Aposentadoria

Doença contagiosa gera direito à Aposentadoria Especial?

A aposentadoria especial é um importante benefício concedido ao trabalhador que realiza o exercício de sua atividade laboral submetido à algum agente nocivo, podendo ser químico, físico ou biológico, onde se encontra a doença contagiosa.

Vamos analisar no decorrer dessa matéria os critérios e regras utilizadas para considerar o risco de contágio como sendo uma situação de reconhecimento de especialidade do período laborado para fins de concessão de aposentadoria perante o INSS.

O que é aposentadoria especial por doença contagiosa e quem tem direito?

doença contagiosa
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Antes de entrar na aposentadoria por doença contagiosa, precisamos entender para que serve a aposentadoria especial e para quem ela foi prevista.

Segundo o artigo 201, parágrafo primeiro, inciso dois, da Constituição federal, é permitido adotar critérios ou requisitos diferenciados para segurados que tenham trabalhado “com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou com associação desses agentes”.

A contaminação por vírus, bactérias ou microorganismos vivos em razão dos riscos da atividade entra na categoria dos agentes biológicos, por isso, a princípio, qualquer manipulação ou contato com material infectocontagioso prejudicial pode ocasionar a aplicação de critérios diferenciados para a aposentadoria especial.

Antes da reforma da Previdência, em 2019, o segurado precisava cumprir apenas tempo insalubre, de 15, 20 ou 25 anos, a depender do tipo de atividade.

Já adiantamos que no caso da exposição de agentes biológicos a regra era fixa de 25 anos de atividade, independentemente da idade.

Por consequência, quem se aposentava cedo como especial desejava continuar na atividade para melhorar a renda mesmo aposentado, e, de preferência, na mesma profissão.

Acontece que é típico da aposentadoria especial, exatamente por ela envolver uma atividade nociva ou perigosa, a proibição de voltar a desenvolver a mesma profissão perigosa.

Como resultado, lidamos com três situações: a primeira delas é a de jovens inativos, porque aposentados especiais; a segunda é de aposentados especiais que continuam em risco e recebem aposentadoria indevida e, a terceira, de aposentados especiais que mudam de atividade para se adequar a regra.

Mas em breve essa dinâmica deve mudar pelas novas regras de aposentadoria especial, além, é claro, da exposição por 15, 20 ou 25 anos, permanecendo a regra de 25 anos para a exposição viral, bacteriana ou orgânica, agora é necessário também atingir idade mínima de 60 anos, independentemente do sexo.

Para quem já contribuía antes de 2019, é possível optar pela regra de transição da aposentadoria especial 25, considerada atividade de baixo risco comparada às demais opções.

Desde que cumpridos 25 anos de atividade exclusivamente especial e que a soma de idade e tempo especial seja pelo menos igual ao resultado 86, o segurado pode se aposentar pela especial.

Doença contagiosa pode ser doença ocupacional?

A doença ocupacional é um termo do direito que depende muito mais da parte “ocupacional” do que da parte “doença” para ser compreendido.

É estritamente necessário reconhecer uma ligação entre o tipo de trabalho exercido e o diagnóstico médico; essa ligação ficou conhecida como “nexo causal”.

Segundo o artigo 68 do regulamento geral da Previdência, ou decreto 3.048/99, “a avaliação qualitativa de riscos e agentes prejudiciais à saúde será comprovada pela descrição das circunstâncias de exposição no ambiente de trabalho durante toda a jornada de trabalho, das fontes de contaminação e dos meios de contato, frequência e duração da exposição”.

Tudo para dizer que um diagnóstico de doença não é suficiente para configurar uma doença ocupacional, porque o critério mais importante de enquadramento é justamente a avaliação técnica que identifica o nexo causal, o vínculo entre contaminação e o trabalho.

Em tempos de rede social, é comum que o empregador, por exemplo, consiga afastar o nexo se ele consegue provar que a contaminação foi fora do ambiente de trabalho e, que por isso, não se relaciona com ele.

Inclusive as empresas têm utilizado fotos pessoais do funcionário em eventos sociais para afastar a responsabilidade por doença ocupacional.

Não há, portanto, uma lista rígida de doenças ocupacionais, porque desde que exista nexo causal, é possível tratar o problema como acidentário e assim responsabilizar o empregador pelas perdas e danos, inclusive gerando estabilidade provisória por 12 meses, conforme o artigo 346 do decreto 3.048/99.

Por essa razão, o empregador deve ter a sensibilidade de emitir o comunicado de acidente do trabalho (CAT) diante de causa acidentária, inclusive doenças ocupacionais, premunindo-se de providenciar os devidos encaminhamentos do empregado tanto ao atendimento médico como à Previdência social.

Essa responsabilidade é muito importante se o empregado vier a falecer de COVID-19, por exemplo, ou precisar pagar tratamentos de reabilitação, porque quando a causa é acidentária, a família, ou o reabilitando podem ter direito à pensão vitalícia ou à cobertura do tratamento.

