Avós podem receber pensão por morte do neto?
Um dos benefícios que a previdência social no Brasil oferece é a pensão por morte. Assim como qualquer tema previdenciário, esse também gera várias dúvidas. Uma delas é sobre a relação entre o segurado e o beneficiário: os avós podem receber pensão por morte do neto?
Neste artigo, você vai descobrir a resposta a essa pergunta, com base na legislação previdenciária, na Constituição Federal e nas mais recentes decisões dos Tribunais Superiores. Então, acompanhe até o final para entender se os avós podem receber pensão por morte do neto e, caso seja possível, em quais situações.
Benefício de pensão por morte
O benefício de pensão por morte está previsto na Lei 8.213 de 1991, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social. Ele também foi afetado pelas mudanças trazidas pela Reforma Previdenciária, com a Lei 13.135 de 2015.
Esse é um benefício em que o segurado, aquele que contribui para a Previdência Social, não é o beneficiário. Em vez disso, o benefício é concedido a um familiar, conforme as regras e os limites estabelecidos no Direito Previdenciário.
A concessão do benefício ao familiar tem o objetivo de amenizar o impacto econômico do falecimento do segurado. Por isso, nem todos os vínculos asseguram o recebimento de pensão por morte. Acima de tudo, é preciso haver uma relação de dependência.
Dependentes que podem receber o benefício de pensão por morte
O artigo 74 da lei 8.213/91 reforça, como já apontado, que a pensão por morte é um benefício previdenciário concedido aos dependentes do segurado falecido. A pergunta que você precisa fazer, então, é quais são os dependentes reconhecidos.
Existe uma previsão na mesma lei sobre quais são os dependentes. De acordo com o artigo 16, entram na lista:
- o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
- os pais;
- o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.
Esses dependentes são reconhecidos por lei. A dependência econômica entre eles e o segurado falecido é presumida – ou seja, não é preciso comprová-la.
Além disso, de acordo com o § 1º do artigo 16, essa lista favorece os beneficiários de acordo com a ordem. Assim, por exemplo, se o segurado falecido tiver um cônjuge ou filho, os pais e irmãos já não terão direito a receber o benefício da pensão por morte.
É importante lembrar que a Constituição Federal (art. 5°, I) estabeleceu o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Essa igualdade inclui os direitos relativos à previdência social. Por essa razão, o cônjuge do sexo masculino ou companheiro é considerado dependente e recebe a pensão por morte da esposa ou companheira.
Outro fato importante é que a lei previdenciária inclui algumas outras previsões de dependentes que são reconhecidos, mas não são presumidos. Ou seja, eles têm acesso ao benefício, se puderem comprovar a dependência econômica.
Por exemplo, a lei reconhece o enteado e o menor tutelado como beneficiários da pensão por morte, da mesma maneira que o filho legítimo, conforme estabelece o § 2º do artigo 16. No entanto, esse reconhecimento depende de uma declaração do segurado e da comprovação de dependência econômica.
Flexibilização do rol de dependentes
Como explicado no item anterior, a legislação traz uma previsão de quem são os dependentes do segurado. A existência dessa previsão na lei é importante, pois facilita e agiliza muito o acesso dos principais dependentes ao benefício da pensão por morte, deixado pelo ente falecido. Afinal, não existe debate sobre o direito nesses casos.
No entanto, isso não significa que apenas essas pessoas possam ser consideradas dependentes. Na prática, o rol pode ser flexibilizado. Essa flexibilização é uma maneira de evitar injustiças sociais, já que a relação de dependência pode atingir pessoas com outros vínculos, além de cônjuges, companheiros, filhos, pais e irmãos.
Imagine o caso de um indivíduo que tenha sido criado e sustentado por uma tia, irmã de seu pai ou mãe. Depois de crescer, esse indivíduo passa a sustentar a tia e é o principal responsável por garantir a ela o amparo financeiro para uma vida digna. Se ele falecer, sua condição de segurado não garante à tia, pelos termos da lei, o direito à pensão por morte.
Já que a legislação não abrange esse tipo de situação, recai nas mãos do Poder Judiciário resolver a situação. Já existem decisões dos tribunais no sentido de que o rol de dependentes pode ser pode ser flexibilizado no caso concreto. O fator primordial para essa flexibilização é a dependência econômica em relação ao segurado.
Avós podem receber pensão por morte do neto?
Então, sabemos que a lei previdenciária não prevê expressamente a possibilidade de avós receberem pensão por morte do neto. Por esse motivo, alguns especialistas ainda defendem que essa possibilidade não existe.
