Acidente do Trabalho

O que fazer quando a empresa cancela o plano de saúde durante o recebimento do auxílio-doença

Infelizmente, é comum a prática das empresas de cancelar o plano de saúde dos trabalhadores durante o recebimento do benefício do auxílio-doença.

Inicialmente não precisamos ir muito longe ou realizar grandes explicações jurídicas para entender que a retirada do plano de saúde no momento em que o trabalhador está afastado é ilegal e contraria as normas que regulam o contrato de trabalho.

A lógica é bem simples. Não se pode aceitar que, no momento em que o trabalhador mais necessita do plano de saúde empresarial, este seja retirado. Na hipótese de aceitarmos situações como esta, estaríamos desprezando toda a proteção constitucional destinada aos trabalhadores.

O fato é que o plano de saúde concedido, por força do contrato de trabalho, constitui-se um direito adquirido do trabalhador e uma obrigação contratual do empregador, não podendo ser alterado ou cancelado unilateralmente, em prejuízo do empregado, de acordo com o artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943).

Os benefícios concedidos por liberalidade do empregador, de forma habitual, aderem ao contrato de trabalho como cláusula contratual e não podem ser mais cancelados por vontade exclusiva dele.

É inquestionável que um trabalhador afastado em gozo de auxílio-doença há vários anos não autoriza o empregador a suspender obrigações e direitos. Ele deve continuar mantendo o plano de saúde, porque o contrato de trabalho continua em vigor. Apenas há a cessação temporária dos seus efeitos.

Em resumo, jamais poderá o empregador retirar do trabalhador o plano de saúde no momento mais complicado de sua vida.

Podemos mencionar um exemplo dessa situação que já foi julgada pela Justiça:

TRT-PR-14-11-2014 MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM NON POTEST. O empregador responde se, durante quase uma década, age criando forte expectativa de que o plano de saúde de seu empregado seria mantido, mesmo com o advento da aposentadoria por invalidez deste, para depois, contraditoriamente, negar-se dessa responsabilidade e cancelar o benefício. Trata-se da aplicação da boa-fé objetiva ao contrato de trabalho e conexos, mediante a variável da ‘venire contra factum proprium non potest’, instituto que ocorre quando se pratica certa conduta durante lapso razoável de tempo, gerando expectativa justificada na contraparte pela manutenção de tal comportamento, sendo vedação a comportamentos contraditórios nos negócios jurídicos, como o é o contrato de trabalho. No caso dos autos, a situação restou evidenciada, com preenchimento de seus pressupostos: houve efetivamente um comportamento positivo do empregador em continuar com a vinculação do trabalhador ao plano de saúde, muito embora não o precisasse após a concessão dos benefícios do auxílio doença e invalidez; também se gerou uma expectativa para o empregado afastado de que não teria a suspensão ou cassação do plano de saúde que, no caso da ré, era concedido sem qualquer participação obreira; igualmente se pode inferir certo investimento obreiro na manutenção do plano de saúde, decorrente da expectativa gerada, eis que todo seu tratamento se dava por meio da Unimed, mesmo anos após sua aposentadoria por invalidez; e houve, enfim, um comportamento do empregador contraditório ao inicial, que se consubstanciou no cancelamento do citado benefício. Termos em que mantenho a r.sentença, quanto à determinação de restabelecimento do plano de assistência médica ao autor. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A reparabilidade do dano extracontratual causado ao trabalhador, assegurada constitucionalmente (art. 5º, V e X), segue a teoria da responsabilidade subjetiva abraçada pelo Código Civil (art. 186), com a concorrência de três elementos inseparáveis, quais sejam, o ato ilícito, o dano efetivo e o nexo de causalidade. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187 do CCB). Ambas as situações obrigam o ofensor a reparar o dano causado (art. 927 do CC). Das provas carreadas aos autos, subsume-se ser inconteste configurado o abuso de poder por parte reclamada ao suprimir, injustificadamente, o plano de saúde do reclamante, havendo a violação dos direitos previstos nos artigos 1º, 3º e 5º, V e X, da CF. Resta caracterizado, assim, a ofensa moral. (TRT-PR-01079-2014-014-09-00-3-ACO-38269-2014 – 4A. TURMA Relator: CÉLIO HORST WALDRAFF Publicado no DEJT em 14-11-2014).

Notamos que as recentes decisões vêm condenando as empresas que cancelam os planos de saúde unilateralmente de trabalhadores que estejam recebendo auxílio-doença.

O entendimento é que o cancelamento de plano de saúde, quando o trabalhador comprovadamente dele necessita, é hipótese de dano presumível, pois a manutenção do pagamento da assistência médica é obrigação do empregador, mesmo durante a suspensão do contrato de trabalho, que apenas dispensa as principais obrigações do contrato, como a prestação de serviços e o pagamento de salário, conforme já concluiu o Tribunal Superior do Trabalho:

[…] a suspensão do contrato de trabalho paralisa apenas os efeitos principais do vínculo, quais sejam, a prestação de trabalho, pagamento de salários e a contagem do tempo de serviço. Todavia, as cláusulas contratuais compatíveis com a suspensão continuam impondo direitos e obrigações, porquanto subsiste intacto o vínculo de emprego. De outra parte, o artigo 468 da CLT consagra o princípio da inalterabilidade contratual lesiva (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed. – Saraiva: LTr, 2003, p.202), o qual orienta no sentido de que apenas são admitidas alterações contratuais benéficas ao empregado (ED-RR-122000-33.2005.5.05.0011, Relator Ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DJ 19/9/2008).

Desse modo, nessas hipóteses, configura-se como ato ilícito do empregador o ato de cancelar a assistência médica, sendo devida a indenização por danos morais, em conformidade com os artigos 5o, X, da Constituição Federal, 186 e 927 do Código Civil.

Empresa pode cancelar plano saúde? Veja os Vídeos

 

Referências

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.

______. Presidência da República. Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.

______. Presidência da República. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código CIvil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 4 fev. 2016.

 

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Gilberto Vassole

Advogado atuante na área do Direito Previdenciário, Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado e Mestre em Processo Civil.

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