A empresa descontou os dias de atestado médico, e agora?
Nem sempre o atestado médico blinda o trabalhador contra descontos no salário, e é bom entendermos que às vezes o desconto não é por má-fé do empregador, mas por falta de informação do empregado ou pela ausência do documento médico.
Eu sei que imprevistos acontecem, mas mesmo que de última hora, a mensagem por texto ou telefone não são suficientes para evitar o desconto do salário, por isso o atestado médico é indispensável.
Em tempos de COVID-19, é recorrente o afastamento do trabalho pelo atestado médico, o que não só protege a remuneração do empregado em relação à empresa, como dá informações complementares e embasamento ao INSS para a concessão de benefícios por incapacidade do trabalhador. Veremos o que deve ser feito se o desconto acontece mesmo diante da falta justificada.
A empresa pode descontar do salário as faltas justificadas?
O atestado médico vale para justificar a falta ao trabalho, e quem diz isso é a lei número 605/49.
Segundo o artigo 6º da lei, a remuneração será devida se a falta for justificada por doença do empregado, desde que comprovada. A comprovação, como nos esclarece o parágrafo 2º do artigo 6º, será:
“[…] mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado (INSS), e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”
Desta forma, o atestado médico devidamente apresentado não pode gerar desconto da remuneração pelo prazo que indicar de afastamento para tratamento, exceto se ocorrer divergência de opinião médica entre o médico consultado pelo empregado e pelo médico da empresa ou do INSS, como veremos na sequência.
De qualquer maneira, o dia da consulta ao médico ou da realização de exame não poderá ser descontado.
Em razão de ação anulatória com recurso para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal decidiu, no ano de 2019, que a empresa que obrigar a menção do número CID no atestado do empregado para abonar a falta (validar o documento) viola garantias constitucionais e está errada.
A Corte considera que o atestado de médico habilitado tem presunção de veracidade e que a classificação CID só deve constar a pedido do trabalhador, porque a menção expressa de doença viola o sigilo médico entre paciente e profissional e expõe a constrangimento a imagem e vida privada do trabalhador (processo número RO – 213-66.2017.5.08.0000).
O entendimento aplicado na decisão judicial foi também corroborado pelo parecer número 05/2020 do Conselho Federal de medicina, em que se formulou o seguinte posicionamento:
“Informações médicas são sigilosas e privativas do paciente, sendo que sua divulgação somente ocorre com seu consentimento formal, exceto em cumprimento de determinação judicial, quando, nesse caso, o sigilo ficará sob a guarda do Juízo solicitante.”
Agora um detalhe que não pode passar batido é que só o médico ou o odontologista podem emitir atestado médico, por isso nada de declaração de enfermeiros, técnicos de imagem ou de auxiliares, pois a empresa pode se recusar a aceitar (Lei 3.268/57).
O médico da empresa pode diminuir os dias de atestado?
Pode, porque ele é igualmente habilitado em matéria médica. Mas reduzindo o número de dias indicados para o afastamento do trabalho, ou opinando em contrário ao primeiro atestado, o médico da empresa assume toda a responsabilidade pelo acompanhamento do paciente, devendo justificar circunstancialmente o que motiva sua declaração profissional divergente.
A categoria médica em sua normativa, reconhece que o atestado médico traz efeitos jurídicos, principalmente no campo da Previdência Social e trabalhista. Segundo a regulamentação normativa de alguns conselhos regionais, aliás, como a do estado de São Paulo, o médico deve evitar dar atestados sem critério. Veja o Parecer da CREMESP número 38.981/07:
“Não existe limite para emissão de Relatórios Médicos, entretanto, deve ser observado o bom senso, evitando-se a emissão de relatórios sem fatos novos que o justifiquem desde a última consulta ou relatório”.
Ainda dentro do tema, o Conselho Regional de Sergipe elaborou um parecer de resposta à consulta, no sentido de que “o médico não necessita ser especialista para emitir atestado médico com CID da especialidade”, o que recai com muita propriedade na situação do médico da empresa, profissional que não acumula todas as especialidades médicas com demanda no ambiente de trabalho (parecer CREMESE Nº 006/2019).
Por isso, o médico do trabalho poderia divergir dos especialistas, ao revisitar a análise clínica completa do trabalhador, principalmente se ele tem maiores condições de acesso aos registros antigos, relatórios sobre outros afastamentos ou intercorrências médicas.
