Planejamento Previdenciário

Contagem recíproca do tempo de contribuição: Regime Próprio (Estatutário) e Regime Geral (CLT)

Foi a Constituição Federal em seu artigo 201, parágrafo 9º que garantiu que “para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana […]”.

Ao mesmo tempo, previu que essa fosse uma compensação que pede critérios da lei, atendidos principalmente pela lei geral de benefícios previdenciários, ou lei número 8.213 de 1991.

Esclarecendo um pouco sobre regime próprio e regime geral, o regime próprio tem a ver com servidores efetivos, enquanto o regime geral (INSS) tem a ver com os trabalhadores da iniciativa privada, além de temporários, terceirizados, comissionados ou contratados pela CLT em instituições ou órgãos públicos.

Como é muito comum migrar de um regime para o outro, existe a possibilidade técnica de pedir a contagem de um à conta do outro para um benefício de aposentadoria.

Passamos a falar disso na sequência.

Por que compensar tempo de contribuição para o INSS com regime de servidores?

Private VS Public
Contagem recíproca do tempo de contribuição: Regime Próprio (Estatutário) e Regime Geral (CLT) 4

Primeiramente, confira o artigo 94 da Lei 8.213/91, que determina que:

“Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.

§ 1º  A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou de serviço, conforme dispuser o Regulamento.”

Isso significa que o instituto de Previdência que te paga um benefício porque leva em conta também as contribuições de outro regime, precisa ser compensado financeiramente para equilibrar as contas.

Calma, a compensação não é feita pelo próprio segurado, mas sim entre os Institutos previdenciários.

Por isso a compensação precisa de regras para não gerar um desfalque de um sistema contra o outro: não é permitido, por exemplo, contar duas vezes a mesma atividade em regimes diferentes.

A duplicidade geraria tempo em dobro, o que é considerado contagem fictícia de tempo, algo proibido sem autorização legal.

Sobre a definição de contagem recíproca autorizada, pedimos licença para trazer os esclarecimentos de Wladimir Novaes Martinez:

“Pode ser conceituada como a soma de períodos de trabalho prestados sucessivamente na iniciativa privada e nos órgãos públicos ou vice-versa, para fins de implementação dos requisitos dos benefícios concebíveis pelos diferentes regimes nos quais são contemplados. Pressuposto lógico: reciprocidade e acerto de contas” (Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009).

A compensação é interessante porque ela se baseia no aproveitamento de tempo, o que pode acelerar um direito de aposentadoria.

Esse aproveitamento tem sido favorável no caso dos serviços concomitantes, o que é muito frequente na vida dos professores, por exemplo.

Os serviços são concomitantes quando alguém tem dois trabalhos ou mais em regimes diferentes, durante a mesma época.

É o caso do professor universitário efetivo das universidades públicas que ensina sem exclusividade, atendendo também em universidades particulares.

Neste exemplo, ele tem período tanto em regime próprio como no INSS. Você deve estar se perguntando agora sobre duplicidade na contagem e se isso não seria proibido, como acabei de te dizer.

Na verdade, quando existem dois trabalhos diferentes, existem também duas remunerações e, logo, duas contribuições.

Mesmo que a época seja a mesma, não é o tempo simplesmente que caracteriza a duplicidade, mas a unidade do trabalho e da contribuição que é contada duas vezes:

“PREVIDENCIÁRIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO CTC. ATIVIDADES CONCOMITANTES PRESTADAS SOB REGIMES PREVIDENCIÁRIOS DISTINTOS: POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DUPLICIDADE.

1. Possível a utilização, para a obtenção de aposentadoria pelo Regime Próprio da Previdência Social, do tempo de serviço em que a parte autora verteu contribuições em Regime Próprio diverso (art. 201, § 9º, da Constituição Federal).

2. Não há se falar de contagem de tempo de serviço em duplicidade, mas, tão-somente, de possibilidade de aproveitamento, em Regime Próprio estadual, de tempo de serviço público prestado em cargo público com contribuições vertidas para Regime Próprio diverso, não se subsumindo o presente caso à hipótese prevista no art. 96, II, da Lei 8.213/91.

(TRF4 5005972-93.2019.4.04.7001, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 12/11/2021)”.

Veja que apesar de falarmos bastante em contagem recíproca entre INSS e regime próprio, a compensação também pode ser feita entre regimes próprios diferentes.

Essa é a situação de servidores municipais, por exemplo, que passam em novo concurso público estadual ou federal e vice-versa.

