O assédio moral nas relações de trabalho após a reforma trabalhista
Inicialmente é preciso destacar a importância e relevância da questão do assédio moral nas relações de trabalho. O assunto é antigo, muito debatido, tanto no campo da pesquisa do direito quanto no Poder Judiciário, entretanto, o tema ainda merece muito debate e aprofundamento.
Em que pese a questão ter apresentado amplo debate e divulgação, inclusive pela mídia, infelizmente novos casos de abuso e assedio nas relações de trabalho são apresentados a cada dia, sendo um dos temas mais enfrentados pela Justiça do Trabalho.
Quando se verifica o que tema ainda é objeto de muitas reclamações trabalhistas temos que compreender que o problema existe e ainda é verificado nas relações de trabalho, o que justifica um maior aprofundamento na busca de soluções que pacifiquem as relações entre patrões em empregados.
Conceito de assédio moral e discriminação
Como bem sabemos, vivemos em um estado democrático de direito que consagra a dignidade da pessoa humana como um principio constitucional norteador de todo nosso ordenamento jurídico.
Por essa razão, antes de qualquer consideração, se faz necessário deixar absolutamente claro que toda e qualquer relação de trabalho deve ser pautada no mutuo respeito, harmonia e ética, sendo que nossa legislação, por respeito aos mandamentos constitucionais, não permite, nem tolera, qualquer abuso que possa ser justificado pela relação de subordinação entre empregadores e empregados.
Vale ressaltar que quando se fala que a relação entre empregado e empregador é de subordinação, não se refere a total liberdade do empregador, pelo contrario, a subordinação se limita unicamente para a direção do trabalho, tendo um campo de atuação bem especifico, que não pode fugir das atividades laborais.
Assim, resta claro que não existe qualquer tolerância em relação a abusos psíquicos ou físicos praticados contra o trabalhador, sendo que nossa legislação, principalmente as normas especificas do direito do trabalho, são rigorosas no sentido de punir agressores.
Nesse sentido se faz necessário entender o que de fato é assédio moral nas relações de trabalho.
O assédio moral no trabalho é usualmente entendido como qualquer conduta abusiva, podendo ser realizado por gesto, palavras, comportamento ou atitude que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Como pode ser verificado o conceito é amplo e determina que qualquer ação que tenha por objetivo afrontar a dignidade da pessoa humana do trabalhador é considerada como assédio moral e passível de indenização por dano moral e material, além das implicações de cunho criminal.
Por outro lado, existe também a discriminação que consiste na distinção, exclusão ou preferência, com base, por exemplo, em raça, cor, sexo, religião, nacionalidade ou origem social, que reflita nas oportunidades de trabalho.
Evidentemente que tanto a discriminação quanto o assedio moral são condutas incompatíveis com o ambiente de trabalho e passiveis de consequências punitivas e condenações penais.
Hipóteses consideradas assédio moral ou condutas discriminatórias
Deve ser destacado que é demasiadamente complicado descrever todas as situações que podem ser consideradas como práticas de assédio moral ou discriminação, entretanto, vale destacar que a Justiça do Trabalho tem como tradição, reprimir condutas contrarias a moralidade, a ética e a dignidade da pessoa humana.
Um exemplo clássico, que configura assédio moral, passível de condenação por dano moral é a discriminação em razão de orientação sexual, vejamos a decisão proferida pela Justiça do Trabalho de São Paulo:
DANO MORAL – DISCRIMINAÇÃO DE EMPREGADO POR SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL – OFENSAS REITERADAS PRATICADAS POR COLEGAS – DEVER DE VIGILÂNCIA DO EMPREGADOR – DIREITO AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO SADIO. Haja vista que o empregador é titular do poder diretivo e assim assume posição hierarquicamente superior, cabe a ele fiscalizar e garantir um ambiente de trabalho digno e sadio, resguardando a dignidade de todos os seus empregados dentro dele e assumindo a responsabilidade pela omissão daqueles escolhidos para desempenhar essa fiscalização. (TRT 2 00029611320115020012, Data de publicação: 28/02/2014)
Analisando a decisão acima dois aspectos devem ser considerados, o primeiro deles é a constatação de não se tolerar qualquer discriminação por razão de orientação sexual, sendo que esse tipo de conduta deve ser reprimida de forma veemente com valores indenizatórios capazes de servir tanto para reparar o dano sofrido pela vitima, como para desestimular novas praticas de intolerância.
O outro aspecto a ser considerado na decisão acima transcrito é relacionado a responsabilidade da empresa empregadora em evitar e coibir atividades discriminatórias no ambiente de trabalho.