De qualquer modo, a divergência prejudicial ao trabalhador sempre pode ser levada à discussão na Justiça.
Se eu apresento atestado médico e mesmo assim meu salário é descontado, a quem devo recorrer?
O caminho mais rápido e mais fácil é sempre tentar resolver internamente com o próprio empregador ou com o departamento de recursos humanos da empresa.
Pode acontecer, por exemplo, do trabalhador só se lembrar de apresentar o documento após o fechamento das folhas de pagamento, e por isso se surpreender com um desconto que pode ser contornado.
De acordo com a resolução n° 1658/2002 do conselho federal de Medicina, o atestado médico válido deve:
- Identificar o paciente;
- Estar legível;
- Indicar o tempo de afastamento recomendado;
- Conter a assinatura do médico com número de registro profissional e data.
Se o departamento de recursos humanos da empresa ou o empregador se recusam a acatar o atestado válido, o empregado pode apresentar a questão ao Sindicato ou denunciá-la como violação trabalhista à pasta de Trabalho, emprego e Previdência do Governo Federal.
Outro caminho é a via judicial, principalmente se houve rescisão do empregado com o desconto irregular das faltas justificadas sobre as verbas rescisórias. Lembro que a falsificação de atestado médico é crime, e está previsto no artigo 302 do Código penal, além de poder fundamentar a demissão por justa causa do falsário.
Falta justificada por atestado e férias
A falta justificada por atestado médico válido além de não gerar desconto na remuneração não pode prejudicar o direito de férias do trabalhador.
Observe o que diz o artigo 130 da CLT:
“Art. 130: Após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção:
I – 30 dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes;
II – 24 dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas;
III – 18 dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas;
IV – 12 dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas.”
E o artigo seguinte, 131 da CLT:
“Art. 131 – Não será considerada falta ao serviço, para os efeitos do artigo anterior (concessão de férias), a ausência do empregado: […]
IV – justificada pela empresa, entendendo-se como tal a que não tiver determinado o desconto do correspondente salário.”
Por isso é fundamental que o trabalhador apresente o atestado médico o mais rápido possível e tome o cuidado de reservar para si uma cópia dos documentos que entregar para a empresa, porque além do desconto no salário ele também pode ter outros direitos trabalhistas injustamente afetados, como o direito às férias.
Reforma trabalhista e atestado médico
A reforma trabalhista praticamente não alterou o regime de justificativa de faltas com atestados médicos. A mudança mais significativa diz respeito às gestantes, que podem prorrogar o salário maternidade por duas semanas mediante atestado médico e se afastar das funções insalubres no trabalho.
Aliás, o atestado médico que era exigido para o afastamento da atividade insalubre pela gestante, foi derrubado pela ADI número 5938 após a reforma trabalhista, veja a nova redação do artigo 394-A da CLT:
“Art. 394-A, CLT: Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo;
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau durante a lactação”.
Por essa razão, desde a confirmação da gravidez, a gestante e a lactante devem ser realocadas para outra função não insalubre, sem prejuízo do adicional de insalubridade. Independentemente de atestado médico, a remuneração não pode ser descontada nesse caso.
Notas conclusivas
O atestado é documento do profissional habilitado médico ou odontólogo. O dia da emergência nunca pode ser descontado do salário, salvo se houver suspeita de fraude ou falsificação, excepcionalmente.
Em caso de suspeita do empregador ele deve tentar entrar em contato com o médico ou o dentista responsável antes de tomar qualquer outra medida.
Quanto ao prazo de afastamento, e tratamento indicado, o atestado médico pode entrar em desacordo com a opinião do médico da empresa, que prevalecerá diante de justificativa concreta e da responsabilidade sobre as indicações e posturas realizadas em detrimento do primeiro atestado.
O afastamento de até 15 dias consecutivos é pago pelo empregador, que mantém a remuneração normal mediante a apresentação do atestado. A partir de então, se a incapacidade persiste, o empregado deve ser encaminhado para a perícia médica do INSS para o requerimento do auxílio-doença.
O atestado médico será de suma relevância não só para a empresa como para a própria perícia do INSS, que o utiliza como um recurso de apoio para seus pareceres internos. Em caso de dúvidas trabalhistas e previdenciárias não deixe de entrar em contato com um advogado especialista.