Por outro lado, também existem especialistas que defendem a existência de fundamento legal a favor da flexibilização do rol de dependentes e da inclusão dos avós entre os possíveis beneficiários de pensão por morte.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a Constituição Federal prevê de maneira expressa e ampla a proteção aos dependentes do segurado falecido. Veja o que diz o artigo 201, V:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.
O texto da Constituição, que deve ser obedecida por todas as normas infraconstitucionais, é absolutamente claro ao consagrar que o direito dos dependentes, sem restringir as pessoas que se encaixariam nessa categoria.
O que podemos compreender é que esse dispositivo tem o objetivo de proteger a dignidade dos dependentes do segurado falecido em sua totalidade. Portanto, faz sentido aceitar a flexibilização do rol de dependentes previstos na lei previdenciária.
Cabe, então, ao Poder Judiciário analisar caso a caso. É ele quem vai avaliar a relação de dependência econômica entre aquele que requer o benefício e o segurado falecido, fazendo com que a justiça e a dignidade dos dependentes sejam preservados.
Decisões sobre pensão por morte do neto
Antes de mais nada, é importante ressaltar que não existe um entendimento pacificado no Poder Judiciário de que o vínculo entre avós e netos garante o direito à pensão por morte, mesmo quando existe relação de dependência econômica.
Seja para os avós receberem pensão por morte do neto, ou para o neto receber pensão por morte dos avós, a decisão favorável ou desfavorável varia entre os tribunais.
Ainda assim, existe uma jurisprudência sendo formada a favor da concessão dos benefícios.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por exemplo, no julgamento de um Recurso Especial em 2016, reconheceu o direito dos avós.
O argumento usado foi de que isso não seria uma flexibilização do rol previsto na lei, pois os avós foram os responsáveis de fato pela criação do indivíduo segurado.
Assim, ao repassar a eles a pensão por morte do neto, a decisão estaria apenas reconhecendo “quem verdadeiramente ocupou a condição de pais do segurado”. (REsp 1574859/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016)
Outro bom exemplo foi a decisão do STJ no julgamento de um Recurso Especial mais antigo, de 2003.
Nesse caso, o argumento foi de que, mesmo quando existe um vínculo filial entre avós e neto, ele não pode ser concretizado formalmente, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 42, § 1º) impede a adoção por ascendentes.
Assim, como é impossível exigir que esse vínculo filial seja formalizado, por impedimento da própria lei, ele não pode ser obstáculo para que os avós – que ocupam papel de pais – recebam o benefício. (REsp 528.987/SP, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe 9/12/2003)
Importância do reconhecimento do direito dos avós a pensão por morte
Se uma coisa fica clara, é que o benefício de pensão por morte tem uma forte relevância social, como mecanismo de proteção para os dependentes do segurado falecido.
A Previdência Social destina recursos mensais a esses dependentes. para que eles possam ter mínima segurança financeira, que até então era assegurada pelo segurado falecido. E, assim, esses indivíduos podem manter sua dignidade.
Na verdade, o benefício de pensão por morte é uma compensação econômica pela perda do provedor ou provedora que sustentava a família. E é importante entender que o conceito de “família” pode assumir vários formatos. Em alguns casos, ela é composta por avós e neto. Não cabe à lei previdenciária, nem aos órgãos ligados à Previdência Social, definir qual deve ser esse formato.
Interpretar o artigo 16 da lei. 8.213/91 como um rol taxativo, isto é, restritivo, dos dependentes que podem receber tal benefício, cria um sério problema. A lei não contemplou todas as possibilidades de dependentes que podem viver sob a tutela econômica do segurado falecido.
Essa é uma porta aberta para injustiça social. Alguns dependentes têm acesso ao benefício sem nem mesmo comprovar a dependência econômica. Enquanto isso, outros, mesmo com a comprovação, podem ter sua solicitação negada.
Felizmente, existem decisões dos Tribunais que trazem uma perspectiva positiva, como as que foram apresentadas nesse artigo.
Essas decisões indicam duas coisas. Primeiro, que o Poder Judiciário começa a compreender a dificuldade de prever as várias configurações familiares, e percebe que a legislação previdenciária não abrange todas elas. Segundo, que o Poder Judiciário entende que os dependentes do segurado não podem ser limitados ao rol taxativo da lei.
Ainda existe resistência em tornar a flexibilização do rol de dependentes uma prática pacificada. Por isso, não é possível afirmar que todas as demandas para que avós recebam pensão por morte do neto vão obter um resultado favorável na Justiça. Mesmo assim, existem sinais positivos para quem precisa desse benefício.
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