Isto significa que as empresas são responsáveis pelo ambiente de trabalho, não bastando apenas não praticar diretamente o ato ofensivo, é preciso criar politicas de prevenção que visam impedir que situações ofensivas venham ocorrer nas dependências da empresa.
Em síntese a empresa também pode ser condenada em caso de omissão, vez que é sua obrigação a saúde e a integridade física e moral de todos os trabalhadores.
Outra situação muito típica nos tempos atuais é assédio moral praticado a partir da cobrança exagerada por metas relacionadas a produtividade:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – ASSÉDIO MORAL – COBRANÇA EXCESSIVA DE METAS – COMPRA DE PRODUTOS E ALCUNHA DE APELIDOS PEJORATIVOS – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO. Diante do contexto fático-probatório delineado no acórdão regional, (…), a reclamada promovia, regularmente, excessiva pressão para o cumprimento das metas, inclusive mediante a adoção de práticas possibilitando a compra de produtos pelos vendedores para cumprimento de metas e atribuição de apelidos pejorativos aos empregados que não alcançavam o seu intento. Tais condutas praticadas pela reclamada demonstram abuso do poder diretivo do empregador e se afiguram como práticas com o condão ensejar a reparação por dano moral nos moldes fixados na decisão impugnada. Agravo de instrumento desprovido. (TST-AIRR – 257400-15.2009.5.15.0071,7ª Turma, 19.02.2016 )
Na decisão acima, o empregador condenado por assedio moral, abusava de seu poder de direção ao ridicularizar empregados em razão de produtividade abaixo da meta. Obviamente que as condutas descritas acima são incompatíveis com a dignidade do trabalhador e a condenação por dano moral é a medida que se espera da Justiça.
É necessário destacar que o ato danoso pode ocorrer também no ato da dispensa, ou seja, é vedado a dispensa ou ruptura contratual em razão de discriminação, tanto é que o Tribunal Superior do Trabalho, em setembro de 2012, expediu a Súmula 443, segundo a qual:
“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
A Justiça entendeu que existe uma presunção de discriminação a dispensa de portadores de HIV e outras doenças graves, gerando assim, a necessidade da empresa de comprovar que a dispensa teve por fundamento outro motivo que não a condição de saúde do funcionário.
A Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho não limita apenas a trabalhadores portadores de HIV, o entendimento vale para o diagnóstico de qualquer “doença grave que suscite estigma ou preconceito”.
Esse entendimento, apesar de ser considerado por muitos empresários como exagerado, é um importante aliado na luta contra a discriminação nas relações de trabalho, vez que acaba por valorizar a dignidade do trabalhador acima de qualquer outro valor e isso deve ser considerado positivo, principalmente em um mercado de trabalho tão agressivo e muitas vezes desumano.
É fato que as empresas não são obrigadas a permanecer com o funcionário, entretanto, tem o dever, pela função social do trabalho, de avaliar as necessidades do trabalhador antes de simplesmente romper a relação contratual, como exemplo, está a necessidade da utilização do plano de saúde empresarial para tratamento de doença. Nessas situações a Justiça tem entendido que a empresa não pode simplesmente demitir esse trabalhador.
Da mesma forma, o artigo 4º da Lei 9.029/95 estabelece que o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, faculta ao empregado, além do direito à reparação pelo dano moral, optar entre a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Evidentemente que a questão é complexa e depende de prova inequívoca da discriminação que ocasionou a dispensa.
No mais é preciso ressaltar que o uso de tecnologias de controle do trabalho tem invadido a privacidade dos trabalhadores e acaba gerando assédios morais.
Exemplos dessas novas tecnologias não faltam, como sistemas informatizados que determinam previamente o procedimento ou de maneira uniforme o tempo para atividades diferentes; controle de geolocalização dos trabalhadores dentro e fora da empresa ou login; controle e câmera de vigilância nas áreas de lazer ou no banheiro, entre outros.
É necessário que as empresas tenham extrema cautela na utilização de tecnologia para que esses importantes instrumentos de aumento de produção não acabem ferindo a dignidade dos trabalhadores.
Rescisão indireta do contrato de trabalho decorrente do assédio moral
Nenhum trabalhador pode ser obrigado a trabalhar em um ambiente que não respeite sua dignidade. A partir dessa premissa, salienta-se que o trabalhador que tenha sofrido ou esteja sofrendo ofensa moral decorrente de assédio ou discriminação pode deixar a empresa e deve receber todos os direitos rescisórios como se tivesse sido dispensado sem justa causa.