Só por curiosidade, atualmente existem aproximadamente mais de dois mil institutos previdenciários voltados só para os servidores municipais, estaduais e federais no Brasil.

Certidão de tempo de contribuição (CTC)

Smiling young african american professionals discussing together over file on staircase at workplace
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Está muito claro hoje que sem a apresentação da certidão de tempo de contribuição para a contagem recíproca ela não vai acontecer, até porque um regime só tem ciência do tempo no outro depois de feita a averbação (inclusão formal) no prontuário do inscrito.

O problema existe mesmo quando a certidão já apresentada não é aceita porque o tempo, a autoridade emissora ou a atividade são questionados.

Ou seja, a certidão é dada por insuficiente e quando isso acontece o segurado precisa mover ação judicial:

(…) 2. não cabe ao INSS questioná-la [a certidão] porquanto restrita aos envolvidos na relação trabalhista e previdenciária próprias (Autora e Estado do Maranhão), restando a dúvida acerca do direito de se aproveitar, junto ao RGPS, aqueles efeitos previdenciários já reconhecidos no regime estadual. 3. A Lei 8.213/91 no artigo 94 dispõe sobre contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente. 4. A certidão expedida por órgão da secretaria estadual de saúde do Estado do Maranhão reconhece perante aquele regime de previdência, 3.317 dias de serviço. Trata-se de documento suficiente a averbação pretendida tendo em vista o preceito legal autorizativo citado. (…) (TRF1, AC 199737000038180, Processo: 199737000038180/MA, Relator(a) Juiz Federal Itelmar Raydan Evangelista (Conv.), Primeira Turma, Data da decisão: 25/08/2008, e-DJF1 04/11/2008, p. 14).

Outro problema recorrente que também gera ações judiciais é a recusa do INSS de entregar a CTC – certidão de tempo de contribuição -, sobre atividade especial para o regime próprio.

Apesar de a aposentadoria especial também existir no regime de servidores, o INSS não aceita validar o tempo sem um processo judicial.

O fundamento para a liberação da certidão está na súmula vinculante número 33:

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social (INSS) sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.”

O resultado dessa recusa é grave porque o servidor mesmo com o direito de aposentar pela especial no regime dele, somando os períodos em cada um, não consegue sem a emissão da CTC pelo INSS, que é o único órgão responsável pela entrega do documento pelo regime geral.

A boa notícia sobre esse assunto é que a instrução normativa número 128 de 2022 trouxe mais clareza a partir dos artigos 53 e seguintes, prometendo integração de dados com o INSS e com os regimes próprios:

“Art. 68. O INSS utiliza as informações constantes no CADPREV, como a vinculação dos agentes públicos e o histórico do regime previdenciário, para o reconhecimento do período de atividade do agente público, seja no RPPS ou RGPS, inclusive para atualização de dados no CNIS e emissão ou recepção de CTC.

Parágrafo único. Havendo divergência entre a legislação apresentada por qualquer ente federativo e o contido no CADPREV, ou, ainda, tomando conhecimento de novos elementos, tais como Leis, Decretos, entre outros, que ainda não constem nesse sistema, o INSS poderá solicitar à área competente da Secretaria de Previdência, os esclarecimentos, bem como orientar o ente federativo a encaminhar a legislação correlata para análise e manutenção do CADPREV, a cargo da Secretaria”.

Com o tempo e a implementação integrada das informações de segurado, a tendência é que o usuário não precise mais solicitar manualmente a CTC para depois entrega-la para o outro regime.

Pela base de dados vai ficar mais fácil a comunicação, mas por enquanto permanece a necessidade de solicitação e envio da certidão pelos próprios segurados.

Em caso de recusa do período certificado ou mesmo pela falta de certificação, o segurado do INSS ou dos regimes próprios pode judicializar.

Resumindo

Se você estava na dúvida se pode contar no regime próprio aquele período lá atrás, em que trabalhou recolhendo para o INSS ou, se aquele tempo de órgão público, já extinto, pode ser trazido para o INSS, a resposta é positiva.

Existia uma regra muito antiga de que os vinculados a regime próprio depois extinto, seriam automaticamente transferidos para o INSS, por isso vale muito a pena investigar em qual caso você entra e qual é a sua situação previdenciária.

Lembre-se sempre de que não existem regras sem exceções ou condições, por isso é sempre de grande importância analisar o seu caso individualmente, consultando sempre advogados da sua confiança.

Aline Fleury

Além de advogada, é entusiasta da vida acadêmica.

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