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Motorista de aplicativo e vínculo empregatício

Muito se fala sobre a existência ou não de vínculo empregatício do motorista de aplicativo e a plataforma que está cadastrado. Este tema chegou no Tribunal Superior do Trabalho – TST diversas vezes, porém, em análise recente houve uma inovação, o que pode ocasionar uma divergência de entendimento entre as Turmas do Tribunal e a criação de um novo precedente.

Antes de nos aprofundarmos na jurisprudência em questão, vamos entender melhor do que se trata exatamente o vínculo empregatício e como ele se configura. 

O que caracteriza o vínculo empregatício

O objeto de um contrato de trabalho é a prestação de serviço subordinado e não eventual do empregado ao empregador, diante do recebimento de salário, conforme o artigo 3º da CLT. Assim, a obrigação principal do empregador é realizar o pagamento do salário e do empregado prestar serviço. Para tanto, há elementos essenciais a serem preenchidos para a caracterização deste vínculo, quais sejam:

  • Pessoalidade: O contrato de trabalho é firmado com pessoa específica, ou seja, não pode o empregado fazer-se substituir, pois ele que foi contratado, devendo este ser pessoa física.
  • Onerosidade: O empregado deve prestar serviço e em contrapartida receber o salário pago pelo empregador. Assim, por exemplo, trabalhos voluntários não geram vínculo empregatício.
     
  • Não eventualidade: deve haver uma continuidade na prestação do serviço. A relação entre as partes perdura no tempo.
  • Subordinação: O empregado possui uma dependência em relação ao empregador, por quem é dirigido, recebe ordens e possui diretrizes a serem seguidas.
  • Alteridade: Quer dizer que o empregado não assume o risco do negócio e sim, quem assume é o seu empregador. Assim, presta serviço por conta alheia e não por conta própria.

Todos estes pressupostos devem ser preenchidos para que haja o vínculo empregatício, e isto gera muita dúvida quando analisado frente ao trabalho do motorista de aplicativo, o qual atualmente é considerado autônomo, porém, no Judiciário muito se discute sobre a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício destes trabalhadores. 

Divergência de entendimento entre as Turmas do TST

Divergencia de entendimento
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Por muito tempo prevaleceu no TST, o entendimento de que a relação entre a plataforma digital e o motorista não se caracteriza como relação de emprego, pois inexistentes os pressupostos para gerar vínculo empregatício.

Contudo, em dezembro de 2021 isto mudou, tendo em vista que um recurso que está pendente de julgamento está prestes a mudar o entendimento, pois ao chegar na 3ª Turma do TST, este por maioria formou o voto no intuito de reconhecimento do vínculo empregatício no caso concreto. Com isso, o terceiro desembargador pediu vista do processo o que ocasionou a prorrogação do julgamento.

A partir desse provável precedente, surge uma divergência de entendimento do tema entre as turmas do TST, o que vamos identificar a seguir.

Entendimento da 5ª Turma do TST

O processo de origem que tramitava perante o TRT – 2, em São Paulo, discutia o caso de um motorista que objetivava o reconhecimento do vínculo trabalhista, com a devida anotação na CTPS e o pagamento de verbas rescisórias, tendo em vista que esteve a disposição da plataforma de 2015 a 2016.

O TRT de origem reformou a sentença por entender estarem presentes os pressupostos para reconhecimento de vínculo, quais sejam a habitualidade, onerosidade, subordinação e pessoalidade, afastando o argumento da Reclamada quanto a inexistência de exclusividade tendo em vista que não é requisito da relação de emprego.

Por sua vez, ao recorrer da decisão, o TST reformou a decisão do Tribunal, em razão da flexibilidade que o próprio motorista havia mencionado, ou seja, poderia ficar offline, não havia delimitação de tempo, podia organizar sua rotina de trabalho da melhor forma para si. Para o relator, este fato mostrava-se incompatível com a relação de emprego, pois ausente a subordinação.

Ademais, enfatizou que o motorista havia aderido a um contrato de intermediação digital prestado pela empresa, onde ficaria com 75 a 80% do valor pago pelo usuário.

De forma unânime, a 5ª Turma deu provimento ao Agravo em Recurso de Revista da Reclamada, a fim de afastar o vínculo empregatício por evidente autonomia no exercício de seu trabalho.

Entendimento da 3ª Turma do TST

5 turma e vínculo empregatício
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O processo nº100353-02.2017.5.01.0066 chegou para análise da 3ª Turma do TST e está com data marcada para julgamento em 06 de abril de 2022. A importância desse julgamento se dá pelo entendimento divergente do que se está acostumado a ver no TST.