É comum situações que a vitima, não suportando os danos decorrentes do assédio, acabe pedindo demissão do trabalho, deixando de receber verbas rescisórias, como, aviso prévio, FGTS e multa de 40% e seguro desemprego.
Ocorre que a legislação trabalhista permite que o trabalhador deixe o trabalho nessas situações de assédio ou discriminação e receba todas as suas verbas rescisórias, como se tivesse sido dispensado (saldo de salário; aviso prévio; 13º proporcional aos meses trabalhados; férias vencidas e/ou proporcionais; 1/3 sobre as férias vencidas e/ou proporcionais; multa de 40% sobre o FGTS; liberação de guias do FGTS e do seguro-desemprego), através do pedido de rescisão indireta.
A rescisão indireta do contrato de trabalho é a declaração judicial que encerra a relação contratual em situações caracterizada pela culpa exclusiva do empregador, ou seja, a rescisão indireta é a justa causa aplicada pelo trabalhador contra o empregador.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 483, elenca um rol exemplificativo de situações capazes de ensejar a rescisão indireta das quais se pode destacar:
“Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”.
Desta forma, a Justiça tem entendido que a pratica de atos de assédio ou discriminação são passíveis de rescisão indireta:
ASSÉDIO MORAL. DANO MORAL E RESCISÃO INDIRETA. CONFIGURAÇÃO. Provado nos autos que o obreiro foi vítima de assédio no ambiente de trabalho, sofrendo o esvaziamento de suas funções, o que claramente o colocou em uma situação constrangedora e humilhante, é cabível a rescisão indireta do contrato de trabalho com base no art. 483, alínea d da CLT, bem como a reparação pecuniária por conta do assédio moral plenamente demonstrado. (TRT-11 – 00010026820145110006 (TRT-11) 30/07/2015)
Desta forma, resta demonstrado que nossa Justiça do Trabalho tem compreendido que o trabalhador que sofreu assédio ou discriminação pode deixar a empresa, receber todos os seus direitos e ainda ser indenizado por danos morais.
Assédio moral após a reforma trabalhista
Em primeiro lugar é necessário estabelecer de forma absolutamente clara que a reforma trabalhista não alterou e nem poderia, as normas que protegem a dignidade do trabalhador.
O que de fato a reforma alterou através dos artigo 223-A e seguintes da CLT, foram os limites de valores para indenização por danos morais, vejamos:
Art. 223-G § 1º – Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
A reforma trabalhista atribui limites para quantificação em Juízo dos danos imateriais, criando faixas de reparação segundo a natureza e gradação da lesão – leve, média, grave e gravíssima – e, em cada estreito, um limite máximo, inicialmente atrelado ao próprio salário do empregado ofendido (CLT, art. 223-G e §§). Instituiu-se, assim, o dano moral tarifado na esfera das relações de trabalho.
O fato é que a forma instituída pela reforma trabalhista tem merecido severas críticas, pois cria um modo pelo qual quem ganha mais terá uma indenização maior do que aquele que ganha menos, como se a dor sofrida por quem aufere um salário mais alto fosse maior do que aquele que ganha menos.
Vale mencionar que esse artigo 223 da CLT é dito como inconstitucional por gerar discriminação e colidir com o principio da dignidade da pessoa humana, sendo que já existe uma ação direta de incontitucionalidade (ADI 5870) perante o STF para que tal legislação seja retirada do ordenamento jurídico.
Notas conclusivas
A legislação trabalhista brasileira sempre desempenhou um importante papel em equilibrar as relações do trabalho, através da proteção de direitos fundamentais do trabalhador, principalmente fazendo valer o principio constitucional da dignidade da pessoa humana.
A proteção ao trabalhador é fundamental em um estado democraticamente organizado, principalmente em um país com uma desigualdade social tão elevada. Essa proteção é importante para que a relação de trabalho seja harmônica e justa e que os excessos não sejam tolerados.
Nesse aspecto deve ser ressaltado que a reforma trabalhista em nada alterou a proteção ao trabalhador em relação ao assédio ou atos discriminação, mesmo porque isso decorre do principio da dignidade da pessoa humana.
Evidente que como toda legislação antiga, algumas reformas devem ser realizadas para adaptar as realidades sócias contemporâneas, entretanto, valores como dignidade e ética, não mudam e não devem ser reformados.
A luta contra a discriminação de qualquer espécie deve ser constante qualquer regra ou legislação que diminuir o rigor contra atos dessa natureza devem e serão considerados inconstitucionais.
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