Falha na segurança do trabalho: o que acontece com a empresa?
Segurança do trabalho é toda medida que garante um ambiente profissional livre de prejuízos para a saúde do trabalhador. Acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais são hoje as principais causas de perda da capacidade para o trabalho e, consequentemente, do envio do trabalhador para a fila do INSS, por isso hoje vamos falar de falha na segurança do trabalho.
Apesar da impossibilidade de continuar uma atividade, ainda que temporária, a realidade é que o INSS tem negado a maioria dos pedidos de benefícios por incapacidade feitos ao órgão de Previdência nos últimos anos.
Como resultado, isso tem trazido o esgotamento da renda do trabalhador, que se vê sem benefício por todo o tempo que envolve espera de perícia e análise do benefício, e, também, sem remuneração, que deixa de cair a partir do décimo quinto dia de afastamento, diante da suspensão do contrato de trabalho.
Considerando esse contexto, todo mundo sai ganhando com o desenvolvimento amplo em segurança do trabalho: ele evita o empobrecimento do trabalhador e a perda da capacidade de trabalho dele, evita a responsabilização financeira das empresas e, ainda, a sobrecarga do órgão Previdenciário.
A segurança do trabalho é, portanto, acima de qualquer coisa, uma atividade de prevenção e gestão de danos no ambiente de labor, também servindo de fundamental esteio social para a classe trabalhadora. Veremos a seguir no que consistem as medidas de segurança do trabalho.
O que é e qual o objetivo da segurança do trabalho?
Para entender o que é falha na segurança do trabalho, primeiro precisamos entender “segurança do trabalho”: segundo a lei número 8.213/91, ela representa um conjunto de medidas coletivas e individuais de proteção da saúde do trabalhador e ela é importante porque todo trabalho traz riscos de operação, fazendo com que os trabalhadores lidem com a possibilidade de adoecer com o ambiente (doenças do trabalho), seja pela exposição nociva ou pelo desgaste da rotina repetitiva.
Imagine um balconista de farmácia que atenda de segunda a sábado durante todo o dia. Com o tempo, a rotina, não necessariamente perigosa, insalubre ou excessiva gera naquele funcionário grave deficiência de vitamina D, responsável por causar tontura, fraqueza e fadiga muscular, afastando o trabalhador temporariamente.
A falta de exposição solar por conta de uma rotina que exige essa falta é um risco operacional que adoeceu esse funcionário, e que foi promovido pela forma como organizamos o trabalho. Nem todo mundo adoece, nem todo mundo se acidenta, e por isso, falamos apenas de riscos operacionais e ocupacionais e não de uma certeza.
Cada organização precisa pensar em soluções criativas porque nem todo ambiente passa pelas mesmas limitações e riscos na segurança do trabalho. Isso se reflete nos equipamentos de proteção em que ela deve investir, nos cursos de capacitação e aprimoramento em segurança do trabalho e nas atividades de bem-estar e saúde mental. Aliás, a saúde integral tem sido o foco das empresas mais avançadas em termos de segurança organizacional.
Sendo isso o que constituem medidas de segurança, o principal objetivo é reduzir os riscos de acidente e adoecimento por questões ligadas ao trabalho, lembrando ser também de responsabilidade do negócio prevenir a piora e os efeitos de concausa da incapacidade de funcionários que já trouxeram doenças ou lesões anteriores à contratação. Nesse caso, o ambiente do trabalho deve adaptar o funcionário para não agravar o problema.
Responsabilidade pela segurança do ambiente profissional e garantias
Já deve ser da sua intuição de que as regras de segurança do trabalho devem ser de responsabilidade de quem criou esse ambiente de produção, mas isso não quer dizer que não cabe aos empregados colaborar positivamente para a própria saúde.
Para cumprir normas de segurança e higiene do trabalho o empregador deve dar essa oportunidade aos colaboradores, investindo em bons equipamentos e promovendo um local saudável, no entanto, se um funcionário se recusa a exercer esse direito, o prejuízo que venha a sofrer também se torna responsabilidade sua.
Existem várias normas regulamentadoras, como a de número doze, sobre segurança no trabalho e, essa, trata de máquinas e equipamentos. Ela disponibiliza instruções para arranjos, instalações e pontua riscos adicionais de utilização de equipamento e ergonomia, além de tratar de sinalização e capacitação para a operação.
A seguir vamos listar algumas providências em segurança do trabalho que garantem um local mais harmônico e menos suscetível aos problemas ocupacionais:
- Adaptadores ergonômicos para o conforto anatômico do corpo;
- Tecnologia assistiva para acessibilidade de pessoas com deficiência ou limitações orgânico-funcionais;
- Cursos e treinamentos para manuseio de equipamentos de trabalho;
- Fiscalização no uso de equipamentos de proteção;
- Garantia de pausas, descanso semanal e férias remuneradas;
- Incentivo às atividades físicas;
- Socialização e integração no ambiente de trabalho.