Diferença entre contágio e sequelas

Questão importante é distinguir estar com COVID-19 e passar pela quarentena, do desenvolvimento de sequelas.

Outra questão importante é entender a aposentadoria especial, um benefício que requer exposição de risco, mas não necessariamente o adoecimento, ao contrário dos benefícios por incapacidade, que precisam do adoecimento.

A contaminação assintomática ou de sintomas leves não deve afastar o funcionário mais do que o tempo necessário para cortar a transmissibilidade, que varia de 5 a 7 dias depois do primeiro resultado positivo (o teste precisa ser repetido).

Somente afastamentos por tempo maior que 15 dias é que geram o encaminhamento ao INSS para o recebimento do auxílio-doença.

Mas a aposentadoria especial é um benefício completamente diferente, programável.

Ela é um tipo de aposentadoria voluntária, que independe do atual estado de saúde do segurado. É por isso que nem todo aposentado especial é doente e nem todo aposentado doente é especial.

O ponto crucial de análise do risco da atividade na aposentadoria especial está no potencial de dano e não do dano em si, é por isso que quando o PPP ou qualquer outro laudo de avaliação indica “neutralidade” nos agentes de risco,  a impossibilidade do potencial é que afasta a atividade especial.

No regulamento da Previdência constam várias passagens sobre chances de risco, de acordo com a neutralização ou eliminação dos agentes nocivos.

Um exemplo está no artigo 68, parágrafo quarto, no qual “caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição”.

Ou, ainda, no artigo 64, em que “a efetiva exposição a agente prejudicial à saúde configura-se quando, mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada.”

Para entendermos melhor, a atividade deixa de ser especial sem a probabilidade do prejuízo.

Considera-se zero risco “a adoção de medidas de controle que efetivamente impossibilitem a exposição ao agente prejudicial à saúde no ambiente de trabalho”.

Já neutralização da nocividade é “a adoção de medidas de controle que reduzam a intensidade, a concentração ou a dose do agente prejudicial à saúde ao limite de tolerância previsto neste Regulamento ou, na sua ausência, na legislação trabalhista”.  

No caso da COVID-19, dependendo dos equipamentos de proteção individual e do grau de interação do trabalhador com pontos de contato de contágio, as medidas de controle e prevenção podem ser insuficientes para afastar um risco maior à saúde.

Por isso, só disponibilizar esses equipamentos não garante, por si só, a segurança do ambiente de trabalho e deve ser visto com reservas.

Aposentadoria especial é apenas para médicos e enfermeiros?

Aposentadoria especial é apenas para médicos e enfermeiros?
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Apesar do título trazer as duas profissões mais óbvias do ponto de vista de exposição direta, inclusive com uma facilidade maior de comprovação judicial, é importante alguns esclarecimentos.

Do ponto de vista técnico, o enquadramento “tabelado” de algumas profissões como atividade especial foi extinto no Brasil em 1995, isso significa que nem todo médico ou enfermeiro é automaticamente elegível para a aposentadoria especial.

Há alguns dias, por exemplo, ao encontrar com um amigo que trabalha no administrativo de um hospital de campanha, ele explicou pra gente que tudo o que entra no hospital precisa passar pelo administrativo para contagem, estoque e baixa do fornecedor.

Na conversa ele se disse surpreso por ver que no hospital o administrativo, sem exceção, teve COVID-19, inclusive com alguns sintomáticos graves, enquanto um ou outro médico da linha de frente não se contaminou e nunca precisou se afastar por isso.

Nesse caso, mesmo sem nunca ter adoecido, os médicos e enfermeiros da linha de frente contam com tempo especial pelo risco aumentado, mas não só, os assistentes administrativos também.

Não basta olhar só a função registrada na carteira de trabalho, pois a realidade de cada profissional e a avaliação técnica ambiental também devem ser consideradas.

O mesmo se aplica para os agentes de limpeza, caixas de supermercados, motoristas de ônibus, pessoas que atendem o público e sustentam os serviços essenciais.

Na verdade, considerando a precariedade da biossegurança de alguns profissionais de grande público, a falta de material de proteção os colocaria em risco ainda maior do que o profissional de saúde bem equipado em um hospital preparado.

Todas essas questões devem ser consideradas e nenhum profissional pode ser excluído ou privilegiado, automaticamente, só pela profissão.

Profissionais da saúde no enfrentamento direto à pandemia

Em 2020 divulgou-se bastante pela mídia a iniciativa de várias propostas de lei para compensar o risco dos profissionais de saúde durante a pandemia, em caráter emergencial.

Citamos, por exemplo, o projeto de lei número 3.016 de 2020, sobre aposentadoria especial para quem trabalhou diretamente com pacientes de COVID-19 e em ambiente hospitalar.

Na verdade, esse projeto legislativo é um pouco redundante porque a previsão de benefício especial após 25 anos de atividade e 60 anos de idade já existe, como vimos antes.

A diferença é que a exigência de uma avaliação individual por PPP ou LTCAT seria substituída pela pela atuação no combate pandêmico, um tipo de “renascer” do enquadramento por profissão.

