Trabalhista

Descontos ilegais no salário

Apesar de o salário ser a principal obrigação trabalhista dos patrões, tem sido muito banal ver o valor contratado desrespeitado ao verificar o contracheque. Isso porque os descontos ilegais no salário podem acontecer de várias formas, inclusive sutilmente.

É por isso que o salário nominal, o valor que você combina desde o início, quase nunca bate com a realidade naquele mês em que você adoece, risca o carro da empresa por acidente, ou troca de função.

Tirando os descontos obrigatórios, de INSS e imposto de renda, a regra é que nenhum desconto possa ocorrer sem a autorização do trabalhador e previsão legal, mas não é bem assim que acontece e o fator surpresa tem assombrado os funcionários.

Vamos ver hoje como identificar um desconto indevido no salário, mesmo aqueles mais discretos, quando o abate é feito em pequenos valores e sem explicações.

Mas primeiro vamos esclarecer qual a principal regra do não desconto.

Descontos ilegais por falta de autorização

Descontos ilegais por falta de autorização
Descontos ilegais no salário 4

O artigo 462 da CLT mostra a diferença entre descontos ilegais e descontos legais, o desconto para estar dentro da lei deve se referir a:

  • Adiantamento de salário;
  • Acordo coletivo (consultar o sindicato da categoria);
  • Descontos obrigatórios (IR e INSS);
  • Descontos autorizados pelo trabalhador;
  • Até 70% do valor do salário para compensar bens e serviços pagos diretamente pelo patrão/empresa, com previsão legal.

Na prática, a falta de comunicação dos descontos para o empregado tem refletido um descontrole salarial. De qualquer forma, é bom estar atento porque são comuns os erros de cálculo e isso pode ser contornado no departamento financeiro ou pessoal.

O primeiro sinal de irregularidade pode ser percebido quando o dono do negócio deseja repassar os custos e os prejuízos da atividade comercial para o trabalhador, diminuindo os próprios gastos de rotina e, de quebra, economizando na folha de pagamento.

Isso é notado, por exemplo, quando um comerciante desconta do funcionário vendedor o valor de produtos vencidos. A não ser que ocorra uma situação específica de fraude, cabe ao comerciante zelar pelo próprio negócio cuidando das operações de logística.

Nunca é demais lembrar que o salário é apenas uma “retribuição” ou “contrapartida” de um trabalho ou serviço prestado, e não uma condição que depende do sucesso de quem está te pagando.

Indo bem ou mal nos lucros, com ou sem prejuízo, o salário do empregado precisa existir se ele trabalha.

É por isso que no caso do comerciante, a perda do produto por uma questão operacional, sem qualquer tipo de controle pelo empregado está no risco de mercado, e por isso, não deve influenciar no salário-base do funcionário.

O problema tem sido maior com os descontos fantasmas, os descontos sem aviso e de pequeno valor nos adicionais que não afetam o salário-base, como vale-refeição e insalubridade.

Evitando maiores constrangimentos, os funcionários desistem de argumentar ou questionar o que se passa e, infelizmente, isso alimenta a prática dos descontos ilegais, até porque os pequenos descontos não valem uma briga judicial.

Até certo ponto.

O que eu preciso autorizar?

Alguns descontos, mesmo que em benefício do funcionário, precisam ser autorizados por escrito. Todo esse cuidado é justamente porque o salário é o principal recurso de sobrevivência das famílias, ele tem o objetivo de garantir o alimento.

Os exemplos mais simples de desconto que precisa ser autorizado são os planos de saúde ou odontológicos e as contribuições de sindicato.

O artigo 579 da CLT, recém alterado pela reforma trabalhista, pede “autorização prévia e expressa (por escrito)” para a cotização dos sindicatos.

A recomendação é de que qualquer desconto seja tratado antes por escrito, desde que não seja um desconto consentido diretamente pela lei, como ocorre nas ausências injustificadas.

Cada tipo de trabalhador deve se atentar à legislação relativa a ele. No caso dos domésticos, por exemplo, profissionais extremamente precarizados, a lei complementar número 150 de 2015 sempre deve ser consultada.

Há pouco tempo, por exemplo, recuperei o contato com uma amiga muito antiga. Ela sempre trabalhou de doméstica, mas se aposentou recentemente e decidiu ser babá para um jovem casal, complementando a renda de aposentadoria.

Ao contrário do que alguns possam pensar, o aposentado comum pode continuar a trabalhar e o fato dele estar aposentado não prejudica os direitos trabalhistas do atual trabalho, ou pelo menos, não devia prejudicar.

Como a amiga já estava aposentada, o casal pensou no salário dela não como a retribuição de um serviço, mas numa ajuda de aposentadoria, enquanto ela trabalha sem direito trabalhista, por um valor muito menor.

O acordo entre eles seria dela morar na residência do casal e, que por conta disso, ela só receberia R$ 400,00 mensais. Nada por escrito, nada negociável.

Esse acordo está correto?

Não. De forma alguma.

Basta uma rápida leitura do parágrafo segundo do artigo 18 da lei complementar 150/2015 para entender:

“Art. 18.  É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem. 

§ 1o  É facultado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado em caso de adiantamento salarial e, mediante acordo escrito entre as partes, para a inclusão do empregado em planos de assistência médico-hospitalar e odontológica, de seguro e de previdência privada, não podendo a dedução ultrapassar 20% (vinte por cento) do salário. 

§ 2o  Poderão ser descontadas as despesas com moradia quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes.”

§ 3o  As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos.”

Morar no local do trabalho não é remuneração e nem poderia ser, porque não é retribuição pelo trabalho, mas uma opção de conveniência de quem contrata, até porque morar no trabalho tem sido pretexto para essa amiga também trabalhar aos finais de semana e no horário noturno, sem receber a mais por isso.

