Alcoolismo crônico é causa para a aposentadoria no INSS?
O alcoolismo crônico é considerado uma doença severa pelos organismos internacionais de saúde por afetar a integridade psíquica do alcoólatra. O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais indica o uso do álcool e outros distúrbios induzidos pela substância como transtornos psíquicos de ordem mental.
Há uma série de repercussões negativas no organismo humano que pode ser acionada pelo uso abusivo do álcool, como transtornos psicóticos, de humor e delírios, além de demência, disfunções comportamentais e comprometimento da memória.
A doença, a depender do estágio de desenvolvimento, pode atrair efeitos trabalhistas e previdenciários específicos. Veja a seguir alguns pontos fundamentais para a compreensão do assunto.
Fases do alcoolismo e perícia médica
O alcoolismo crônico é identificado pela compulsão de ingestão de bebidas alcoólicas. A doença é considerada crônica do ponto de vista clínico quando há alta tolerância à bebida, isto é, o usuário precisa de doses muito elevadas para saciar o grau alcoólico.
Considerando que a dependência química passa a estruturar a vida do alcoólatra de modo generalizado e por prazo indefinido, é uma doença com graves reflexos socioeconômicos.
Embora a alta dosagem etílica torne o alcoólatra mais resistente ao álcool, a intoxicação não deixa de ocorrer. Com a retirada da bebida, o afetado sofre com a abstinência, uma resposta fisiológica do organismo em razão da privação da substância.
O aspecto crônico se diferencia do episódio de embriaguez aguda, aquilo que ocorre com bebedores de ocasião após perderam a sobriedade. Em determinado momento, os efeitos da bebida passam e o organismo se regenera, sem arquivar sequelas ou ativar abstinências.
Segundo o médico Dráuzio Varella, há três fases para a manifestação da dependência alcoólica:
- Adaptação: encontra-se satisfação pessoal a partir do álcool (maior sociabilidade, menor inibição, alívio de ansiedade, euforia, etc.);
- Tolerância: o sistema nervoso central precisa de quantidades cada vez maiores para reproduzir os níveis de satisfação pessoal da fase de adaptação;
- Síndrome da Abstinência: efeitos físicos ocorrem com a interrupção da bebida, como tremores, delírios e várias complicações de saúde.
Os benefícios por incapacidade do INSS, como a aposentadoria por incapacidade ou o auxílio-doença demandam perícia médica obrigatória.
Quando houver comprometimento do trabalho, em razão de circunstâncias de saúde, como o alcoolismo crônico, o segurado passará por avaliação biopsicossocial para verificar o agravo da doença sobre suas competências pessoais, o que será investigado por equipe multiprofissional e interdisciplinar (artigo 19, § 8º, decreto 3.048/99).
Efeitos trabalhistas do alcoolismo crônico
Segundo o artigo 482 da CLT, o empregador pode demitir seu funcionário com justa causa (sem direito à indenização), em casos de “embriaguez habitual ou em serviço”.
O caso de um funcionário dos Correios que compareceu ao trabalho embriagado e foi demitido chegou até o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2013 (pelo processo número AIRR-397-79.2010.5.10.0010).
De acordo com o Tribunal, o alcoolismo é doença catalogada com CID específico, por isso o alcoólatra deve ser tratado durante a vigência do contrato de trabalho e não punido pela rescisão prejudicial do contrato de trabalho.
Não significa que o funcionário não possa ser demitido, o que foi afastado pela Corte de julgamento foi o alcoolismo crônico como hipótese de justa causa para a dispensa. Caso a vontade do empregador seja pela demissão, ele deverá cumprir com todos os trâmites da rescisão sem justa causa dos artigos 147, 479 e 480, todos da CLT.
Isso nos leva à conclusão de que juridicamente e para fins trabalhistas o alcoolismo crônico não se confunde com a embriaguez habitual ou em serviço, relacionada com episódios agudos (ocasionais), que apontem mais para a insubordinação intencional das responsabilidades do contrato de trabalho, do que para um estado crônico compulsivo.
Se o alcoólatra não contribui para o INSS, ele pode se beneficiar com o BPC/LOAS para deficientes?
Sim! O álcool pode induzir a vários transtornos mentais como a psicose, alucinações e delírios, com comprometimento cognitivo-perceptivo em longo prazo.
O BPC, ou benefício de prestação continuada, é um auxílio financeiro assistencialista previsto na lei orgânica de assistência social, para cumprir o artigo 203 da Constituição Federal, o qual assegura um salário mínimo para pessoas com deficiência que não consigam prover o próprio sustento.
Segundo o artigo 3º do decreto 3.048/99, a assistência social é a política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzida em proteção à pessoa portadora de deficiência, entre outros objetivos, independentemente de contribuição à seguridade social.
Por essa razão, ao alcoólatra crônico que não contribua ao INSS, o recebimento do BPC/Loas é viável, e comumente é concedido judicialmente diante da negativa do órgão previdenciário (TRF4, AC 0017409-88.2015.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 06/04/2016).
Para tanto, é indispensável a avaliação pericial para se constatar a deficiência, além da comprovação de que a renda individual do núcleo familiar seja menor do que ¼ do salário mínimo (Artigo 20, lei 8.742/93).
Atendidos os requisitos, o interessado deve se cadastrar no programa Cadúnico no CRAS do município em que reside, declarando o número de membros familiares com quem conviva e a renda total disponível.
