Acidente do TrabalhoAuxílio Acidente

É possível a concessão do auxílio-acidente em razão de agravamento de doença?

O objetivo do presente artigo é discutir a possibilidade da concessão do auxílio-acidente para os segurados que possuam perda de capacidade laborativa decorrente do agravamento de doença.

Vamos focar na possibilidade da concessão do auxílio-acidente em situações em que apenas e tão somente ocorreram a perda de capacidade laboral em decorrência do agravamento da doença ou patologia em razão do exercício profissional.

A regra geral prevista no artigo 86 da lei 8.213/1991 é clara ao declinar que o “auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

Analisando a regra prevista na Lei. n 8213/1991, podemos afirmar que para concessão do auxílio-acidente a sequela deve ser somente decorrente de acidente de qualquer natureza, não necessariamente relacionado a acidente de trabalho.

Segundo a Instrução Normativa do INSS/PRES nº 77/2015, entende-se como acidente de qualquer natureza:

“aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos ou biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.”

Considerando o artigo 86 da Lei n. 8.213/91 e a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, poderíamos precipitadamente afirmar que a concessão do auxílio-acidente estaria limitado exclusivamente para situações relacionadas à acidente de qualquer natureza.

Essa regra não é absoluta e existem exceções, conforme previsão constante na 20 da lei 8.213/1991, que estabelece o seguinte:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Conforme visto acima, a doença ocupacional se equipara a acidente do trabalho e consequentemente o segurado terá direito ao auxílio-acidente se em decorrência dela houver perda parcial da capacidade laborativa.

A doença ocupacional deve ser entendida como aquela desenvolvida em razão das atividades laborativas, exemplo típico, são trabalhadores que realizam esforço repetitivo e são acometidos por uma patologia conhecida como LER/TENDINITE que é inflamação de um tendão que gera dor para realizar movimentos e acaba ocasionando diminuição da capacidade laborativa.

Nesta situação acima descrita em que o segurado seja acometido por LER/TENDINITE fruto do esforço repetitivo no trabalho e tenha sua capacidade laborativa diminuída, este terá direito ao recebimento do auxílio-acidente, tendo em vista que doença ocupacional se equipara à acidente de trabalho.

Entretanto, ainda é preciso questionar acerca da possibilidade de concessão do auxílio-acidente em situações em que o segurado tenha perda de capacidade laborativa decorrente do agravamento de uma doença de qualquer natureza.

Vamos responder a indagação acima com um exemplo prático. Imaginemos um trabalhador com uma doença degenerativa na coluna, ou seja, aquela que não se originou necessariamente com o exercício da atividade laboral.

Este trabalhador com problemas na coluna exerce atividade laborativa que implica a adoção de posições forçadas e gestos repetitivos, ritmo de trabalho penoso e condições difíceis de trabalho, que consistem em fatores de risco a natureza ocupacional.

Considerando que em razão destas atividades penosas ele venha a perder capacidade laborativa devido ao agravamento da doença degenerativa, este seria contemplado com o recebimento do auxílio-acidente?

A resposta é sim! Este trabalhador possui direito ao auxílio-acidente de forma indenizatória, no valor de 50% sobre o valor do salário de contribuição do auxílio-doença, até a sua aposentadoria por tempo, invalidez ou idade.

É possível a concessão do auxílio-acidente em razão de agravamento de doença?

Na hipótese do exemplo acima, estamos diante de um enquadramento como doença do trabalho, tendo vista que as condições laborais do trabalhador contribuíram para o agravamento da doença que já possuía, restando evidente o nexo de concausa entre as atividades laborativas, o agravamento da doença e a perda da capacidade para o trabalho.

O inciso I do artigo 21 da Lei n. 8.213/1991 é claro ao estabelecer que na definição do nexo causal de doença de cunho ocupacional, o trabalho pode representar um elemento apenas secundário, de AGRAVAMENTO, não precisando ser necessariamente o único elemento gerador da doença e consequentemente da incapacidade parcial para o trabalho. Vejamos:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; (…)

Partindo do que consta do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991, no sentido que a doença ocupacional se equipara a acidente de trabalho e do inciso I do artigo 21 que afirma categoricamente que também se equipara a acidente de trabalho situações em que embora não tenha sido a causa única, contribuiu para a perda de capacidade laborativa, podemos confirmar que o agravamento de doença em razão de atividade laborativa possibilita a concessão do benefício de auxílio-acidente.

A Justiça tem reiteradamente confirmado essa posição:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-ACIDENTE. CONCESSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. AGRAVAMENTO DE LESAO PRÉ-EXISTENTE. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. ALEGAÇÃO DE DOENÇA DEGENERATIVA. IRRELEVÂNCIA. TEORIA DA CONCAUSA. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. I – A concessão do Auxílio-Acidente, nos termos do artigo 86, da Lei nº 8.213/91, exige a demonstração de que a redução da capacidade laboral do trabalhador decorre de acidente de qualquer natureza. II – No vertente caso, afiguram-se demonstradas a ocorrência do acidente de trabalho e a incapacidade para as funções que habitualmente exercia, haja vista que as condições laborais do Recorrido contribuíram para o agravamento da deficiência auditiva que já possuía, restando evidente o nexo de causalidade, à luz da teoria da concausa. III – O caráter degenerativo ou pré-existente da doença apresentada pelo trabalhador, por si só, não é suficiente para afastar o nexo causal, vez que o direito ao recebimento do auxílio-acidente se mantém ainda quando o acidente não é a única causa para a lesão, ex vi do artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.213/91. IV – Nas hipóteses em que há concessão de auxílio-doença na seara administrativa, o termo inicial para pagamento do auxílio-acidente é fixado no dia seguinte ao da cessação daquele benefício. V – Remessa ex officio e Recurso de Apelação conhecidos e impróvidos. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, por unanimidade dos votos, conhecer e negar provimento ao recurso e à remessa ex officio. Vitória/ES, 25 de janeiro de 2011. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DESEMBARGADOR RELATOR PROCURADOR DE JUSTIÇA Ì(TJES, Classe: Remessa Ex-officio, 24050282862, Relator : NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO, Órgão julgador: SEGUNDA C MARA CÍVEL, Data de Julgamento: 25/01/2011, Data da Publicação no Diário: 28/02/2011) (TJ-ES – Remessa Ex-officio: 24050282862 ES 24050282862, Relator: NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO, Data de Julgamento: 25/01/2011, SEGUNDA C MARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/02/2011) Segunda Câmara Cível Apelação Cível nº. 024.050.282.862 Recorrente: INSS – Instituto Nacional do Seguro Social Recorrido: Francisco Rossi Relator: Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho.

