Covid-19 é considerado doença ocupacional?
Para entendermos se o COVID-19 é considerado doença ocupacional, precisamos entender o conceito de doença ocupacional ou profissional. Vejamos:
Doença ocupacional ou profissional é aquela intimamente ligada às condições de trabalho e à atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador. Para o Direito do Trabalho é fundamental assegurar a saúde e a segurança do empregado, assim, existem normas jurídicas direcionadas às doenças ocupacionais e aos acidentes de trabalho. Essa definição é importante para compreendermos se o Covid-19 é considerado doença ocupacional.
Acidente de trabalho, de acordo com o artigo 19 da Lei nº 8.213/91, é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
A lei entende como acidente de trabalho o que ocorre no próprio ambiente em que é desenvolvido o ofício, o acidente ocorrido no percurso de casa para o trabalho e vice-versa e a doença ocupacional. As doenças ocupacionais são consideradas como acidente de trabalho e se dividem em doenças profissionais e do trabalho.
- Doenças Profissionais: são resultantes de exercício do trabalho peculiar a determinada atividade laboral, comum a uma categoria de trabalhadores.
- Doenças do Trabalho: são aquelas adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado. Isto quer dizer que são doenças adquiridas por conta do ambiente insalubre em que é desenvolvido o ofício do trabalhador.
Não são consideradas como doença do trabalho, de acordo com o artigo 20 da Lei nº 8.213/91 a doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não produza incapacidade laborativa, a doença endêmica adquirida por habitante de região em que ela se desenvolva (salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho).
O que mudou nas MPs 927, 936 e Lei 14.020/2020?
Já que a MP 927/2020 não foi convertida em lei dentro do prazo previsto no processo legislativo, a partir do dia 20 de julho de 2020 voltaram a valer as regras da CLT, o que não afeta as decisões realizadas dentro do prazo de vigência da MP.
Quando em vigor, a MP 927 permitia algumas medidas que poderiam ser adotadas pelos empregadores sobre teletrabalho, férias individuais e coletivas, banco de horas, suspensão do contrato de trabalho, antecipação de férias, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, entre outros.
Algumas das principais mudanças foram: a impossibilidade de o empregador determinar unilateralmente a alteração do regime de trabalho de presencial para teletrabalho; os bancos de horas voltam a ter os prazos da CLT (seis meses para acordo individual e um ano caso seja acordo coletivo).
Também não é mais possível a concessão de férias para períodos aquisitivos ainda não adquiridos por direito; o pagamento do bônus de 1/3 de férias e do abono pecuniário voltam a ser pagos na forma do artigo 145 da CLT.
As férias voltam a ser comunicadas ao empregado com 30 dias de antecedência e não mais com 48 horas e a fiscalização do trabalho volta a atuar de maneira ampla, não mais apenas voltada para orientação.
Já a MP 936, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda foi convertida na Lei nº 14.020/20, com aplicação durante o estado de calamidade pública provocado pela pandemia de COVID-19.
O referido Programa Emergencial tem por objetivo reduzir o impacto econômico e social causado pela pandemia, garantindo a continuidade das atividades laborais e empresariais e preservando o emprego e a renda.
Algumas das principais medidas do Programa são o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Há ainda na nova Lei a possibilidade de empregado contaminado pelo novo coronavírus optar pela repactuação das operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil, desde que hajam algumas condições estabelecidas no artigo 25 e seus incisos da Lei nº 14.020/20.
Qual foi o posicionamento do STF?
Quando da publicação das Medidas Provisórias que objetivavam contornar os desgastes econômicos e sociais provocados pela pandemia, houve muitas críticas a determinados pontos. Resultado disso foi o ajuizamento de sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra a MP 927. Todas apontando afronta aos direitos fundamentais dos trabalhadores, argumentando que se o conteúdo do texto fosse mantido, a consequência seriam demissões sem justa causa.