De acordo com a Constituição Federal, artigo 22, I, a legislação sobre normas de segurança do trabalho e saúde do trabalhador é privativa da União, isso significa que a legislação local não tem poder sobre o tema, que é de porte federal. “Diante disso, foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 4.735/2006 do Estado do Rio de Janeiro pela ação número 3.811, no ano de 2020 que tratava de normas nesse sentido (Informativo 984, Plenário Virtual)”.
Por fim, cabe mencionar o papel do “médico da empresa” ou do médico do trabalho. Muitas vezes, a diferença de prerrogativa entre ele e um perito federal do INSS promove divergências de opinião quanto à aptidão para o trabalho.
A jurisprudência brasileira tem optado por dar prioridade ao parecer do INSS, por isso diante de uma alta do órgão previdenciário a empresa não pode negar o retorno do trabalhador por ordem do médico da empresa ou condicionar esse retorno aos atestados médicos particulares:
“LIMBO PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. COMPROVAÇÃO DE INCAPACIDADE LABORATIVA PARCIAL. DEVER DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. SALÁRIOS DEVIDOS. (…) Na hipótese de a empresa discordar do posicionamento do INSS, cabe a ela e não ao empregado questionar judicialmente o referido ato administrativo, o qual detém fé pública, e nunca se balizar por ASOs (atestado de saúde ocupacional) e exames clínicos elaborados por médicos particulares para negar o direito do trabalhador à subsistência. (Processo: RO 000001954620175220003)”
Infelizmente, o contrário ainda é muito comum, e o empregado precisa judicializar para conseguir manter sua subsistência sempre que a empresa não aceitar seu retorno ao trabalho.
Equipamentos de proteção e acidentes do trabalho
Equipamentos de proteção são dispositivos físicos que atenuam ou eliminam os riscos ambientes à segurança do trabalho.
Temos por exemplo os óculos de solda para a proteção dos olhos, mangas, chapéu e filtro solar para exposição solar, protetor auricular para ruídos perigosos e luvas para risco elétrico. Botas, macacões impermeáveis, coletes de visibilidade, abafadores, capacete e proteção respiratória. Tudo depende muito da função exercida e do nível de ameaça que esse exercício proporciona para a escolha do EPI adequado, ou equipamento de proteção individual.
Já o EP coletivo muitas vezes pertence à própria infra-estrutura do local, como rampas de acesso, corrimãos, climatizadores e isolamento acústico. Neste caso, a intenção é a saúde do grupo e a avaliação desses dispositivos requer pontos de risco em comum.
Agora a dúvida é sobre quem paga por isso. Apesar de algumas empresas jogarem essa responsabilidade pra cima do funcionário é delas a obrigação em custear esses equipamentos de proteção, de acordo com a norma regulamentadora número seis.
Além desse dever, o provedor deve ensinar e instruir no que se refere aos cuidados de guarda e conservação do equipamento pelo funcionário, o que nos leva ao próximo tópico.
Posso me recusar a utilizar equipamentos de proteção ou a fazer cursos de treinamento?
Nem só de direitos vive o cidadão. É direito do empregado ser resguardado no ambiente de trabalho e gratuitamente, mas em contrapartida, responde pelos deveres relacionados a esse direito.
A responsabilidade de cuidar dos equipamentos que lhe são confiados pode existir se o trabalhador assina termo de responsabilidade ou age com má-fé para danificar os aparelhos. Esses deveres devem ficar claros por escrito e em linguagem acessível, e o empregado deve sempre ser informado sobre o que é colocado para assinar, do contrário há brechas para discutir a validade do documento na Justiça.
Segundo a norma regulamentadora número seis, o funcionário comete infração ao se recusar a aderir às normas e uso de equipamento de proteção. Acompanhe a leitura:
“NR 6.7.1 Cabe ao empregado quanto ao EPI:
a) usar, utilizando-o apenas para a finalidade a que se destina;
b) responsabilizar-se pela guarda e conservação;
c) comunicar ao empregador qualquer alteração que o torne impróprio para uso; e,
d) cumprir as determinações do empregador sobre o uso adequado.”
O trabalhador que se recusa a utilizar os equipamentos fornecidos e vem a se acidentar por falta de proteção pode ser prejudicado e não conseguir ser indenizado por ter culpa exclusiva no acidente.