Além dos danos materiais, esses descontos ilegais de alimentação e moradia no trabalho também geram danos morais. Em casos mais graves, ainda pode configurar crime de trabalho análogo à escravidão e precisa ser denunciado.

Descontos ilegais com falta justificada

Descontos ilegais com falta justificada
Descontos ilegais no salário 5

Alguns profissionais da saúde podem emitir atestado como justificativa de falta ao trabalho, de acordo com a lei número 605/49, esse é o caso de médicos e de dentistas.

Segundo o artigo 6º dessa lei, desde que comprovada a doença, as faltas podem ser abonadas. Essa e nenhuma outra lei dão limite para o número de atestados apresentados, por isso cada caso é um caso e os longos afastamentos devem ser levados ao INSS:

“Art. 6º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.

§ 1º São motivos justificados:

f) a doença do empregado, devidamente comprovada”.

A comprovação é realizada pelo atestado médico, com dia, horário e assinatura do médico responsável pela consulta. Antes de entregar qualquer documento para a empresa, RH ou superior, lembre-se de primeiro tirar xerox para ficar com a cópia.

Com o atestado médico devidamente apresentado, a remuneração não pode ser descontada pelo prazo indicado no limite de até quinze dias. Após esse prazo, o empregado deve retornar ao trabalho ou agendar perícia do INSS para receber benefício previdenciário durante o afastamento.

O atestado emitido por qualquer médico habilitado deve ser recebido de boa-fé, mesmo sem CID ou na especialidade médica específica para o problema tratado, duas condições sem respaldo legal que têm gerado a recusa do atestado por parte das empresas.

Aliás, o número CID não qualifica ou desqualifica qualquer direito trabalhista, e a exigência por parte da empresa pode gerar dano moral por violar o sigilo médico entre paciente e profissional, porque pedir o CID obriga o funcionário a declarar diagnóstico ou condição médica, o colocando em constrangimento (processo número RO – 213-66.2017.5.08.0000).

Os descontos são ilegais mesmo que só parciais, sobre vale-refeição ou insalubridade do período justificado por documentação médica, a única exceção, que pode ser descontada, é o vale-transporte.

Ao contrário da alimentação, o artigo 458 da CLT não considera o transporte como salário para qualquer fim, assim como os equipamentos de proteção e o seguro de vida, essas seriam utilidades concedidas que dependem do uso dentro da finalidade delas.

Neste caso não existe desconto, mas um “não ganho” pelo “não uso”.

O desconto é um tipo de penalidade, por isso o abatimento precisa ser compatível com alguma irregularidade por parte do funcionário, e não pode ser feito a qualquer custo ou fora da lei.

A repetição dos descontos ilegais pode dar causa à ação de rescisão indireta na Justiça do trabalho contra a empresa e, inclusive, proporcionar danos morais e materiais, individuais e/ou coletivos (exemplo de processo: TST – Ag: 14345620155220003, sétima turma, publicado em 19/03/2021).

Por fim, uma situação específica que envolve atestados e tem ameaçado o direito da trabalhadora gestante, são os descontos de salário por afastamento ou troca de função por conta da gestação.

Pela lei número 14.151/21 da gestante, durante a pandemia o afastamento por gravidez de risco ou não, deve ser mediante remuneração integral. Algumas empresas tem cobrado atestado médico para garantir esse direito, mas essa postura é irregular, porque basta a confirmação da gravidez.

Contudo, a Lei 14.151/21 pode ser aplicada até o dia 08/03/2022, pois foi aprovada a Lei 14.311 de 09/03/2022 que estabeleceu o retorno da gestante ao trabalho quando já vacinada, vejamos:

§ 3º Salvo se o empregador optar por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º deste artigo, a empregada gestante deverá retornar à atividade presencial nas seguintes hipóteses:

I – após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2;

II – após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização;

III – mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade de que trata o § 6º deste artigo;

Outra situação de descontos ilegais é o uso abusivo do banco de horas negativas contra a gestante afastada do trabalho presencial. A medida é irregular porque o afastamento tem respaldo legal e não gera crédito de horas para a empresa, até 09/03/2022, quando entrou em vigor a Lei 14.311/22.

Inclusive anteriormente à lei da gestante, o afastamento das funções perigosas e insalubres já era um direito trabalhista previsto no artigo 394-A da CLT, independentemente de qualquer atestado médico.

Resumindo

O afastamento com atestado médico, dentro da lei, e antes do envio do funcionário para o INSS, não pode gerar desconto de remuneração, com a exceção exclusiva do vale-transporte, justamente porque esse valor não é considerado parte do pagamento do funcionário.

Durante a COVID-19 e os atuais surtos de influenza e variantes pelo país, a recusa dos atestados pelo contratante está gerando uma série de descontos ilegais em cascata.

A lei número 605 de 1949 inclusive já foi atualizada para dispensar o atestado médico de contaminados pela COVID-19 nos primeiros sete dias de isolamento, até porque nesse período existe perigo de contágio que requer reclusão e distanciamento social.

O afastamento será de dez dias, podendo ser reduzido para sete com a apresentação do exame negativo (RT-PCR ou RT-LAMP), segundo a portaria interministerial número 14, de 20 de janeiro de 2022.

Em caso de prejuízo, sempre procure um advogado para avaliar a possibilidade de se desligar do contrato de trabalho por rescisão indireta. Em caso de dúvida, entre em contato através do nosso chat para conversar com a nossa equipe.

Aline Fleury

Além de advogada, é entusiasta da vida acadêmica.

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