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas por:
- Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354);
- Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346);
- Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342);
- Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349);
- Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348);
- Partido Solidariedade (ADI 6352); e
- Rede Sustentabilidade (ADI 6344).
Em 29 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela suspensão da eficácia do artigo 29, que não considera como ocupacionais os casos de contaminação pelo coronavírus (exceto mediante comprovação do nexo causal); e do artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho somente à atividade de orientação, com exceção de algumas situações (falta de registro de empregado, risco iminente, ocorrência de acidente de trabalho fatal, trabalho em condições análogas à da escravidão ou trabalho infantil).
Resumidamente, a decisão dos Ministros foi a seguinte:
O relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado pelos ministros Dias Toffoli (presidente do STF) e Gilmar Mendes votou pela manutenção do texto da MP 927, por entender que a medida visa atender uma situação emergencial e preservar empregos, não havendo ofensa a regra constitucional.
Contudo, prevaleceu o voto contrário iniciado pelo ministro Alexandre de Moraes, defendendo que o texto dos artigos 29 e 31 vão de encontro à finalidade da MP 927, que visa perpetuar o vínculo trabalhista. Na interpretação do ministro, o artigo 29 ofende inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos ao perigo da doença. Já o artigo 31 “atenta contra a saúde dos empregados, não auxilia o combate à pandemia e diminui a fiscalização no momento em que vários direitos trabalhistas estão em risco”. Acompanharam o voto os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lucia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos votos, optou pela possibilidade de caracterização da COVID-19 como doença ocupacional, cabendo ao empregado comprovar o nexo de causalidade.
O nexo de causalidade ou nexo causal é o vínculo existente entre causa e efeito. Comprovar a existência do nexo causal significa dizer que a doença ocupacional (no caso, a COVID-19) é a causa da incapacidade para o trabalho.
Isto quer dizer que a contaminação do trabalhador pelo coronavírus torna-se responsabilidade civil do empregador (ele é quem precisa provar o nexo de causalidade), ficando suspenso o artigo 29 da MP 927.
Não significa que o STF tenha reconhecido a COVID-19 como doença ocupacional, mas sim que foi afastada a regra de que não existia essa possibilidade.
O Supremo entendeu, portanto, que trabalhadores de atividades essenciais estão desincumbidos de provar o nexo de causalidade entre a contaminação e a atividade laboral. Por outro lado, caso a empresa não comprove o nexo, a COVID-19 será considerada doença ocupacional.
O que o trabalhador deve fazer se não for emitida a Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT?
Para a comprovação de que um trabalhador foi vítima de doença ocupacional é necessária a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), documento que comprova a existência de uma doença ocupacional ou de um acidente de trabalho.
Sendo a Covid-19 considerada doença ocupacional, Souza Júnior et al (2020) esclarece que algumas consequências surgirão:
a) garantia de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 378 do Tribunal Superior do Trabalho;
b) obrigatoriedade de emissão de CAT, nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.213/91;
c) possível responsabilidade civil do empregador, que poderá ensejar o pagamento de danos morais e materiais ao empregado e/ou aos seus familiares.
Em relação aos trabalhadores de atividades essenciais, que estão em contato direto com o público, e portanto, mais sujeitos à infecção devido à natureza de seu ofício, caso contraiam a COVID-19, essa doença se equipara a doença ocupacional, o que resulta na emissão da CAT pelo empregador.
Ainda de acordo com Souza Júnior et al (2020), a não emissão de CAT em caso de suspeita de nexo entre o trabalho e adoecimentos acarreta subnotificação, prejudicando as estatísticas e o monitoramento das doenças no ambiente de trabalho, dificultando assim o planejamento de medidas preventivas, violando os artigos 5º, caput, III e XXII, 6º, 7º, caput e XXII, 170, 193, 196, 200, VIII, e 225 da Constituição Federal.
Quando a empresa não emite o CAT, o sindicato pode fazê-lo e até mesmo o próprio trabalhador ou seus dependentes. O documento, poderá ser emitido pela internet, através do site da Previdência Social ou presencialmente, nas agências do INSS.