Em uma decisão de 2020, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região votou por afastar qualquer tipo de indenização em favor de trabalhador acidentado, que tinha recebido óculos de proteção apenas 15 dias antes do ocorrido, mas que negligenciou a utilização do aparelho no momento do acidente. A decisão pode ser acessada na íntegra aqui.
Por tudo isso, proteger-se é um direito importante para o trabalhador e só tem a lhe beneficiar, funcionando como fundamental garantia numa eventual discussão sobre responsabilidade civil, perdas e danos.
Medidas de segurança do trabalho durante a COVID-19
Não foi segredo para ninguém que no início da pandemia as coisas ficaram bastante caóticas em termos de logística hospitalar, principalmente no que diz respeito ao sistema público de saúde, onde já era enfrentada a escassez de recursos.
Diante desse cenário eclodiu a pandemia por COVID-19 trazendo extrema insegurança biológica aos locais de trabalho, sobretudo nos ambientes médico-hospitalares. Decorrente disso, assistimos a várias decisões liminares na Justiça para obrigar os empregadores a adotarem medidas sérias de higiene e proteção respiratória, tanto para coibir o adoecimento dos colaboradores de serviço essencial como para romper com ciclos de transmissibilidade fora desses locais de contaminação concentrada.
No alto do segundo ano pandêmico, já existem recomendações oficiais no sentido de gerar segurança do trabalho durante a pandemia. Posturas até então indiferentes se tornaram pelo senso prático ações de controle de patologia, como as que eu te apresento a seguir:
- Higiene das mãos e etiqueta respiratória;
- Distanciamento social;
- Afastamento dos grupos de risco do trabalho presencial;
- Vedação de compartilhamento de equipamentos de proteção, entre outros.
Lembrando que não basta fornecer qualquer equipamento, ele precisa ser adequado e eficaz. “As máscaras cirúrgicas e de tecido, por exemplo, não são consideradas EPI (equipamento de proteção individual) nos termos definidos na Norma Regulamentadora nº 6 e não substituem os EPI para proteção respiratória, quando indicado seu uso”.
Por fim, o tema exige do trabalhador cooperação, tendo sido admitido nos últimos meses que funcionários sejam dispensados por justa causa se recusarem, por mais de uma oportunidade, a vacinar contra a COVID-19. Apesar do ambiente íntegro ser de responsabilidade do empregador, a vacina, ainda que possivelmente obrigatória, não pode ser forçada, por isso depende do trabalhador tomar iniciativa para providenciar a imunização.
Independentemente do motivo, a justa causa, por ser muito prejudicial ao empregado, deve ser utilizada como último recurso, após outras medidas serem adotadas internamente. Como sugestão, o empregado que se recusa a vacinar pode topar um acordo rescisório, ser mantido em home office ou demitido sem justa causa, o que vai depender do código de conduta da empresa e da escolha ética do empregador.
Segurança do trabalho e adicional de insalubridade
Um bom equipamento de proteção impede que eu receba adicional de insalubridade ou periculosidade? Vamos utilizar um exemplo.
Imagine que abafadores de última geração retirem qualquer exposição do trabalhador ao ruído acima da tolerância da lei. Do ponto de vista prático, isso neutraliza o agente insalubre, como fica o adicional nesse caso? Recebo ou não recebo?
A melhor resposta é depende. Isso depende muito do evento prático, ou seja, dos riscos ambientais específicos de cada estrutura de trabalho e do equipamento efetivamente fornecido. Traduzindo, depende do grau de risco da função e do lugar, mas também da capacidade de proteção contra danos, mas lembro a você que risco não é igual a dano, e mesmo com redução de riscos, um dano pode ocorrer. É o caso do trabalhador que ao manusear uma britadeira sofre golpe nos óculos de proteção com perfuração da córnea.
Nesta situação, ainda que não receba adicional de insalubridade, deve ser indenizado pelos danos de um acidente do trabalho. Entende a diferença agora?
Para concluir
Na linha do que vimos hoje, a segurança do trabalho é a possibilidade de continuar em atividade sem ter de comprometer a capacidade de trabalhar, por lesões ou complicações de saúde relacionadas à profissão.
É o direito de trabalhar sem ter de abdicar do bem-estar e da integridade física, moral e emocional. Sendo direito do empregado, é dever do empregador dar a oportunidade de exercê-lo e cobrar seu exercício para eximir-se da responsabilidade de fazê-lo.
Sempre que o local ofereça risco ou negligencie equipamentos de proteção, os funcionários podem denunciar tal conduta e buscar a reparação de eventuais danos na Justiça do Trabalho. Para isso, é indispensável a consulta de um advogado especializado na área para evitar prejuízos ao trabalhador.