Na decisão acima transcrita a concessão do benefício de auxílio-acidente se efetivou em razão do agravamento de doença decorrente de atividade laborativa, uma vez que o caráter degenerativo ou pré-existente da doença apresentada pelo trabalhador, por si só, não é suficiente para afastar o nexo causal.

O direito ao recebimento do auxílio-acidente se mantém ainda quando o acidente (ou doença ocupacional) não é a única causa para a perda da capacidade laborativa.

É preciso lembrar que em situações de concessão de auxílio-acidente decorrente de agravamento, a doença originária não precisa ser necessariamente ocupacional, podendo ser doença de qualquer natureza, sendo que o único requisito objetivo é que a perda da capacidade laborativa tenha ocorrido em razão do agravamento gerado pelas atividades laborativas.

Na mesma linha da legislação previdenciária, a Justiça do Trabalho entende que existe responsabilidade civil do empregador, ou seja, existe o dever de indenizar, na hipótese de agravamento de doença, ainda que não se considere que o trabalho seja a causa da patologia.

Caso as sequelas sejam evidenciadas como concausa, ou seja, apesar do fator degenerativo/genético, é possível que a doença jamais tivesse se desenvolvido se o trabalho tivesse sido prestado de forma segura, sem esforços excessivos e movimentos repetitivos, assim, o empregador ou a empresa será responsável pelo pagamento de indenização por danos morais e materiais.

A presença de condições diversas que agravam ou contribuem para os malefícios da causa laboral não impede a caracterização do acidente do trabalho e consequentemente, em caso de perda de capacidade laborativa, são passíveis de indenizações. Vejamos o que entende a Justiça do Trabalho:

RECURSO ORDINÁRIO. DOENÇA DEGENERATIVA. TRABALHO COMO CONCAUSA DE DOENÇA OCUPACIONAL. É possível que as doenças crônico-degenerativas sejam eventualmente modificadas no aumento da frequência de sua ocorrência ou na precocidade de seu surgimento em trabalhadores, sob determinadas condições de trabalho. Nessas circunstâncias, o exercício do trabalho atua como uma concausa para o desenvolvimento da doença e, nessas hipóteses, exsurge a responsabilidade civil do empregador, ainda que de forma mitigada. Quer dizer, o caráter degenerativo da doença não constitui excludente absoluta da responsabilidade empresária, mas sim em excludente relativa, sendo necessário perquirir se o trabalho em favor da empresa atuou ou não como concausa para o estágio da moléstia.(TRT-17 – RO: 00730006820085170191, Relator: DESEMBARGADOR SÉRGIO MOREIRA DE OLIVEIRA, Data de Publicação: 11/05/2011)

Veja que o caráter degenerativo da doença não constitui excludente absoluta da responsabilidade empresária, sendo necessário perquirir se o trabalho em favor da empresa atuou ou não como concausa para o estágio da moléstia.

Oportuno esclarecer que o Decreto Lei n. 3.048/99 que regulamenta os benefícios por incapacidade da previdência social, reafirma a possibilidade de concessão do benefício de auxílio-acidente em situações que a perda de capacidade laborativa tenha sido gerada através do agravamento de doença em razão da atividade laboral.

Artigo 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo.

I – o acidente e a lesão;

II – a doença e o trabalho; e

III – a causa mortis e o acidente.

§ 1º O setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social reconhecerá o direito do segurado à habilitação do benefício acidentário.

§ 2º Será considerado agravamento do acidente aquele sofrido pelo acidentado quanto estiver sob a responsabilidade da reabilitação profissional.

§ 3º Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento.

§ 4º Para os fins deste artigo, considera-se agravo a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).

A legislação acima mencionada e as decisões extraídas da Justiça revelam claramente que é possível a concessão do benefício de auxílio-acidente quando exista perda de capacidade laborativa decorrente do agravamento de doença gerada pelo trabalho.

Apesar dessa constatação, na prática, o que se verifica é que administrativamente o INSS despreza essa possibilidade de concessão do auxílio-acidente em decorrência de agravamento de doença, prejudicando e negando esse direito aos segurados que são obrigados a se socorrer do Poder Judiciário.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho.

CASTRO, Carlos Alberto P., LAZZARI, Batista. Manual de Direito Previdenciário, 19ª edição. Forense, 03/2016.

MENEZES, Adriana. Direito Previdenciário. 7ª. ed. Salvador: JusPodvm, 2018.

ROCHA, Daniel da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 16ª edição. Atlas, 03/2018.

VIEIRA, Sérgio. Manual Prático sobre Revisão de Benefícios, 3ª edição. Forense, 08/2012.

Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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