No caso concreto, fundamenta o Reclamante quanto a necessidade de reconhecimento de vínculo de trabalho com a plataforma, sendo que em 1º e 2º grau tal pretensão foi negada. Assim, recorreu ao TST, sendo distribuído o processo para a 3ª Turma que até então não havia se posicionado quanto ao tema.

O relator, Maurício Godinho Delgado, em seu voto afirmou que na realidade há um controle sofisticado pela plataforma. Considera ser uma prestação de transporte de pessoas em que há a gestão por parte de empresa de caráter mundial, que realiza um controle mais preciso que aquele previsto na CLT.

Ainda quanto à subordinação, afirma que há um controle de diversas fontes ao mencionar que os usuários podem entrar com a empresa para relatar aspectos do serviço prestado. Ademais, são extremamente controlados por algoritmos, rotas traçadas, controle via satélite.

Em relação ao fato de poder se desconectar, destaca que este fato não interfere pois isto não é estranho a CLT. Afirma que o que ocorre é um controle digital, contudo com algumas peculiaridades por conta do trabalho externo.

Este foi o voto do relator que conclui estarem presentes todos os requisitos para ver configurado o vínculo empregatício, o qual foi acompanhado pelo Ministro Alberto Bresciani.

A empresa em sede de sustentação oral alegou que nos autos resta claro que havia livre escolha por parte do motorista quanto a horário de trabalho, repouso, horas offline, sendo a sua vontade a que prevalecia.

Diante do pedido de vista, o julgamento encontra-se suspenso, contudo, considerando que são três ministros por Turma, independente do seu posicionamento já há maioria.

Neste sentido, há a necessidade de uma pacificação de entendimento do TST quanto ao tema, pois a sua repercussão gerará um tumulto no Judiciário e sérios reflexos na atuação da empresa no País.

Entendimento em outros países

Entendimento em outros países
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Essa discussão não é exclusiva do Poder Judiciário brasileiro, tendo em vista se tratar de uma rede mundial. Em diversos países este tema chegou aos Tribunais, e em cada um houve um posicionamento diferente, porém com repercussão geral. Vejamos alguns casos.

No Reino Unido, ficou pacificado o entendimento de que há sim vínculo empregatício e por conta disso, condenou a Uber a pagar salário mínimo e férias aos motoristas. Para eles, há uma “parassubordinação”, ou seja, os motoristas estão em categoria intermediária entre o autônomo e o empregado. Foi fundamentado que a empresa que determina preços, trajetos, o relacionamento com o passageiro por meio do aplicativo, ou seja, não é no todo livre para organizar sua jornada. Ficou, ainda determinado que a partir da primeira corrida é considerado o início da jornada de trabalho. 

Já no Japão, os motoristas de aplicativo se consideram como freelancers, não há uma discussão de vínculo empregatício, porém, a diferença é que lá há direito a um seguro acidente aos trabalhadores.

Na Alemanha o motorista de aplicativo é sim considerado empregado, tendo em vista o entendimento de que é empregado todo aquele que segue diretrizes da empresa no exercício do seu trabalho. Não há plena autonomia, pois ao aceitar uma corrida passa a ser controlado pela plataforma, que define seu trajeto, horários, preço. 

Percebemos assim, que em cada país há um posicionamento frente a suas leis e também costumes, devendo cada cenário ser analisado isoladamente.

Considerações finais

Considerações finais
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Para finalizar, importante deixar aqui registrado que os casos analisados neste artigo se referem ao caso concreto do processo em julgamento, não sendo um entendimento pacificado que gere repercussão em todos os casos semelhantes. Ou seja, na relação específica ali analisada foi aplicado o entendimento de haver ou não o vínculo empregatício que gerasse os direitos trabalhistas, na forma da CLT. 

Desse modo, a depender do entendimento da Turma e demais processos que cheguem ao Tribunal Superior, a existência de um precedente favorável ao motorista de aplicativo pode refletir em diversos processos. O que vai definir o resultado da causa, serão os argumentos utilizados e o entendimento da Turma que irá julgar o seu processo, até que seja pacificado o entendimento.

Welington Augusto

Advogado especializado em Direito do Trabalho focado nos direitos dos trabalhadores. Autor de artigos jurídicos e palestras, além de divulgar conteúdo em vídeo na internet sobre os direitos dos trabalhadores.

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