja a existência do nexo causal para se configurar a responsabilidade civil. Se a conduta ou omissão estiver relacionada com o dano sofrido, a consequência será a indenização por reparação do dano, podendo ser material, moral ou ambos.
Há ainda a diferença entre responsabilidade solidária e subsidiária. A responsabilidade solidária é aquela em que o credor pode exigir de um ou de todos os devedores ao mesmo tempo. No caso de empregado terceirizado, as empresas tomadora e prestadora estariam ambas responsáveis pela reparação do dano.
Já a responsabilidade subsidiária é aquela em que a lei impõe que seja seguida uma ordem de cobrança dos devedores. Em se tratando de empregado terceirizado que sofreu um dano, a empresa tomadora seria responsável pela obrigação somente se a terceirizada não cumprir com a reparação do dano. A dívida quanto às indenizações deverá ser cobrada primeiro da terceirizada e, apenas se o trabalhador não obtiver seu dano reparado é que poderá exigir da empresa tomadora.
Portanto, na responsabilidade subsidiária a obrigação não é compartilhada entre as duas empresas, havendo apenas uma devedora principal (terceirizada), que, ao não cumprir com a sua obrigação, transfere de maneira subsidiária esta sua obrigação para a tomadora.
Vejamos como esta classificação se aplica nos dispositivos legais:
a) Responsabilidade Solidária: A tomadora responde solidariamente em caso de falência da empresa de trabalho temporário e em relação às obrigações previdenciárias dos trabalhadores terceirizados. (art. 16 da Lei nº 6.019/1974);
b) Responsabilidade Subsidiária: A empresa tomadora responderá subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas dos trabalhadores terceirizados referente ao período de prestação de serviços. A lei fixa expressamente a responsabilidade secundária, medida já adotada pela jurisprudência do TST. (art. 10, § 7º, Lei 6.019/1974).
Para obtenção do pagamento das obrigações trabalhistas, deve-se seguir a ordem de exigir as verbas devidas primeiro da terceirizada (prestadora de serviços); somente depois é que esses valores devem ser cobrados da empresa tomadora (contratante).
Para que o trabalhador obtenha seus créditos trabalhistas da empresa tomadora em virtude da responsabilidade subsidiária, devem estar presentes os seguintes requisitos: ter a tomadora participado da relação processual, isto é, ter sido inserida como parte do processo judicial e seu nome inserido no título executivo, que são as decisões proferidas no processo civil, reconhecendo a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (art. 515, inciso I, CPC/2015).
Responsabilidade Civil da empresa contratada em caso de Acidente de Trabalho
Em caso de acidente de trabalho, e consequente reparação por danos através de indenização, a fundamentação será baseada no Código Civil, visto que será caracterizada responsabilidade objetiva, aplicando-se a responsabilidade solidária a todos que, pela sua atividade, causaram danos ou riscos ao ambiente de trabalho.
O artigo 942 e seu parágrafo único do Código Civil determinam a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorrem para o ato ilícito que causa danos à vítima.
Como citado anteriormente, a responsabilidade subsidiária se refere a obrigações trabalhistas, isto é, quando há descumprimento do contrato de trabalho pelo empregador.
Quando se fala em reparação civil decorrente de acidente de trabalho por ato ilícito praticado por tomadora ou terceirizada, ocorrerá a responsabilização solidária das empresas causadoras do dano.
Muitas empresas prestadoras de serviços terceirizados, apenas fazem a intermediação de mão de obra de baixa qualificação e alta rotatividade, assim, são criadas sem muito investimento financeiro, geralmente ficando na dependência de empresas maiores – as tomadoras de serviço –, sem apresentar crescimento próprio ou solidez econômica, sendo comum a contenção de despesas com segurança e saúde dos trabalhadores.
Dessa maneira, os serviços terceirizados têm se demonstrado como os que mais expõem os trabalhadores a riscos de acidentes ou doenças ocupacionais.
Portanto, tem-se entendido que aquele que se beneficia do serviço deve arcar, direta ou indiretamente, com todas as obrigações decorrentes da sua prestação, visto que a terceirização das atividades do empregador não transfere a terceiros as responsabilidades trabalhistas, ou seja, “a terceirização das funções não implica na terceirização de responsabilidades” (FARIAS, BRAGA NETO, ROSENVALD apud OLIVEIRA. Indenização por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, p. 108).
Assim ao contratar uma prestadora de serviços terceirizados, a empresa tomadora deverá escolhê-la de acordo com critérios técnico e econômicos, verificando se ela é capaz de arcar com os riscos do negócio; além de fiscalizar o cumprimento do contrato e a observância dos direitos trabalhistas.
A Portaria 3.214/1978 traz Normas Regulamentadoras (NR’s) da CLT relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, que demonstram o quão necessários são esses procedimentos para que se evite qualquer dano ao trabalhador. Vejamos algumas delas:
- NR-5: trata da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e tem um tópico específico regulamentando o relacionamento das contratantes e contratadas, no que tange à prevenção de acidentes e doenças ocupacionais;
- NR-9: trata do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), visando a proteção dos trabalhadores expostos aos riscos ambientais;
- NR-10: trata da Segurança em instalações e serviços em eletricidade;
- NR-32: trata da Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde, estabelecendo a responsabilidade solidária entre contratantes e contratados quanto ao cumprimento dessa norma;
- NR-35: que trata do trabalho em altura determinando que cabe ao empregador adotar as providências necessárias para acompanhar o cumprimento das medidas de proteção estabelecidas na referida norma pelas empresas contratadas.
A Responsabilidade Civil das empresas contratante e terceirizada nos Tribunais
Em recente decisão do TST, de junho de 2020, em que foi julgada a Responsabilidade Solidária por morte do empregado, esclareceu-se que independentemente do vínculo estabelecido, a empresa é responsável pela manutenção de um ambiente de trabalho hígido, seguro e livre de quaisquer riscos à saúde dos trabalhadores que prestam serviços em seu benefício, seja a que título for (terceirizado, autônomo, cooperado, estagiário, etc.).
A responsabilidade solidária pelo acidente de trabalho que resultou em morte do trabalhador tem por base o artigo 927 do Código Civil e os artigos 157 da CLT e 7º, XXVIII, da Constituição Federal.
Se o acidente sofrido decorreu da relação de trabalho existente, a responsabilidade solidária se baseia no campo do direito civil, independentemente da questão da terceirização, incidindo o parágrafo único do artigo 942 do Código Civil, o qual consagra a responsabilização solidária entre os autores, coautores e demais pessoas designadas no artigo 932 do mesmo código, razão pela qual tanto o empregador quanto os tomadores de serviços devem responder de forma solidária pelos danos causados. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST – AIRR: 797820185140051, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 17/06/2020, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/06/2020).
Percebe-se, aos poucos que a pacificação do entendimento no sentido de que a empresa tomadora responde, solidária ou subsidiariamente, pelas indenizações e por outros direitos dos empregados da terceirizada está provocando um movimento de retomada das atividades que eram terceirizadas, fenômeno denominado de “primarização” ou “desterceirização”. (OLIVEIRA. Indenização por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. LTr, p. 114)
Com todas essas responsabilidades sob seu comando, fica bem mais difícil negligenciar a contratação de trabalhadores terceirizados com prestadoras de serviço pouco sustentáveis, visto que a redução de custos pode trazer consequências desastrosas para a tomadora tanto financeiras como de credibilidade no mercado; sem falar no mais importante, que é a preservação da vida e da saúde desses trabalhadores.