Para emitir o CAT através da internet, basta acessar o site do INSS e seguir as instruções.
Importante atentar para o fato de que o empregador tem o dever de registrar o CAT, comunicando à Previdência o ocorrido. Ainda que o trabalhador ou o sindicato façam esse registro, isso não libera a empresa dessa obrigação.
A empresa pode demitir o trabalhador infectado?
A Medida Provisória 927/2020, que perdeu sua validade em 20 de julho de 2020, permitia que após a licença médica, o trabalhador que tivesse contraído o coronavírus fosse demitido assim que acabasse esse período de licença.
Como a MP caducou, entende-se valer o mesmo de antes, ou seja, o trabalhador possui garantia de estabilidade durante 12 meses após o retorno de sua licença médica.
Garantias da Lei nº 14.020/20
A Lei nº 14.020/20 garante provisoriamente o emprego do trabalhador que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, de acordo com as regras do artigo 10 e seus incisos da referida Lei.
Se a dispensa sem justa causa ocorrer durante o período citado (redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho), o empregador deverá arcar com o pagamento das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, além da indenização, que varia de acordo com a garantia provisória do emprego e a hipótese de redução de jornada de trabalho (art. 10, § 1º, I, II e III). Excetuando-se a condição de demissão por iniciativa do empregado.
O trabalhador infectado por COVID-19 tem direito ao auxílio-doença?
As regras de concessão do auxílio doença estão previstas no artigo 59 da Lei 8.213/91 que estabelece o pagamento do benefício quando o trabalhador permanecer afastado de suas atividades laborais por um período superior à 15 dias.
Após o período inicial de 15 dias o trabalhador deve ser submetido a uma perícia médica no INSS e caso seja constatado a sua incapacidade temporária para retornar às suas atividades laborais, será concedido o benefício de auxílio por incapacidade temporária.
O fato do trabalhador ser infectado pelo coronavírus não significa, necessariamente, que o benefício por incapacidade será concedido. Para o INSS o trabalhador tem que demonstrar que os efeitos colaterais do vírus o incapacita para realizar as suas atividades habituais. Uma vez provada a incapacidade para o exercício de seu trabalho, o auxílio será concedido ao trabalhador e o pagamento permanecerá até que ocorra a recuperação total para o retorno ao trabalho.
Havendo qualquer medida de combate à pandemia como o isolamento e a quarentena especificados na Lei 13.979/2020, a falta ao trabalho será justificada e não poderá ocorrer qualquer desconto no salário do trabalhador.
Considerações finais
Como analisamos, a Decisão do Supremo Tribunal Federal suspendeu o artigo 29 da Medida Provisória nº 927/2020, em que casos de contaminação pelo novo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto da comprovação do nexo de causalidade.
Assim, o Supremo considerou a possibilidade de a COVID-19 ser doença ocupacional. Na prática, essa decisão inverte o ônus da prova para o empregador, isto é, é a empresa que deverá provar que toma todas as medidas de prevenção e combate ao coronavírus e que o empregado não poderia ter contraído a doença devido às condições de trabalho.
Essa situação levanta alguns questionamentos como: De fato é possível afirmar onde e como determinado trabalhador se contaminou? Não seria onerar demais as empresas que buscam se manter em meio à crise econômica? É possível para a empresa garantir que as medidas sanitárias adotadas são extremamente seguras a ponto de manter o trabalhador em total segurança? E para o trabalhador que diariamente corre o risco de se contaminar essa é uma medida razoável?
São muitos contextos e peculiaridades que precisarão de respostas do judiciário, ainda mais em se tratando de um vírus sobre o qual ainda há bastante desconhecimento, apesar dos estudos. Sigamos acompanhando as futuras atualizações legislativas e as demandas dos cidadãos diante de situações tão incomuns quanto às provocadas pela pandemia do novo coronavírus.