Outra proposta legislativa, mas que dessa vez já se tornou lei, a 14.128 de 2021, previu uma indenização para os profissionais da saúde com incapacidade permanente causada pela COVID-19. O que nos leva mais uma vez a diferenciar contágio, exposição e sequela.

A própria lei exemplificou quem pode ser considerado beneficiário, não se limitando à área estritamente médica, aliás, devemos nos deparar muito em breve com vários casos na Justiça para discutir o nexo causal para uma ampla gama de profissões.

Veja só quem poderia se beneficiar da indenização, e também ter acesso à aposentadoria especial por conta de uma interpretação da legislação de emergência da COVID-19:

  • Profissionais de saúde de nível superior, como enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, funcionários de laboratório de testes;
  • Profissionais de nível técnico da área de saúde;
  • Profissionais de auxílio e apoio nos estabelecimentos de saúde, inclusive profissionais da limpeza, setores administrativos, maqueiros, coveiros, profissionais de necrotério, motoristas de ambulância, cuidadores, etc.;
  • Profissionais reconhecidos pelo Conselho nacional de Assistência Social (CNAS), como por exemplo, psicólogos ou advogados atuantes nos serviços socioassistenciais, entre outras profissões citadas pela Resolução número 17/11 do CNAS.

O mais importante de compreender agora é que o nome da profissão não é tão importante quanto o nexo causal.

Só para esclarecer, a aposentadoria especial não é só para quem não consegue mais trabalhar depois da COVID-19, porque mesmo quem nunca adoeceu pode se beneficiar desse tempo especial. O mesmo se aplica para qualquer doença contagiosa.

Finalmente, vamos fechar esse tópico com uma decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou o trabalho de risco, excepcionalmente, durante a pandemia, para o aposentado especial que queira trabalhar no combate à pandemia.

A decisão de março de 2021 suspendeu, em todo o país até o final do período pandêmico, o tema 709 de repercussão geral do próprio Supremo que proibia a continuidade de atividade nociva ao aposentado especial (artigo 57, parágrafo oitavo da lei 8.213/91).

O Ministro Dias Toffoli, relator do processo, destacou a escassez da categoria de trabalhadores, principalmente nesta fase em que nos encontramos.

Este é mais um clássico julgamento de dilema ético no Supremo, desta vez entre saúde pública e saúde do trabalhador (direito coletivo versus individual).

A importância de solicitar e guardar seus documentos

A importância de solicitar e guardar seus documentos
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Desde abril de 1995, com a extinção da atividade especial por profissão, é necessário que cada profissional solicite ao empregador um perfil profissional profissiográfico, o famoso PPP, lembrando que outros laudos e avaliativos técnicos serão bem-vindos também.

Sem a documentação, o período não pode ser contado como especial, por mais que o nome da profissão ou o contexto possam sugerir situação diversa. Tanto o INSS quanto o Poder Judiciário precisam de documento escrito para aceitar o reconhecimento do período.

Além da análise quantitativa e qualitativa dos agentes de risco, o laudo técnico também apura a eficácia de equipamentos de proteção.

Aliás, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), formada por uma banca de juízes, traçou alguns critérios para aceitar desqualificar a contagem especial pelo uso de equipamento de proteção individual (tema 213):

“I – A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) pode ser fundamentadamente desafiada pelo segurado perante a Justiça Federal, desde que exista impugnação específica do formulário na causa de pedir, onde tenham sido motivadamente alegados: (i.) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii.) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii.) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv.) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação; ou (v.) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.

II – Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial.”

Por isso, só entregar o material de proteção não é suficiente para afastar a atividade especial do segurado.

Na dúvida, o período será computado para esse fim, sempre com a possibilidade de questionar esses laudos na Justiça para verificar todos os componentes da análise.

É de extrema importância que o segurado não vá atrás da documentação somente quando for pedir a aposentadoria.

É interessante que ele solicite a documentação para o empregador sempre que for deixar o emprego, evitando judicialização tardia e atraso no seu benefício.

Para concluir  

Recapitulando o que vimos hoje, a aposentadoria especial por doença contagiosa é possível dentro das regras atuais, que tem passado por diversas modificações desde a reforma da Previdência em 2019.

Dentre todas, as duas maiores mudanças foram idade mínima e fórmula de cálculo do benefício, cujo valor final vai depender agora do total do tempo de contribuição, por isso quanto mais tempo contribuindo maior o valor de aposentadoria, inclusive na transição.

Vimos também que a aposentadoria especial não demanda adoecimento ou incapacidade do trabalhador, bastando que a documentação da qualidade ambiental meça padrões suficientes de risco à saúde, independentemente da função.

Sabemos que nem sempre o empregador coopera com a emissão de documentos ou com o preenchimento adequado, por isso quanto antes a solicitação dos laudos mais tempo o segurado tem para judicializar ou corrigir.

A cada dia que passa, o sistema previdenciário se torna mais e mais individualista na hora de avaliar as regras de serviços e benefícios, o que entrega poderes ainda maiores para a documentação pessoal.

Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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