Requisitos para a aposentadoria por invalidez e documentação
O segurado inscrito no INSS que esteja gravemente comprometido nas relações laborais em decorrência do alcoolismo crônico poderá ser aposentado por invalidez, um benefício agora chamado de aposentadoria por incapacidade permanente, desde que concorram os seguintes fatores:
- Duração prolongada da doença com prejuízo total e permanente da competência para o trabalho (exige perícia médica do INSS além dos laudos particulares de posse do segurado);
- Cumprimento do prazo mínimo de carência de 12 meses (o artigo 25 da lei 8.213/91 exige número mínimo de contribuições para incapacidade não acidentária e sem relação com o trabalho);
- Qualidade de segurado: o segurado deve apresentar a CLT ou os carnês de contribuição ao INSS se não possui vínculo empregatício
Concorrendo todos esses fatores, a aposentadoria por invalidez deve ser concedida (TRF4, APELREEX 5016735-65.2010.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Marcelo de Nardi, juntado aos autos em 09/03/2016).
Há uma exceção, no entanto, quanto à qualidade de segurado. Imagine, por exemplo, que o segurado estivesse afastado do trabalho em razão do alcoolismo (doença incapacitante), nem tenha se aposentado, nem tenha mantido vínculo no INSS com o exercício de atividade remunerada, e venha a falecer diante dessas circunstâncias.
Tecnicamente, sem a qualidade de segurado do falecido, os dependentes não possuem direito à pensão por morte.
No entanto, se os dependentes comprovarem que o alcoolismo crônico foi a causa da perda da capacidade para o trabalho e, consequentemente, o motivo da interrupção das contribuições ao INSS, a qualidade de segurado do falecido pode ser resgatada pela perícia indireta, e os dependentes poderão pleitear o benefício da pensão por morte (TRF4, AC 5006584-18.2016.4.04.7104, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/09/2018).
Como requerer a aposentadoria por invalidez no INSS?
Se não há perspectiva de melhora ou chances de reabilitação para o segurado afastado por incapacidade, ele poderá requerer a aposentadoria pela internet, no portal Meu INSS ou aplicativo de celular com o mesmo nome.
O requerimento também pode ser solicitado pelo telefone 135, mas se você preferir baixar o aplicativo de celular siga os seguintes passos:
- Entre no aplicativo MEU INSS com seu CPF;
- Clique em “agendar perícia”;
- Você verá alternativas para remarcar perícia ou solicitar perícia de prorrogação (para quem já está em gozo de auxílio-doença);
- Escolha “perícia inicial” se deseja aposentar-se por incapacidade;
(Atenção: a aposentadoria por incapacidade só pode ser concedida após o término ou o indeferimento do auxílio-doença, pois a incapacidade precisa se consolidar como plena e permanente); - Dê seguimento aos campos de informação solicitados;
- Compareça na data agendada para a perícia, junto de toda a documentação de atestados médicos, laudos, diagnósticos e exames, além de documentação pessoal completa (RG, CPF, CLT, guias de pagamento GPS, etc.).
É interessante dizer que os aposentados por incapacidade podem solicitar também no aplicativo ou site Meu INSS, a isenção de imposto de renda para pessoas com deficiência.
Se eu conseguir me aposentar devo continuar comparecendo à perícia? Até quando?
Depende! A perícia é obrigatória e o benefício pode ser suspenso se o segurado deixa de comparecer, mas a lei tratou de dispensar o dever para alguns segurados, na forma do artigo 46 do decreto 3.048/99, desde que:
- Não tenham retornado ao trabalho e completem 55 anos de idade, decorridos 15 anos da data de concessão da aposentadoria por incapacidade permanente ou do auxílio por incapacidade temporária que a tenha precedido;
- Não tenham retornado ao trabalho e completem 60 anos de idade;
- O segurado tenha síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)
Os casos acima terão de se submeter excepcionalmente à perícia-médica se necessário verificar a assistência permanente de outra pessoa para a concessão do acréscimo de 25% sobre o valor do benefício (artigo 45, decreto 3.048/99); ou se o aposentado desejar retornar ao trabalho ou, ainda, se a perícia for buscada para embasar concessão de curatela pelo juiz (artigo 46, § 3º, decreto 3.048/99).
Novo valor de aposentadoria por invalidez após a reforma da Previdência
Segundo o artigo 44 do decreto 3.048/99, a aposentadoria por incapacidade permanente será devida a partir do dia seguinte à cessação do auxílio-doença ou auxílio-acidente, se a perícia médica do INSS constatar total e permanente incapacidade para o trabalho.
O valor da aposentadoria consistirá em 60% do salário de benefício do segurado, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição, para os homens, ou 15 anos de contribuição, para as mulheres; ou, será de 100% do salário de benefício, quando a aposentadoria decorrer de acidente do trabalho ou doença ocupacional.
É necessário dizer que o salário de benefício é calculado de tal forma que não será, necessariamente equivalente ao valor da remuneração que o segurado recebia. Provavelmente, o cálculo resultará em um valor menor, porque ele leva em conta todo o histórico de remuneração do contribuinte (artigo 32 do decreto 3.048/99).
Caso o aposentado por incapacidade necessite de assistência permanente de outra pessoa, ele poderá solicitar pela internet, um adicional de 25% sobre a aposentadoria (artigo 45, decreto 3.048/99). É legal dizer que esse percentual adicionado poderá ultrapassar o teto previdenciário, mas por outro lado ele não será devido aos dependentes na pensão por morte, quando o aposentado vier a falecer.
Breves conclusões
O caminho até a aposentadoria por incapacidade permanente pode ser longo para o segurado se a perícia é indeferida e o INSS não acata os recursos administrativos.
Neste caso, o benefício pode ser buscado na esfera judicial, ocasião em que o juiz terá mais liberdade para analisar a perícia e as circunstâncias pessoais do segurado, do que teria o servidor previdenciário.
Desde que toda a documentação esteja organizada e o trabalhador tenha lastro médico para o afastamento do trabalho, não há motivos para que o benefício seja negado, mas vale consultar um especialista.